Diversão e Arte

Escritores contam como a literatura se coloca na contemporaneidade

Principal desafio continua sendo escrever algo que desperte interesse do público

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 02/10/2017 06:00
Luisa Geisler: prêmios e profissionalismo
Entre o renome das grandes editoras, as possibilidades da internet, a tradição do impresso e a despretensão de jovens autores, a produção literária no Brasil se sustenta. Sejam eles escritores premiados ou estreantes que buscam um caminho firme na carreira, um objetivo é compartilhado: os projetos literários são criados pela parceria entre a realização própria e a empatia despertada no leitor.

Luisa Geisler optou por dedicar-se inteiramente a um trabalho de qualidade, iniciando sua carreira na literatura aos 19 anos, quando ganhou um prêmio Sesc com o livro Contos de mentira. No ano seguinte, a autora emplacou seu primeiro romance, Quiça, que também saiu como premiado no Sesc. Para ela, o mais importante é a empatia: "A empatia talvez seja do que mais precisamos para um diálogo, e gosto de ter isso no que escrevo. O leitor, confesso, é quem quiser ler. Tenho referências da alta literatura e outras mais cultura pop e cada um pode ler como quiser", destaca a gaúcha.

Publicada pela Record, uma das grandes editoras do mercado atual, Luisa opta por escrever uma literatura que não seja panfletária.

Para ela e para o também premiado autor Ricardo Lísias, mais do que se perguntar como fazer as relações públicas do seu trabalho, um autor tem que escrever algo que seja bom e cause interesse. Ricardo estreou na literatura em 1999, com o romance Cobertor de estrelas e se viu envolto em polêmicas com suas últimas publicações. A confusão entre realidade e ficção é marca de sua escrita e costuma despertar grande envolvimento com o público leitor, constantemente desafiado por Lísias.

Projeto de criação

Principal desafio continua sendo escrever algo que desperte interesse do público
As manifestações que explodiram no país e a qualidade da literatura contemporânea brasileira são alguns dos temas que permeiam suas publicações, sucesso de crítica e de público. ;Na hora de escrever penso exclusivamente no meu projeto de criação. Acho que no meu caso certo público compreendeu minha proposta e a está acompanhando;, destaca o autor.

Lísias busca, nesse momento, fazer uma literatura que recuse o conceito de representação e trabalhe com outro, o de intervenção. Assim, é uma exigência do seu projeto que ele pense na sociedade, já que os textos pretendem intervir nela. ;Sem dúvida é possível: há um grupo de políticos por aí bastante incomodado com um trabalho que fiz, tanto que fez de tudo para neutralizá-lo;, destaca. Para ele, é preciso esquecer a produção que pense no mercado, escrevendo com dedicação de acordo com os interesses de cada projeto literário. ;Acho que o escritor deve se preocupar exclusivamente com desenvolver o seu projeto. Já é coisa demais!”.



O olhar do editor

Eduardo Lacerda é criador e editor da Patuá, uma das editoras menores que se firma com qualidade na produção contemporânea e se coloca como opção para novos autores. O editor destaca que a divulgação da escrita, a comercialização do livro e a distribuição são também importantes para a obra e para o encontro do escritor com os leitores. A participação, mesmo que sutil, nas redes sociais, blogs e eventos literários ajuda na divulgação do livro e permite que mais leitores conheçam o que é produzido.

Para ele, o trabalho do editor é também um recorte de suas escolhas pessoais. ;Em quase uma década editando literatura, vejo que os diálogos que estabelecemos são sempre além daquele que propomos, pois por mais que exista uma proposta editorial, dialogamos com o imprevisível, com a recepção de poesia, de literatura, de cultura e essa recepção é dinâmica, ela se altera com o tempo;, afirma.

[SAIBAMAIS]Eduardo destaca que a forma como os leitores recebem a publicação de um livro de poemas e a forma como os leem pode mudar em pouco tempo, então, por mais que existam planos preestabelecidos, como os leitores receberão e como esses leitores vão responder, isso é sempre imprevisível. ;É quase sempre a construção de uma nova literatura, cada leitor reconstrói a literatura, isso é fascinante;.

