Irlam Rocha Lima
postado em 15/10/2017 06:00
;Tenho parte com o capeta, tenho parte com o cão/ Tenho parte com gato, com onça, com ave, gigante e anão.; Mesmo vivendo uma das fases mais amenas de sua trajetória artística, Ângela Ro Ro ainda solta seus bólidos recheados de acidez, como nesses versos do xaxado Parte com o capeta, uma das 11 faixas de Selvagem, seu décimo disco de estúdio e o primeiro depois de um hiato de 11 anos.
Nesse álbum, o segundo pela Biscoito Fino ; o primeiro foi Compasso, de 2006 ; Ro Ro exibe sua faceta artesã, uma vez que se trata de uma produção totalmente caseira. Ela teve ao seu lado apenas o tecladista e arranjador Ricardo Mc Card, parceiro mais frequente e com quem trabalha há mais de três décadas.
;A nossa parceria é informal, tendo por base conversas por telefone e e-mail. Geralmente o Ricardo me manda a música e eu coloco a letra. Eventualmente ele me permite que eu interfira, na melodia, e por vezes dou sugestões na criação dos arranjos. O nosso processo tem sido esse, e somos felizes da maneira que é encaminhado;, revela a cantora.
Quase todas, entre as 11 canções do CD têm ritmos variados ; incluindo programações eletrônicas ; e letras bem construídas, algumas contundentes, outras com doses de humor. As músicas são de uma nova safra de composições, embora haja algumas que estavam guardadas há mais tempo na gaveta. Uma dessas é o belo blues Portal do amor, que Ro Ro fez aos 23 anos, quando morava em Londres.
;É uma canção de separação, originalmente em inglês, com quatro partes. Duas delas usei em Amor, meu grande amor, parceria com Ana Terra, que é o meu maior sucesso. As partes que sobraram juntei a outras duas, feitas mais recentemente;. Num dos trechos, ela diz: ;Muito além de uma dor/ Uma rima para flor/ Vai ao ar um sinal/ Está aberto o portal do amor;.
Embora mantenha fidelidade aos blues e às canções, em Selvagem a cantora passeia por outros estilos musicais. Além do já citado xaxado, o repertório traz dois sambas. Num deles, Maria da Penha, critica de forma veemente a agressão a mulheres: ;Maria da Penha, venha/ Desce o morro pra ajudar/ Não cansei do meu amor/ Não, mas cansei de apanhar... Mudei de opinião, Seu Delegado/ Chama logo o camburão/ Que não tem jeito não;.
Contra tabus
Já em De todas cores, um samba rock, Ro Ro faz exaltação da diversidade sexual, ao cantar: ;Amor de todas as cores/ Amor de todas as flores pra perfumar seu bem-estar/ Amar sem difícil ou fácil/ Se dar sem pensar no amanhã/ Eu quero você nos meus braços/ Você é o sol da manhã...; O romantismo se espalha também em É simples assim, certamente composta para uma nova musa. ;O meu novo amor é um amor/ Traz de volta a minha alegria/Sereno pousado em flor/ Menina dos olhos do dia/ É simples assim, querer sem fim...;
Um outro tema tratado pela artista carioca no novo trabalho é o da defesa da natureza. Em Caminho do bem ela proclama: ;Ziguezageando no cominho do zen/ O lance é o meio ambiente, qualquer cabeça decente vê que preservar é fundamental/ Ar puro pra respirar, água para sede matar, a Natureza livre de todo mal;.
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De perguntas que tenham como foco vida pessoal e propalados escândalos no passado, Ro Ro passa ao largo. Candidamente se recorda da menina que, aos 15 anos, começou a tocar acordeon e piano. Para ela, no mundo de sólidos e gasosos, ;o ser humano é o que há de pior;. Mas é incisiva ao cobrar mais postos de saúde, honestidade dos políticos e da polícia, melhores rodovias e escoa de qualidade para todos.
Sempre autêntica, diz que pouco ou nada sabe sobre personalidades emergentes da nova cena musical brasileira como os cantores Pabllo Vittar, Liniker e Johnny Hooker. ;Minha admiração continua voltada para Caetano Veloso, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Nana Caymmi e Leny Andrade;.
Selvagem
CD de Ângela Ro Ro, acompanhada por Ricardo McCord, com 11 faixas. Lançamento da gravadora Biscoito Fino. Preço: R$29,90.
Voz rouca e personalidade forte
Carioca da Zona Sul, Angela Maria Diniz Gonçalves, a Ângela Ro Ro ; o apelido veio da voz grave e rouca ; surgiu em 1979, ano que entrou para a história da música popular brasileira por produzir um boom de cantoras do qual fizeram parte, entre outras, Simone, Marina Lima, Zizi Possi, Sandra de Sá e Amelinha.
Antes de lançar o primeiro disco, morando na Inglaterra, cantava em pubs londrinos. O LP de estreia trouxe canções como Gota de sangue, Agito e uso, Não há cabeça e Amor, meu grande amor, que se tornou um clássico. Décadas depois, essa música foi regravada, com sucesso, pela banda Barão Vermelho.
[SAIBAMAIS]No segundo disco, a cantora emplacou um novo hit, Só nos resta viver, e regravou Bárbara, de Chico Buarque, presente na peça Calabar, de Ruy Guerra. O terceiro álbum, de 1981, teve como destaque Escândalo, composta especialmente para ela por Caetano Veloso. Aliás, ao longo da carreira, Ro Ro recriou músicas de vários outros autores, entre os quais Simples carinho (João Donato e Abel Silva), Demais (Tom Jobim), Você não sabe amar (Dorival Caymmy e Carlos Guingle) e Fica comigo esta noite (Adelino Moreira e Nelson Gonçalves).
Ro Ro já lançou 15 discos, sendo 10 de estúdio e cinco gravados ao vivo, além de dois DVDs: Ao vivo (2006) e Feliz da vida (2013). Já Coitadinha bem feito: As canções de Ângela Ro Ro, é uma espécie de tributo à cantora, com regravações nas vozes de Otto, Lucas Santanna, Rômulo Fóes, Rael, Dani Black e Hélio Flanders (Vanguart).
Por várias vezes a cantora se apresentou em Brasília. O primeiro show foi na Sala Funarte (hoje Cásssia Eller) em 1980. Depois houve outros em locais como Feitiço Mineiro, o extinto restaurante Gaff (Centro Comercial Gilberto Salomão) e Praça das Palmeiras, do Terraço Shopping. ;Quero voltar urgente a Brasília, com meu novo show. Todas as vezes em que estive na capital fui assistida por plateias expressivas;.