Diversão e Arte

Ceilândia se une por retorno de atividades no Centro Cultural da cidade

Moradores e artistas se mobilizam para pedir conclusão de obras e o retorno de atividades artísticas no Centro Cultural da cidade, hoje ocupado por outros projetos

Alexandre de Paula
postado em 12/12/2017 06:24
Movimento Retomada pede a volta das obras do Centro Cultural e Desportivo de Ceilândia
Ceilândia respira cultura. Do cinema de Adirley Queirós ao rap de Japão, dos passos de dança do B.Boy Papel aos versos dos cantadores e poetas populares, a cidade vive e exporta arte para o país e para o mundo. O estigma e o medo da violência são lembranças constantes quando se fala da região administrativa mais populosa do DF, mas a riqueza da cultura da região também é forte e resiste, a despeito da pequena quantidade de iniciativas e de projetos realizados pelo poder público.

Com mais de 479 mil habitantes ; segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) ;, Ceilândia sofre, principalmente quando o assunto é cultura, com a falta de espaços públicos voltados para a arte e é refém de ações quase sempre particulares ou em outras áreas do Distrito Federal.

No papel, a região tem um Centro Cultural e Desportivo. Localizado a poucos metros da estação do metrô Ceilândia Norte, o espaço, no entanto, tem pouco ou quase nada relacionado com arte, segundo moradores e artistas da região que reclamam que o projeto foi desvirtuado.

Praticamente escondido atrás da estrutura do metrô, o espaço é ocupado atualmente por órgãos como o Conselho Tutelar e a Secretaria de Estado da Criança (Secriança), e também é usado para cursos profissionalizantes. Aulas de dança e de karatê, organizadas pela iniciativa dos próprios artistas e moradores, são algumas das atividades ainda voltadas para cultura e o esporte no local.

"Se não houvesse a nossa iniciativa, essas ocupações feitas justamente para isso, não haveria mais nada de cultura por aqui. Usamos uma sala, a mesma, para a cultura e o esporte;, conta Severino da Silva, organizador do projeto Sou da paz, não curto violência.

A Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) argumenta que o espaço estava desocupado e que os projetos existentes no local são relacionados à cultura. ;O Centro de Juventude de Ceilândia promove cursos profissionalizantes, palestras, oficinas culturais e esportivas para toda a juventude local. Hoje, já estão em funcionamento as oficinas de dança, Muay Thai, violão, gastronomia sustentável e artesanato, cursos profissionalizantes, sala de estudo e aulas de informática;, afirma nota da pasta.

Segundo o administrador de Ceilândia, Vilson de Oliveira, o Centro Cultural estava praticamente abandonado antes da ocupação atual. De acordo com ele, a administração fez uma pequena reforma para dar condições melhores ao espaço e cedeu salas para as entidades. ;A princípio, seria temporário, mas, como eles foram ampliando cursos e a demanda aumentou, nós fizemos uma portaria conjunta para formalizar;, afirma o administrador, que garante ter ouvido a comunidade e movimentos culturais no processo.

Retomada

Motivados pela carência da região e pela vontade de ver o Centro Cultural e Desportivo utilizado para o que foi criado, diversos moradores e movimentos sociais da região se uniram para reivindicar que as obras do projeto inicial sejam retomadas e que atividades culturais voltem a ocorrer. Na visão deles, não houve, ao contrário do que dizem os órgãos, diálogo e a cultura foi deixada de lado no Centro.

De fato, muito pouco do projeto inicial saiu do papel. O Centro Cultural e Desportivo de Ceilândia surgiu da reivindicação de estudantes e artistas que, na década de 1980, lutavam por espaço. Eles conseguiram, em diálogo com o governo, dar início às obras, paralisadas pouco tempo depois por problemas jurídicos.

Os moradores e grupos sociais se uniram em torno do Retomada, movimento que, na década de 1990, foi responsável por lutar pela conclusão dos primeiros blocos do prédio. A ideia é conquistar recursos para concluir a obra. ;Esse movimento é um abraço de várias pessoas pela importância de um equipamento cultural na cidade;, explica Luciene Velez, mais conhecida como Nina, uma das fundadoras do Retomada.

No projeto original, estavam previstos quatro blocos (com biblioteca, salas para cursos, cine-teatro e teatro arena), além de um ginásio esportivo (substituído depois pela Praça da Juventude). Apenas dois blocos foram construídos (com a biblioteca e as salas). Os teatros nunca saíram do papel.

A construção da Praça da Juventude chegou a ser iniciada, mas foi embargada por problemas e atrasos da empresa responsável pela construção. Atualmente, o local é um canteiro de obras abandonado. Segundo a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sinesp), o processo está em análise no departamento jurídico da pasta para contratação da segunda colocada na licitação.

Direito

"A nossa maior indignação é que esse pedido é um direito nosso. Nós já temos o projeto, temos a cultura local, precisamos deste espaço para a nossa cidade. Enquanto isso projetos em outras regiões são executados muito mais rapidamente;, reivindica Max Maciel, um dos líderes do movimento Ruas (Rede Urbana de Ações Socioculturais) que também se ligou ao Retomada.

A fala de Max é uma constante entre os moradores e artistas que pedem a volta do espaço e a conclusão das obras. Para eles, é um direito da população ter um espaço próprio para que a cultura local possa reverberar.

O músico Jeremy Adriano, de 22 anos, é um dos mais jovens participantes do movimento e reclama da dificuldade de encontrar espaços para a cultura na cidade. ;Tudo o que vamos fazer esbarra na burocracia. Você precisa de uma série de documentos para fazer um evento como um sarau e, se não seguir, corre o risco de ter problemas. Precisamos de um espaço que seja voltado para a própria cultura;, sustenta.

;A cidade tem muitos projetos, muitas ações e atividades para a cultura, mas não temos um local público para eles. É um direito nosso e nós merecemos também ter isso;, pede Nilson Lopes, um dos organizadores do movimento Boa Vizinhança, que promove cultura e lazer no P Norte.

Na tentativa de tornar a ideia realidade, o movimento realiza atualmente diversas atividades, como reuniões, abaixo-assinado (virtual e físico) e mobilização para a inclusão do projeto, pela Câmara Legislativa, na Lei Orçamental Anual do Distrito Federal. A estimativa é de que o custo das obras esteja em torno de R$ 12 milhões.

Outra cara

A cultura, acreditam os moradores e militantes, é uma das únicas maneiras de revelar um outro lado de Ceilândia. ;É o modo que temos de mostrar outra cara, de provar que a gente tem e faz muito coisa boa por aqui;, acredita a professora Vilma Cavalcante.

Vilma destaca também o potencial educativo do Centro de Cultura. O trabalho artístico de alunos da cidade poderia ser exibido no local. ;Temos muitos projetos bonitos feitos aqui, mas não temos um espaço para mostrá-los, além das atividades que poderiam ser feitas.;

Outro fundador do Retomada nos anos 1990, Ailton Velez reafirma a força da cultura local e o potencial da cidade. ;Ceilândia era uma cidade-dormitório que mudou por si só e que tem um potencial artístico e humano muito grande.; Para ele, a arte é a única opção para mostrar o lado positivo da região. ;O Brasil inteiro conhece Ceilândia pela violência, mas também pela cultura.;

R$ 12 milhões
Custo estimado pelo movimento Retomada para conclusão da obra do Centro Cultural



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