Nahima Maciel
postado em 03/12/2017 07:00
Quando foi demitida da TV Brasil, na qual apresentava o Sem censura, Leda Nagle ficou muito magoada. Era dezembro de 2016 e a emissora decidiu não renovar o contrato da jornalista. Foi então que ouviu do filho, pela milésima vez, o conselho de produzir vídeos para o YouTube. ;Meu filho vivia me dizendo que o YouTube é a nova televisão. Mas eu não tinha tempo. Essa coisa não é assim tão simples, toma tempo, você grava, tem a edição. Como não tava fazendo nada (depois da demissão), comecei a fazer isso exatamente como eu fazia na televisão. E me apaixonei;, conta.
O canal Leda Nagle estreou há oito meses e já conta com mais de 55 mil inscritos. Descobrir a internet como meio de circulação de um trabalho realizado há 40 anos surpreendeu a jornalista. Aos 66, ela descobriu que há todo um público à espera de ser conquistado, gente que há muito estava fora da faixa etária normalmente atingida pelo trabalho da entrevistadora. Outro dia, Leda foi reconhecida por um rapaz de 20 anos, vendedor de uma loja em Vila Madalena, em São Paulo. ;Ele disse ela ;tem um canal no YouTube que arrebenta;. Ele nunca tinha ouvido falar em mim antes, para ele eu tinha um canal;, repara, com certa satisfação em pensar que ainda há terreno novo a ser adentrado.
Um dos maiores desafios da reinvenção a que a jornalista se propôs viver é conversar com o público mais jovem. Durante quatro décadas como apresentadora e entrevistadora de programas como Sem censura e Jornal Hoje, Leda se acostumou a um público mais velho e, sobretudo, feminino. Agora, o grosso da faixa etária atingida pelas entrevistas publicadas no canal é entre 25 e 34 anos. E o público masculino já começa a ser significativo. ;O desafio é colocar entrevistas com conteúdo;, explica a jornalista, ainda em fase de adaptação para compreender como os internautas se comportam e do que gostam. ;É um desafio todo dia, toda hora, porque você nunca sabe o que vai acontecer. Não é o mesmo critério da tevê;, explica. Ela já percebeu, por exemplo, que rostos globais não fazem tanto sucesso quanto humoristas e que, talvez pela idade do público majoritário, há pouco interesse em entrevistas com médico e especialistas.
Leda grava toda semana, em um ambiente informal, na sala do próprio apartamento, no Rio de Janeiro. Eventualmente, também grava em São Paulo, onde está montando apartamento. A equipe é pequena ; no Rio, conta com um profissional e, em São Paulo, com o filho, o ator Duda Nagle ; e o ambiente intimista ajuda a tornar a conversa mais informal. ;As pessoas ficam mais à vontade, as entrevistas fluem melhor, de uma maneira mais profunda. E é mais sincero, porque não tem a formalidade da televisão, vira um papo de comadre. Não tem aquele aparato, as câmeras são pequeninas e você perde um pouco a noção de que está gravando uma entrevista. E isso influi no resultado;, admite. Por enquanto, as entrevistas são publicadas duas vezes por semana, porque a jornalista banca tudo do próprio bolso. Mas quando conseguir patrocinadores, ela pretende aumentar a quantidade.
O YouTube, Leda avisa, é definitivo em sua vida. Ela até toparia voltar para a televisão caso tivesse a oportunidade de emplacar alguns dos projetos que tem na cabeça. Mas, por enquanto, fica com as redes. Em 2018, ela deve estrear um novo canal de entrevistas, Os Nagles, dessa vez com o filho, Duda. ;Vamos entrevistar pessoas com dois olhares diferentes, duas visões de mundo diferentes, com debate. Poderemos concordar e discordar, ter visões diferentes, opiniões diferentes;, adianta. ;Eu vou continuar. O YouTube é a tevê do futuro, é o futuro. E eu estou comprometida com essa tevê. E quero permanecer. Por isso vou fazer Os Nagles.;
Ponto a ponto
Encanto
Olha, primeiro a novidade. Eu não sabia nada de Youtube, eu não sabia baixar vídeo, subir, não sabia nem as palavras. Era tudo novo. E começar é muito estimulante quando você não sabe nada de uma coisa, porque você quer aprender tudo daquilo e isso ensina a produzir melhor. É uma descoberta mesmo. Comecei em 17 de março, tem 8 meses, é um bebê que ainda vai nascer e já nasceu, ao mesmo tempo.
Produção
O trabalho de produção é meu e do Duda. Eu ligo para a pessoa, mando
e-mail, ele também. Não temos outro produtor. Isso muda tudo. A gente que marca. Ainda é um canal simples, a gente não tem um aparato para fazer, a gente faz no peito e na raça. É diferente de pedir pra alguém pra ligar pra mim. Antes (na TV) era um triângulo. Agora fica mais íntimo.
Informalidade
Isso é uma coisa boa que a tecnologia trouxe. Uma coisa mais informal, mais informal ainda que a televisão, porque acho até que fazia uma televisão bem informal, mas dentro de uma estrutura mais dura, mais resistente. Agora é uma estrutura mais de pessoa a pessoa.
Escolha das entrevistas
Escolho pela qualidade das pessoas, por eu achar que elas vão agradar, pelo fato de terem me agradado, sei que elas vão agradar as pessoas. Por exemplo: vi várias palestras com o Leandro Karnal e fico encantada com o que ele diz. Chamo para entrevistas por conta disso, da sua própria admiração, mas não só admiração. Convidamos as pessoas pelo que elas podem dar de contribuição para esse canal. A ideia é a mesma da televisão: que a entrevista interesse ao número maior possível de pessoas e que eu goste de conversar com aquela pessoa.
Disciplina
Gravo quatro a vezes cinco por semana. Tenho, digamos, uma gaveta. Mas não tem uma gaveta tão ampla porque vou gravando e colocando no ar. E depende do ritmo da entrevista: às vezes é tão maravilhosa que quero colocar logo. Mas eu faço várias no mesmo dia para otimizar, porque aí tem um negócio chamado custo. Tem que otimizar, porque os profissionais trabalham com diárias. E publico sempre às segundas e quintas.