Diversão e Arte

Fernando César lança CD em que retoma a conexão com o choro

Disco 'Tudo novamente' tem linguagem contemporânea e brasiliense

Irlam Rocha Lima
postado em 19/09/2017 06:30

Fernando César se apresenta no Clube do Choro desde a década de 1980

Fernando César é um caso raro no universo da música popular brasileira. Dos seus 46 anos de vida, 36 têm sido dedicados integralmente ao ofício de violonista ; e de forma profissional. Artisticamente, a história desse carioca, brasiliense desde a infância, teve início quando, ao lado do irmão, o consagrado bandolinista Hamilton de Holanda, formou o Dois de Ouro.

O duo existiu até o começo da década passada, quando Hamilton foi morar no Rio de Janeiro. À época, porém, Fernando já vinha tocando com outras formações, como os grupos Choro Livre, Choro & Companhia e Aquattro, participava de projetos do Clube do Choro ; acompanhando outros instrumentistas ; ou comandando rodas de choro. Por sete anos, entre 2004 e 2011, foi coordenador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello.

Em 2014, esse mestre do violão lançou o Três por quatro, o primeiro disco solo totalmente voltado para a valsa; e agora, acompanhado por um regional, chegou ao segundo álbum, intitulado Tudo novamente e dedicado ao choro, mas com uma linguagem contemporânea e brasiliense. Fiel ao gênero ; tido como a gênese da MPB ; ele afirma, em texto que assina no encarte do CD: "O choro, soberano para o instrumentista brasileiro, não só está vivo, como é sempre atual".

Nesta terça-feira (19/9), às 21h, Tudo novamente será lançado no Espaço Cultural do Choro. No show, Fernando César tem a companhia do regional que participou das gravações, formado por Thanise Silva (flauta), Pedro Vasconcellos (cavaquinho), Júnior Ferreira (acordeon) e Valerinho Xavier (pandeiro).


Fernando, aos 36 anos de carreira, que lembranças guarda do garoto que se apaixonou pelo violão ainda na infância?
Na memória tenho sempre a referência do meu pai tocando em casa, os discos que ele ouvia. Logo, veio a minha percepção que aguçou para o violão. Aquela baixaria que os violões de choro e de samba fazem. Mas acho que o mais importante da minha infância foi meu pai, sem saber o bem que ele estava fazendo, coordenar todos os dias, de segunda a sexta, no fim do dia, um ensaio meu, dele e do Hamilton. Religiosamente, nós ensaiávamos uma hora por dia e isso foi muito importante para a nossa música se desenvolver. Tocar em grupo talvez seja uma das coisas mais difíceis e a gente teve isso de uma forma natural, ainda criança. Acho que isso fez muita diferença.


Como e de que forma esse instrumento passou a fazer parte de sua vida?
Eu comecei tocando cavaquinho e realmente não lembro de que maneira assumi o sete cordas como instrumento. Ter o violão de sete cordas disponível em casa e o encanto pela sonoridade que eu ouvia nos discos fez com que eu fosse para o instrumento. Acho que foi algo natural e instintivo.


Foi seu pai quem lhe deu o primeiro violão?
Sim. Era um bom instrumento da Ao Bandolim de Ouro, loja tradicional que fornecia instrumentos para chorões do Brasil inteiro. Por sugestão do Valério, pai do Valerinho, meu pai comprou lá. Valério dizia: ;Você precisa comprar bons instrumentos para esses meninos;. Aí, Hamilton ganhou um bandolim e eu ganhei um violão, ambos da marca Do Souto. Antes desse violão, eu usava os violões do meu pai.


Aos 10 anos de idade, com o Hamilton, irmão mais novo, criou o Dois de Ouro. Quais as recordações mais caras desse começo de trajetória?
Há algumas. A primeira vez que tocamos no Clube do Choro, em 5 de setembro de 1981. A apresentação no Fantástico, em outubro de 1983: as idas ao programa Carrossel, da TV Brasília, também marcaram muito. Tocávamos muito lá. Na proximidade do Natal, nós participamos do show do Carrossel na Torre de TV. Devia ter umas 20 mil pessoas nos assistindo. Isso também foi muito marcante.