Para ele, o encontro com novos leitores, que ainda não têm o hábito da leitura, está entre as experiências mais fascinantes. São esses leitores que trazem experiências novas e inusitadas, motivando seu processo de trabalho e criando a percepção de que é sim possível atrair e criar constantemente novos leitores.


Outras possibilidades

Principal desafio continua sendo escrever algo que desperte interesse do público

O jovem João Doederlein publicou recentemente sua primeira obra pela Companhia das letras, O livro dos ressignificados, que dialoga com o público jovem. O autor é parte de uma nova geração de escritores que busca se firmar através de novas plataformas e se insere na produção literária a partir de outros caminhos e alcança grandes números de leitores com sua forte presença na internet. João quer expressar uma escrita aberta e simples, que consiga conversar com um grande público.

Seus textos são regados de experiências pessoais e podem ser lidos por crianças, adolescentes e adultos. ;Acho que meu conteúdo é democrático e eu fico feliz com isso. Por postar em plataformas digitais, acabei atingindo muitos jovens, e isso me deu a oportunidade de lançar um livro físico que consegue conversar com um público mais tradicional;, conta. Para o escritor, as redes sociais conversam com o leitor em sua rotina diária, como um lembrete constante de sua produção literária.

O que se destaca entre ele e outros autores de sucesso na produção contemporânea é a originalidade do trabalho e a ausência de preconceitos com gêneros literários. Escrever sempre, de maneira constante e cotidiana, é a prática essencial, além da própria leitura e busca por referências. O mercado é amplo e para encontrar um lugar entre as obras que circulam com eficiência, é preciso encontrar um projeto literário próprio, original, com qualidade e boas histórias, atraindo diretamente o leitor.


Três perguntas/Eduardo Lacerda

Principal desafio continua sendo escrever algo que desperte interesse do público

Como é possível acessar de maneira eficaz os novos leitores?
Penso muito em como podemos atingir novos leitores. Acho que o escritor não necessariamente precisa pensar no público quando escreve, você não escreve para um leitor ideal esperando aquele texto, aquele livro, isso limitaria muito o que pode ser a literatura. O trabalho de formar novos leitores passa por outros profissionais, passa pela educação, pela criação de bibliotecas, pela valorização dos profissionais envolvidos com o livro, como revisores, ilustradores, passa pela democratização do acesso ao livro, pelo incentivo à criação de livrarias de rua, pela diminuição do preço do frete, pela valorização do escritor e sua profissionalização.

Qual é o lugar do escritor?
É muito ingênuo, é perverso, pensarmos que a responsabilidade de formar o público é exclusivamente do escritor. Mas, se não é uma responsabilidade exclusiva, acredito que vivemos um tempo em que escritores com boa vontade de acessar o público podem encontrar mais leitores do que aqueles que se isolam (e não estou afirmando que nenhum dos dois perfis é melhor do que o outro, apenas que quem procura o público, frequenta eventos, bate-papos, palestras, feiras, festas, tem uma chance maior de ter seu livro, agora, para a literatura que cada um escreve, isso é somente acessório descartável).

O que é preciso para ser um bom escritor e se manter no mercado?
Para a literatura, eu acho que é importante esquecer o mercado e o meio literário, isso não é literatura. O mercado serve a interesses comerciais, o meio literário a interesses corporativistas, é só meio mesmo, não é início e nem um fim. Claro, vivemos nesse mercado e nesse meio, precisamos pagar as contas, formamos naturalmente grupos de interesses comuns, tudo isso é natural e acontece, mas a literatura deveria mesmo ser algo além de tudo isso. Então, se isso é um conselho, eu aconselho ao escritor apenas escrever, procurar escrever bem, mas isso também é tão imprevisível. Pode-se perfeitamente escrever bem e não ser um bom escritor.





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