Diversão e Arte

Bandas brasileiras contribuem para consolidar identidade latino-americana

Grupos como Francisco, el hombre estabelecem forte ligação entre o Brasil e os vizinhos da América Latina

Alice Corrêa*
postado em 07/11/2017 06:50
A banda Francisco el hombre usa da música para criar vínculos com os países latino-americanos
Uma pesquisa do Instituto de Relações Internacionais da USP aponta que apenas 4% dos brasileiros se reconhecem como latino-americanos. Mas as bandas brasileiras estão rompendo essas fronteiras com a música. Muito além do reggaeton, grupos musicais que afirmam a identidade latino-americana pelos ritmos ganham fãs e visibilidade nos quatro cantos do país.

O antropólogo Cristhian Teófilo da Silva, do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília, confirma que a cultura tem sido fundamental para aproximar o Brasil dos outros países latinos. "A arte e a cultura têm a capacidade de unir o nosso povo com os países vizinhos. Os sensos comuns e aspectos do cotidiano são parecidos. A história dos povos ancestrais nos aproxima e, a partir dessa experiência, desenvolvemos características muito próprias em comum, principalmente na cultura popular. Só precisamos resgatar essas semelhanças para nos reconhecermos", afirma Christian.

O professor ainda explica por que nossa cultura está tão distante dos países hermanos. "O Brasil classe média se pensa como descendente da Europa e dos Estados Unidos. A indústria cultural se refletiu em nós a ponto de acharmos o espanhol menos familiar que a língua inglesa, por exemplo. Eu faço um experimento com meus alunos de graduação perguntando quantas cidades da América Latina eles conhecem e depois pergunto sobre as cidades dos Estados Unidos. Eles sempre sabem os nomes de diversos países estadunidenses e poucos latino-americanos. Isso reflete a educação passada para nós. Somos educados para nos considerarmos parte desses lugares, aprendemos a cultura eurocêntrica na escola".
A banda Francisco, el hombre estabelece fortes ligações entre o Brasil e a América Latina. Com integrantes mexicanos, paulistas e goianos, o grupo promove uma inserção de latinidade em shows e festivais de música no Brasil. Mateo Piracés, vocalista e guitarrista da banda, enfatiza a importância de usar a música como elemento de integração, pouco explorado pelos latinos. "A integração Brasil-América Latina é muito pouco explorada porque não chega nem perto da força que pode ter. Temos enormes pólos exportadores de cultura dentro da América Latina, entre os mais fortes está o Brasil, com um mercado interno autossustentável; cenas musicais com produtores e bandas muito bem consolidadas. O que falta é o intercâmbio. Ele existe na Espanha-América, mas com pouca noção de rota. O que temos feito é criar essa rota, indo de carro até o Chile, explorando outras cidades além da capital no México e em Cuba. Com a banda, tentamos não ir para as cidades só pra tocar e ir embora, mas para absorver qual é a circulação interna de bandas que fazem o que é popular em cada parada. Cada lugar tem seu funcionamento e para criar rotas tem de se entender isso, criar vínculos, criar amizades dentro da música.;
Já no nordeste do Brasil, quem está fazendo muito sucesso é a paraibana Macumbia. A banda brinca com elementos do português e espanhol nas músicas, que misturam a cumbia colombiana com elementos tipicamente brasileiros, mistura fundamental para integrar as regiões. "A cumbia é um ritmo criado originalmente nos becos colombianos, é uma música marginal, mas que foi ganhando força quando grandes artistas passaram a tocar", conta Rafael Sousa Faria, vocalista da Macumbia. Lançado em 2015, o disco Carne Latina crava a bandeira latino-americana nos shows, festas e apresentações que a banda realiza.
Macumbia, de João Pessoa (PB) brinca com elementos brasileiros e colombianos nas canções
A banda Yangos é de Caxias do Sul (RS) e concorre ao Grammy Latino na categoria Música de Raízes Brasileiras, que será no dia 16 de novembro, em Las Vegas. César, baterista do grupo, afirma que ;as pessoas se identificam com a possibilidade de conhecer um pouco mais da cultura do outro através da música;. O último disco da Yangos se intitula Chamamé, um ritmo originalmente argentino e grande referência para a banda. ;Essas barreiras geográficas se rompem quando nós tocamos um ritmo comum para povos diferentes;, conta César. ;Durante os 12 anos do nosso quarteto, percebemos que muitas coisas mudaram nos últimos 2 anos. É como se tivéssemos uma banda nova depois das transformações do público. O novo momento do Brasil e a identificação do brasileiro com as questões latinas mudaram os rumos para a gente;, declara o integrante do grupo.
A banda Yangos rompe as fronteiras entre Argentina e Rio Grande do Sul

