Diversão e Arte

Chiquinha Gonzaga é inspiração na carreira de muitas maestrinas no país

Há 170 anos, nascia a primeira maestrina do Brasil. Conheça a trajetória de mulheres que, inspiradas pela mulher de vanguarda, seguem a profissão atualmente

Rebeca Borges*
postado em 17/10/2017 06:30

Maestrina Cibelle Jemima, regente da banda paraense de jazz Zarabatana jazz band

Em 17 de outubro de 1847, há exatos 170 anos, nascia uma mulher de vanguarda que marcou a história da música brasileira. Pianista, compositora, maestrina e revolucionária, a carioca Chiquinha Gonzaga batalhou tenazmente para abrir portas jamais abertas no cenário nacional. Chiquinha foi a primeira mulher do país a reger uma orquestra, deixando um legado e tornando-se inspiração para outras mulheres que desejam seguir carreira como maestrinas.

Para alcançar o respeito que conseguiu, a regente passou por um árduo caminho, marcado pelo ambiente desfavorável do fim do século 19 e início do século 20, em que a presença feminina se resumia às tarefas domésticas. Em 1885, Chiquinha estreou no teatro com A corte na roça, dando origem a um termo que ainda não existia no feminino: maestrina. "Antes de tudo, ela é uma mulher de vanguarda. Não se importava com as críticas e ocupou lugares que nenhuma mulher ainda tinha ocupado", lembra Isabela Sekeff, professora de regência e regente titular do coro técnico da Escola de música de Brasília.

Segundo a professora, o cenário da música de concerto ainda é dominado por homens. "Ainda existe um certo preconceito", explica Isabela sobre a discriminação sofrida por maestrinas. Mas a professora conta que, apesar disso, depois de Chiquinha Gonzaga, a música teve uma maior abertura para a presença feminina. "O fato dela ter vivido tudo o que viveu ajudou nesse processo. Ela é inspiradora."

A palavra "força" define Ana Paula Guimarães, maestrina do coro amador Somos todos som e do grupo Boreal. Com 16 anos de experiência em grupos vocais, a paulista enfrentou diversos desafios durante a carreira como regente."Ser mulher, negra e fazer música é uma batalha", confessa Ana Paula.

A maestrina explica que o mercado da música de concerto é naturalmente competitivo, mas que as mulheres sofrem mais para conseguir um espaço na área. "Quando termina um curso de regência, você não consegue um emprego facilmente. Geralmente, as portas são mais estreitas para as mulheres, e a gente acaba vendo muito mais homens regentes", explica Ana.

Embora nunca tenha sofrido discriminação direta por ser mulher, Ana Paula observa algumas diferenças quanto ao salário, por exemplo. "Já senti que fui conveniente com um cachê menor por ser mulher." Para Ana, um dos motivos para a pequena presença feminina na área é a falta de incentivo cultural na carreira de regência. "Hoje, não vejo muito incentivo para que possamos ter mais mulheres nessa posição. Acho que precisamos de mais suporte cultural."

Apesar dos problemas enfrentados, ela ainda acredita que o futuro da música de concerto no Brasil tenha mais mulheres como protagonistas. "Eu tenho esperança de que melhore. Espero que tenha mais mulheres regentes."

Cibelle Jemima, regente da banda paraense de jazz Zarabatana jazz band, tem uma longa carreira na área. Ela atuou como regente assistente da Orquestra sinfônica do Theatro da paz, em Belém e é professora de música na Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA).

As condições no cenário da música de concerto se tornaram mais favoráveis às mulheres depois de ícones como Chiquinha, aponta Cibele. Entretanto, a maestrina ainda acha que mudanças devem ser feitas para melhorar as condições de regentes do sexo feminino. "Não posso deixar de reconhecer e de ser grata pelo que as mulheres antes de nós fizeram para que hoje já não seja tão duro quanto no passado. Mas isso não significa que os pesos já sejam iguais", explica a regente.

Para a regente, muitas pessoas ainda encaram a presença de mulher à frente de uma orquestra ou coral como algo inesperado. "Esse tratamento como exótico não é totalmente positivo, pois revela que se isso ainda é algo que chama atenção, é porque ainda não é algo natural, ou seja, as coisas ainda não estão equilibradas como deveriam", conta a maestrina.

Nascida no Japão, mas com a maior parte da vida no Brasil, a regente Naomi Munakata comanda o Coral paulistano Mário de Andrade, do Teatro municipal de São Paulo. Naomi conta que, por influências da família, sempre se interessou por música. "Meu pai regia um coral no navio em que nós viemos para o Brasil, então, eu vivi no meio disso."

A regente acredita que os desafios enfrentados pelas mulheres no cenário da música de concerto são grandes, mas confessa que, para ela, o que move essas profissionais e as faz quebrar as barreiras da área é a paixão pela música. "Mulheres que têm vontade conseguem um lugar. Na época de Chiquinha, as mulheres ficavam em casa; atualmente, é diferente", conta a maestrina.

[SAIBAMAIS]Sobre a presença feminina na área, Naomi conta que as condições estão mais favoráveis nos dias de hoje. "Eu acho que a força da mulher começou a aparecer e está cada vez maior." Para ela, a força de vontade é o maior impulso para que a presença feminina no comando de coros e orquestras seja significativa. É daí que surge a inspiração em Chiquinha Gonzaga. "Quem pode, quem quer, tem que trabalhar assim como Chiquinha trabalhou."


* Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco.


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