Irlam Rocha Lima
postado em 28/09/2017 07:30
;Numa tarde quente eu fui me embora de Brasília/ Num submarino do Lago Paranoá/ Quero ser estrela lá no Rio de Janeiro/ Namorando Madalena na beira do mar...;
Oswaldo Montenegro já havia feito vários shows na cidade e encenado a peça João sem nome, quando, em 1975, partiu para o Rio de Janeiro decidido a seguir a vida artística de forma profissional. No mesmo ano, a flautista Madalena Salles, que o acompanhava desde o início, foi ao seu encontro. Com 21 anos o jovem cantor e compositor recebeu a acolhida de Dori Caymmi, Miltinho (MPB4) e de Hermínio Bello de Carvalho.
Contratado pela gravadora Warner, lançou Poeta maldito, moleque vadio, o disco de estreia, que trazia a canção Léo e Bia. O LP não decolou e por pouco Montenegro foi dispensado. O salvou o terceiro lugar conquistado no festival da extinta TV Tupi, em 1979, com a delicada Bandolins. A música se tornou um grande sucesso, levando-a a ser incluída no bolachão, relançado pela gravadora.
No ano seguinte, o cantor venceu MPB 80, festival promovido pela TV Globo com Agonia, composta por Mongol, amigo e parceiro. A partir dali, visto como um menestrel moderno, ele alcançaria um outro patamar no cenário musical brasileiro e conviveria com uma agenda repleta de compromissos.
Mesmo a distância, Montenegro mantinha a capital federal sob o seu foco. Foi aqui que deu início a um dos seus projetos mais vitoriosos, o da montagem de musicais. O primeiro deles, Veja você Brasília, no começo da década de 1980, além de obter êxito indiscutível, revelou duas futuras estrelas do pop rock nacional, as cantoras Cássia Eller e Zélia Duncan.
Desde então, o talento desse artista de múltiplas facetas tem sido observado não só na música e no teatro, como também na televisão e no cinema. Ele tem se destacado também ao revelar novos valores para diferentes segmentos artísticos ; um deles é o ator e cantor Emílio Dantas, que representou Cazuza no musical Pro dia nascer feliz, e, no momento, dá vida ao traficante Rubinho na novela A força do querer.
Em turnê pelo país com o show Nossas histórias, o Menestrel volta a Brasília para apresentação amanhã, às 21h, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Nesse espetáculo, tendo ao lado os amigos Zé Alexandre e Madalena Salles e acompanhado por Alexandre Meu Rei (guitarra e baixo), Sérgio Chiavazzolli (bandolim, guitarra e violão) e Rodrigo Scofield (bateria), ele celebra 45 anos de carreira.
Nossas histórias
Show de Oswaldo Montenegro e banda, com a participação de Zé Alexandre, amanhã, às 21h, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães (Eixo Monumental). Ingressos: preços entre R$ 100 e R$ 320. Pontos de venda: Bilheteria Digital no Brasília Shopping, Liberty Mall e Pátio Brasil. Não recomendado para menores de 14 anos.
Oswaldo, o que guarda da memória de quando partiu de Brasília para o Rio de Janeiro visando maior dimensão à carreira artística, iniciada aqui?
Era uma mistura de excitação e alegria, com uma saudade prévia. Tinha a clareza de que, a partir dali, ia morar na estrada. Tenho, desde então, uma sensação de falta constante da minha casa, em Brasília. Sempre fomos uma família muito feliz, de dar grandes gargalhadas nos almoços coletivos. Fui embora eufórico, mas consciente de que, a partir dali, iria ter que lutar com uma agenda alucinada para conseguir voltar a Brasília, aos meus amigos e meus familiares.
Ao chegar ao Rio, houve quem o apoiasse?
Sim. Dori Caymmi, Tamba Trio, Hermínio Belo de Carvalho e muitos outros. Sou grato a todos. A Aliança Francesa me possibilitou montar minhas primeiras peças no Rio. Havia uma efervescência cultural. Dei sorte de chegar numa época em que existia um interesse forte pelo artista que estava chegando. O Miltinho, do MPB4, me recebeu em sua casa. Dedicava-se muito tempo apenas para ouvir as canções de jovens compositores. Não dava tempo nem de pensar. Me fez bem não ter tempo para pensar.
A classificação em terceiro lugar no Festival da Tupi, com Bandolins, foi importante em que medida?
Bandolins viabilizou minha carreira de compositor. Eu havia realizado um disco para a Warner: Poeta Maldito, Moleque Vadio, que vendeu muito pouco. Foi um disco caro, gravado com orquestra. O reduzido êxito comercial desse LP faria com que a gravadora se inclinasse a me dispensar. Através do festival, músicas desse primeiro álbum foram alavancadas com Bandolins e, até hoje, são conhecidas do público que nos acompanha, como por exemplo Léo e Bia e Se puder sem medo. Bandolins também tem a importância de registrar para mim mesmo um estilo que me acompanha até hoje, que é a mistura da seresta barroca de São João Del Rei, sua passionalidade, com o peso e a secura do blues. Eu me lembro que, na gravação, conversamos que o compasso 3/4 da valsa caberia matematicamente no compasso 12/ 8 do blues. E, assim, os bandolinistas tocavam uma seresta e o baterista e o baixista ;embluzavam; a canção.