Tudo num lugar só

Um ponto de convergência entre aqui e lá fora é o festival El Mapa de Todos, fundado para promover o intercâmbio cultural. O festival, sediado em Brasília na primeira edição e hoje realizado em Porto Alegre, foi fundado pelo brasiliense Fernando Rosa, o Senhor F. O produtor musical ressalta que, antes mesmo de o festival nascer, os profissionais de música brasileiros viam a grande necessidade de trazer a identidade latina para o brasileiro por meio dos festivais. Na edição deste ano do Rock in Rio, o Palco Sunset recebeu grandes encontros latino-americanos, como a parceria de Céu com os goianos do Boogarins e a rapper Karol Conka com a colombiana Bomba Estéreo.

Essa integração começou bem antes de Zé Ricardo promover esses encontros na Cidade Olímpica. "Em 2005, existia a Associação nacional de festivais independentes, a Abrafin. Em uma de nossas reuniões, resolvemos adotar a política de aproximar a identidade latina dos brasileiros. Achávamos um absurdo essa distância do ponto de vista musical. Um país fincado no meio da América latina, mas tão distante. Começamos, então, a fazer um link com a música independente de cada país e os artistas brasileiros convidavam as bandas de fora para se apresentar ao país;, conta senhor F. "A adesão à música latina é muito baixa, mas esse índice me causa um certo estranhamento. Os latinos amam a música brasileira e nós mal conhecemos o que eles fazem. Temos um grau de desconhecimento muito grande em relação aos nossos vizinhos", declara Fernando, que criou o El Mapa de Todos com a intenção de apresentar esses artistas ao país.


A Barreira da Língua

Para Mateo, da Francisco el hombre, o Brasil precisa parar de ter o idioma como desculpa para não fazer o intercâmbio cultural. ;A vontade da Francisco, el hombre de cantar em português e espanhol vem muito para disseminar que são línguas irmãs, que o ;portunhol; é, sim, um idioma válido no nosso continente e no mundo inteiro.

Nada mais é que não saber falar, mas se fazer entender por um intercâmbio de fonemas. Além disso, precisamos entender que não existe ;integração Brasil-América Latina; porque nós somos desse continente e fazemos parte dele. Nossas músicas em espanhol comunicam muito fora do Brasil e vice-versa.; Já Rafael Sousa Faria, vocalista da Macumbia,acha que a língua é um detalhe. ;Usar o portunhol é uma brincadeira muito legal que fazemos. É uma experiência bem latina. Nós não nos limitamos pela língua porque a música é muito mais que isso;, declara.

A realidade é que somos um povo estrangeiro dentro do nosso próprio país. Ao vermos o surgimento de tantas bandas e movimentos culturais que promovem esse reconhecimento, passamos a nos olhar no espelho e perceber que a América Latina é mais próxima que a Europa, por exemplo. Não há diplomacia mais eficaz que a música.

Play list


Como una flor (Francisco el hombre)
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Mi revolución (Cuatro pesos de propina)
[VIDEO2]

Bonança (James Coroico)
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Deixa ela dançar (Macumbia)
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Caetano Veloso (Johnny Hooker)
[VIDEO5]



*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco


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