Diversão e Arte

Crítica: Chico Buarque volta bem no disco Caravanas

Álbum do compositor será lançado na sexta-feira (25)

Alexandre de Paula
postado em 22/08/2017 10:25
Chico lança 'Caravanas' na sexta-feira (25)
Quando Chico Buarque entra em campo, ninguém espera 1 a 0 ou placares miúdos. O cantor e compositor carioca (tão aficionado pelo futebol) é Barcelona de Guardiola, seleção brasileira de 1982. Talvez por isso, o anúncio de um jogo sem brilho com a letra de Tua cantiga tenha provocado tanto burburinho (além das polêmicas sobre machismo) e aumentado a ansiedade para Caravanas, novo álbum de Chico (que será lançado na sexta, 25).

O jogo, no entanto, para a felicidade dos fãs do cantor e da música brasileira melhora. A letra realmente técnica (há rimas toantes, aliterações;), mas fraca de Tua cantiga, com imagens pouco inspiradas para um poeta da envergadura de Chico, não representa o todo do belo álbum Caravanas. Também não faz jus, é bom que se diga, à melodia de Cristóvão Bastos.
[SAIBAMAIS]Em épocas de chutão e retrancas, Chico coloca a bola no chão em Caravanas e faz, com sutileza e elegância, um retrato dos nossos dias. Sim, Caravanas pode não parecer, mas é um documento do tempo em que vivemos.
Compositores como Chico têm a capacidade de falar sobre inúmeras coisas ao mesmo tempo e de incutir significados maiores do que a superfície das letras mostra. É preciso mergulhar. Então, quando Chico fala sobre futebol ou sobre desaforos em um relacionamento, pode haver (e há) mais do que parece.
;Há que levar um drible/ por entre as pernas sem perder/ a linha;, canta em Jogo de bola. ;Salve o jogar bonito/O não ganhar no grito;, surge mais adiante. É futebol, mas não é. Poderia ser bem um recado para os berros, linchamentos e a divisão maniqueísta das redes sociais.
Na mesma canção, Chico também louva os novos tempos. Há coisas belas por aí e deixar de ser a grande sumidade não incomoda. Com essa ideia, produz alguns dos versos mais virtuosos do álbum: ;Outrora, quandos em priscas eras/ Um Puskás eras/ A fera das feras da esfera,/ mas agora/ Há que aplaudir o toque/ O tique-taque, o pique, o breque;.
A homenagem ao craque húngaro culmina em uma aceitação bonita e nada nostálgica (talvez até sobre o ofício de compositor). Ver o futebol bonito dos jovens não causa dor: ;É ver o próprio tempo num relance/E sorrir por dentro;.
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A política aparece mais vezes no álbum. Ela está quase sempre, porém, disfarçada em recados e reflexões sutis. Combativo, mas sem perder a elegância jamais. Cantar Casualmente (dele com Jorge Helder), em espanhol, sobre Havana parece ser uma resposta aos gritos de ;Vai pra Cuba;.
Desaforos é, em tese, sobre um relacionamento. Mas versos como ;Nunca bebemos/Do mesmo regato/ Sou apenas um mulato que toca boleros/ Custo a crer que meros lero-leros de um cantor/Possam te dar/ Tal dissabor; poderiam falar também sobre as ofensas recebidas pelo compositor em tempos de ânimos exaltados politicamente.
Em Caravanas, canção que nomeia e que encerra o disco, as questões políticas são mais latentes diretamente. Os refugiados, os meninos do Rio de Janeiro são representados em uma letra poeticamente muito forte, à altura dos clássicos. ;É um dia de real grandeza, tudo azul/ Um mar turquesa à la Istambul;, canta.
As duas canções não inéditas do álbum, Dueto (originalmente registrada com Nara Leão) e A moça do sonho, se encaixam bem no contexto do álbum. A primeira, gravada com a neta Clara, ganha atualizações com palavras como Tinder, WhatsApp e Telegram.
O cantor e compositor com o neto Chico Brown
Massarandupió, valsa do neto Chico Brown (filho de Carlinhos Brown), é outra das preciosidades de Caravanas. A bela melodia ganha uma letra singela e bonita do avô sobre a infância: ;Devia o tempo de criança ir se/ arrastando até escoar, pó a pó/ Num relógio de areia o areal de/ Massarandupió;.

Chico Buarque datado?

Quando Tua cantiga foi divulgada, a discussão sobre ser uma canção datada ou não ferveu nas redes sociais. Essa letra especificamente pode, de fato, ser deslocada, mas o resto do disco, não.
Chico, é verdade, não faz algo alinhado à pressa e à superficialidade tão presentes nos nossos dias, porque vai além. Como álbuns como Construção não são velhos décadas depois do lançamento, Caravanas também não é. A opção por não escancarar algumas questões torna isso ainda mais válido.
No fim das contas, Chico jogou bem!

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