E a vitória no MPB-Shell com Agonia trouxe que tipo de acréscimo à sua trajetória?
Trouxe um imenso susto. A coisa ganhou uma dimensão que eu não esperava e a expectativa da gravadora passou a ser tão grande, que ameaçou o que mais prezo na minha carreira: liberdade e diversão. Aí, larguei tudo. Comecei a fazer projetos nômades com elencos dos lugares por onde passava. Foi a época mais emocionante da minha vida. O primeiro foi em Brasília, depois fizemos várias outras cidades.
Ser contratado pela Warner contribuiu para que sua música se propagasse mais, por meio dos discos gravados nessa companhia?
Sim. Era uma gravadora que investia a longo prazo, sabia que o lucro viria de um artista estabilizado. Dava aos contratados tempo para que isso acontecesse.
Quantos títulos contabiliza em sua discografia?
Gravei mais de quarenta CDs e sete DVDs. É difícil contabilizar, porque às vezes relançam coletâneas. Aí, é uma confusão danada.
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Quais foram os mais importantes e por quê?
As obras que mais prezo são os audiovisuais. Fiz, como autor e diretor, três longas-metragens (Léo e Bia, Solidões, duas temporadas da série De Sonhos e Segredos e alguns DVDs, como o 3x4, o Intimidade, o 25 Anos e o Quebra Cabeça Elétrico. Nesses projetos, os conceitos estão mais claros, dá para entender melhor a fase do que nos CDs.
Os musicais que realizou ; a partir do Veja você Brasília ; contribuíram até que ponto para a popularização do seu trabalho?
Acredito que contribuíram para a popularização, mas, acima de tudo, me geraram muito aprendizado. Tive contato com artistas interessantes que me ensinaram muito. Tenho mais prazer nessas coisas que envolvem muita gente. Falta-me vocação para o trabalho solo. Sonhar a arte com parceiros e amigos é o que me dá mais alegria.
Léo e Bia virou musical e depois, filme, que revelou, entre outros, o ator e cantor Emílio Dantas. É seu maior sucesso?
Numericamente, no teatro, foi A dança dos signos e, no cinema, acho que O perfume da memória, porque teve uma repercussão de muitos acessos no nosso canal do YouTube e atingiu mais o público fora do Brasil do que Léo e Bia e Solidões.
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Madalena Salles, sua parceira mais constante, tem que representatividade em seu trabalho?
Absoluta. Trabalhou como assistente de direção e flautista em todos os meus projetos, sem exceção. Temos uma formação diferente. Ela é uma artista erudita, com muito mais bagagem do que eu. Eu crio o tempo todo de forma desorganizada, como uma criança sem freios. Ela bota a bola no chão, me esculhamba quando cometo desatinos artísticos (o que não é raro) e dá a todos os projetos um acabamento que, toda vez que rolou, foi mérito dela, e toda vez que não foi atingido, foi culpa da minha ansiedade e do fato de eu criar o tempo todo sem método e sem disciplina.
No início da carreira, com a montagem de João sem nome, mesmo sendo filho de militar, você contestava o establishment. Nos tempos de hoje, em que o Brasil vive uma imensa crisepolítica, qual é a sua avaliação desse situação?
Vivemos um momento grave. Há uma mistura de perigo e esperança no ar. É preciso não confundir o inimigo. Tem gente bem- intencionada brigando com gente bem-intencionada. As diferenças de opiniões não podem desunir quem sonha com um país melhor. É preciso derrubar a corrupção que corrói a nação há tanto tempo. Divergir faz parte da democracia.
A quem aponta como novos nomes que podem brilhar daqui para a frente?
Tem muita gente boa. Dirijo muitos jovens que podem, de alguma forma, fazer uma arte interessante. Vai depender deles, da coragem de não seguir caminhos fáceis ou predeterminados. Não dá para saber o que faz sucesso. Se houvesse fórmula, todo livro seria best-seller, todo filme,um sucesso.
O que preparou para o Nossas histórias, o show comemorativo dos 45 anos de carreira?
Vou com uma banda de notáveis. São quatro músicos virtuosos que costuram as músicas que me são mais simpáticas a essa altura do campeonato. O som é misturado. Com peso muito grande de guitarras, baixos, bateria e teclados, herança do rock e o do blues que Brasília inseriu na minha alma, e a flauta de Madalena trazendo as igrejas e serenatas da Minas da minha infância. Contamos também algumas histórias que foram importantes nessa trajetória. A parte mais emocionante do show, para mim, é a homenagem que fazemos a Zé Alexandre. Ele entra no final do espetáculo e cantamos juntos Léo e Bia, Incompatibilidade e Bandolins.