Quando e onde o duo recebeu de Pernambuco do Pandeiro o nome de Dois de Ouro?
Não me lembro e acho que nem pai e nem Hamilton se recordam disso. A partir de um momento inicial, ali em 1982, depois da nossa primeira apresentação no Clube do Choro, Pernambuco, que sempre estava com a gente, passou a tocar conosco nos shows dos restaurantes e dos bares. Então, na verdade, o Dois de Ouro era, inicialmente, um quarteto: eu, Hamilton, meu pai e Pernambuco do Pandeiro.


Ao gravarem o Destroçando a maxaceira, o primeiro disco, já se sentiam suficientemente preparados?
Eu estava com 25 anos e Hamilton, com 20. Estávamos preparados para gravar, sim. Obviamente, hoje a gente volta atrás e percebe a evolução. Acho que faria de uma maneira diferente, porque, hoje, a gente tem outra visão. Para se ter uma ideia, em 1995 classificamos cinco músicas do Destroçando a macaxeira em um festival de choro no Rio de Janeiro. Era uma música minha com meu pai e as outras do Hamilton. Destroçando a Macaxeira, composição do Hamilton, obteve o segundo lugar e ele ganhou o prêmio de melhor intérprete.


O segundo, A nova cara do velho choro, foi uma consequência do primeiro?

O segundo disco veio naturalmente. Estávamos fazendo vários shows. Era uma época em que a gente tocava bastante, amadurecendo repertório. O primeiro disco foi autoral e o segundo tinha clássicos em outros arranjos. Em um momento, apareceu a oportunidade com uma gravadora que sugeriu a gravação dos clássicos. Nós já tínhamos praticamente quase tudo pronto, testado em shows e com o retorno do público. Assim, foi bem fácil gravar. O título a gente tirou de uma reportagem sua no Correio.


Se fixar em Brasília teve que tipo de motivação?
A motivação inicial para eu me fixar em Brasília foi ser professor e, por um período, coordenador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. Na escola eu pude oferecer para as pessoas, principalmente para os adolescentes e às crianças, o que eu não tive. Ou seja, pude oferecer alguém ensinando o choro, a linguagem, o violão de sete cordas, a baixaria, como usá-la. Pela sua tradição oral, o choro nunca era ensinado, era aprendido. Outra motivação foi a qualidade de vida que a cidade me proporciona. Eu posso levar e buscar meus filhos na escola, posso remar no lago, fazer um ensaio e depois almoçar em casa. Fazer várias coisas em um dia é algo importante para mim e, talvez, outras cidades não me proporcionariam isso.


Três Por Quatro, o disco de valsas lançado em 2010 representa o que no seu trabalho?
Acho que Três Por Quatro foi uma grande aventura prazerosa. Foi a chance de me mostrar só eu e meu violão em disco e em shows. Foi uma boa novidade e um grande desafio, mas muito prazeroso. Gostei muito do resultado.


[SAIBAMAIS]Em Tudo Novamente o choro é projetado de uma forma ; digamos ; contemporânea, mesmo gravado por um conjunto regional. Acredita que a essência do velho e bom chorinho se mantém?

No CD Tudo novamente está registrado o som dos músicos. É o nosso som que está sendo tocado. Então, é choro porque a essência está ali, mas tem todas as informações que cada um de nós projeta na música que faz. A tradição do velho e bom choro se mantém. Tem algo novo, mas não é uma invenção. A novidade está nas informações que cada um de nós tem, passada para a música que a gente toca. A música sempre foi e sempre será dessa maneira. O músico está sempre evoluindo e essa evolução é notada na música que é feita por ele. As novas informações vêm surgindo, mas essência está ali. Sempre vai estar.


Tudo novamente
Show de lançamento do CD do violonista Fernando César e regional hoje, às 21h, no Espaço Cultural do Choro (Eixo Monumental). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia para estudantes). Não recomendado para menores de 14 anos. Informações: 3224-0559.



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