Diversão e Arte

Bernardo Élis ganha antologia de contos ilustrada

A homenagem de seu centenário ficou por conta do artista gráfico Elder Rocha Lima

Severino Francisco
postado em 23/09/2017 07:31
Ilustração de Elder Rocha Lima, para o livro Bernardo Élis Centenário Contos Selecionados
Quando José Salles Neto, o presidente da Confraria dos Bibliófilos do Brasil, convidou o artista plástico Elder Rocha Lima (pai) para ilustrar a edição do livro Bernardo Élis Centenário ; Contos selecionados, não tinha a menor ideia de que o artista era grande amigo do escritor goiano. A coletânea reúne 10 contos de Élis. Elder mora em Brasília desde a criação da cidade, mas se considera homocerratense de origem rural, morou em fazendas na infância e conhece muito bem o universo do sertão de Goiás, retratado na ficção de Bernardo Élis.

De maneira que ilustrar a edição sobre Bernardo Élis foi a ação mais natural para Elder: ;A maior inspiração foram minhas recordações de homem da roça, de homem sertanejo. Meu pai era pequeno fazendeiro. Não precisei fazer nenhuma pesquisa, o próprio texto do Bernardo impulsionou ao desenho das cenas. Eu acompanhei a produção da obra do Bernardo Élis desde a infância e a adolescência. Eu discutia muito com ele;.

Bernardo Élis era de Corumbá, cidadezinha perdida no tempo, situada quase no sertão goiano. Em seguida, mudou-se para Goiás, onde terminou o ginásio. Também era uma cidade sertaneja. Então, conhecia de maneira profunda a fala, os hábitos, os costumes e o imaginário do homem interiorano de Goiás: ;A literatura do Bernardo é violenta;, observa Elder. ;Os acontecimentos que ele retrata são muito trágicos. O conto A enxada, uma das obras-primas dele, é extremamente violento. É um traço marcante da literatura dele. Ele retrata um estado de Goiás que estava isolado do restante do país. Ali, mandava quem podia. Paradoxalmente, a família dele, embora tradicional, era muito pacífica, e se distinguia pelas qualidades intelectuais. Era uma família de escritores e de juristas;.
[SAIBAMAIS]

Elder não sabe se Bernardo Élis gostaria de ser chamado de escritor regionalista. Mas, efetivamente, ele era, antes de tudo, um ficcionista da aldeia goiana, embora tivesse ambições literárias universalistas. Os personagens, a prosódia, a temática e o ambiente físico são essencialmente goianos: ;O romance O tronco é de uma violência inaudita;, comenta Elder. ;Não havia lei naquele Goiás isolado do restante do país. Imperavam os coronéis e seus jagunços. Esse mundo acabou, mas ficaram resquícios. No entanto, ao mesmo tempo, a literatura dele transcende o regionalismo. Ele tinha uma fantástica capacidade de observação, memória fotográfica e conhecia a língua erudita e a língua popular. Se enquadra perfeitamente ao que Tósltoi falou: se queres ser universal, fale primeiro da sua aldeia;.

É precisamente com Tólstoi que José Salles aproxima a ficção de Bernardo Élis. O escritor goiano é um grande contador de histórias. Todos os contos que escreveu são de alta qualidade, argumenta Salles. Ele cita A enxada, André, o louco; Caminhos e descaminhos e Ontem como hoje. No entanto, no ano da passagem do centenário do escritor goiano, ele está completamente esquecido pelas editoras: ;Os livros dele estão fora de catálogo há muitos anos. O conto A enxada é uma obra-prima, é quase uma novela. O conto Ontem como hoje tem uma narrativa muito moderna e pode ser alinhado com Hemingway ou John Upidike. Veranico de janeiro está na antologia dos 100 melhores contos brasileiros, selecionada por Ítalo Moriconi e tem traduções para várias línguas;.
A homenagem de seu centenário ficou por conta do artista gráfico Elder Rocha Lima

Salles observa que nem os jornais falaram do centenário de Bernardo Élis: ;É estranho, pois ele é o nosso Guimarães Rosa;. Bernardo Élis foi o único escritor goiano a ingressar na Academia Brasileira de Letras: ;Bernardo Élis é Guimarães Rosa sem os neologismos e as invenções verbais. Você pode colocar um conto do Bernardo e colocar nas mãos de um menino razoavelmente letrado que ele vai ler e vai gostar da academia. Lê porque é fácil. Se colocar o Guimarães Rosa, ele desiste porque é difícil. Bernardo Élis escreve para adultos, mas é também um autor pediátrico.;

Bernardo Élis pode ser considerado um escritor regionalista pelo ambiente e pela temática, argumenta Salles. Mas não pela forma de narrar, como se nota, por exemplo, na obra do paulista Valdomiro Silveira: ;Se você não tiver um glossário simplesmente não entende o que Valdomiro escreve. Isso não ocorre com Bernardo Élis. A linguagem dele não é cifrada; é clara, simples e transparente;.

O universo de Bernardo Élis é regido pela dimensão trágica. O pano de fundo são as relações de opressão dos coronéis do interior de Goiás com os despossuídos, como acontece em A enxada. No entanto, o escritor não se detém nos conflitos de classe: ;Bernardo Élis raramente conta coisas engraçadas. Se tiver humor, é um humor negro. O universo dele é trágico;.


Bernardo Élis Centenário ; Contos selecionados
Edição especial da Confraria dos Bibliófilos do Brasil. Contatos: conbiblibr@yahoo.com.br e 3435-2598

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação