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Literatura tem perfil? Levantamento feito pelo Correio mostra que sim

Prêmio Jabuti premia mais mulheres do que homens. Dos 64 vencedores, 83,11% são homens

Ronayre Nunes
postado em 18/11/2017 11:30
O grande ganhador do Prêmio Jabuti 2017, o escritor Silviano Santiago, representa o perfil das 59 edições: homens, com naturalidade da região Sudeste
No último 31 de outubro, o escritor Silviano Santiago venceu a principal categoria ; Romance ; do prêmio literário Jabuti. A vitória do mineiro de 81 anos faz parte de um perfil comum na premiação: a escolha por escritores homens da região Sudeste. O Correio fez um levantamento levando em consideração a nacionalidade e o gênero de todos os vencedores do prêmio desde 1959, quando houve o primeiro Jabuti, e constatou: 83,11% dos ganhadores são homens, e 58,42% vêm de Minas Gerais, Rio de Janeiro ou São Paulo.

Dos 77 ganhadores da principal categoria do Prêmio Jabuti, durante 59 edições (foram contabilizados apenas os ganhadores no 1; lugar, ou o conjunto designado nos anos de 1993, 1994, 1997, 2000, 2001, 2002 e 2003), 45 têm origem nos estados da região Sudeste (58,42%), 15 vêm do Sul (19,48%), oito do Nordeste (10,38%) e três representam o Centro-Oeste (3,89%) e Norte (3,89%), respectivamente. Em relação a gênero, a diferença é mais acentuada: 64 escritores são do sexo masculino (83,11%) e apenas 13 são mulheres (16,88%).
O peso do mercado e da história
Para Augusto Rodrigues, professor de literatura brasileira do Departamento de Teorias da Literatura da Universidade de Brasília, o perfil dos ganhadores da principal categoria do Prêmio Jabuti responde por duas razões principais: o mercado e a história. ;Se a gente pensa que a literatura é, essencialmente, um mercado, é importante lembrar que a maioria das editoras do país está na região Sudeste, isso é um ponto fundamental;, afirma o professor sobre a predominância de vencedores dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Sobre a maioria dos vencedores na categoria Romance do Prêmio Jabuti ser de homens, o professor aponta a importância histórica do fenômeno. ;Outro ponto fundamental para essa equação é a história do país. Há muito tempo existe essa predominância da produção de literatura masculina. Existe uma tradição da escrita masculina no país e isso se reflete (até hoje);, argumentou Rodrigues. No entanto, ele tem esperança em relação a esse panorama: ;É uma coisa que está mudando, as mulheres estão se articulando para mudar isso;.
Lygia Fagundes Telles é uma das 16 autoras que ganharam o Prêmio Jabuti, na categoria Romance, em 59 edições

Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), instituição responsável pelo Prêmio Jabuti, respondeu ao Correio, por meio de um e-mail, que a premiação é constituída por várias categorias que, por sua vez, não refletem um perfil para a constituição de seus vencedores. ;O Prêmio Jabuti abrange 29 categorias, o júri é indicado pelo mercado editorial e validado pelo Conselho Curador do Prêmio. As indicações vieram do mercado (editores, livreiros, jornalistas, acadêmicos, etc), o curador Luiz Armando Bagolin, e o conselho, fazem a verificação dos nomes para adequar nas categorias correspondentes;, apontou Torelli.

A CBL, por meio de seu presidente, também argumentou que a presença feminina dentro da premiação, mesmo que em outras categorias, é relevante. ;A CBL busca sempre enaltecer o caráter abrangente do Prêmio Jabuti e principalmente cumprir sua missão principal que é de promover e dar visibilidade à produção editorial brasileira, reconhecendo e revelando talentos. Muitas autoras mulheres já foram vencedoras do Prêmio como Maria Valéria Rezende, Miriam Leitão, Nélida Piñón entre outras grandes autoras. Além disso, homenageamos em 2016 a autora Lygia Fagundes Telles e este ano Ruth Rocha;.
Milton Hatum é o único representante da região Norte do país na principal categoria do Prêmio Jabuti
Estrutura viciada
Para o professor Augusto Rodrigues, outro ponto que determina de forma contundente o perfil de vitoriosos dentro do Prêmio Jabuti, assim como em outros, é o papel que representantes de grandes editoras fazem como participantes do corpo de jurados, mesmo que por meio de indicação. ;Existe uma relação de bastidores com as editoras. Os próprios jurados têm relação com as editoras e vão ter uma preferencia;, defende.

;É muito complicado só um prêmio ser a grande referência de literatura do país, acho que tem de ter outras premiações, mas esse problema dos juris com as editoras vai continuar;, completa Rodrigues. O professor completou que a solução pode até parecer complexa, mas é possível: ;Tem de mudar o pensamento da produção literária. Prêmios significam mercado, existem para venda, vem da venda;.

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