Diversão e Arte

Exposição no CCBB oferece oficina de pipas

Em performance idealizada para refletir sobre o processo de industrialização, o artista Christus Nóbrega propõe transformar o público em operário

Nahima Maciel
postado em 15/01/2018 08:44
18 mil pessoas já participaram da oficina
Uma das coisas que mais marcaram o artista Christus Nóbrega durante uma residência artística na China entre outubro e dezembro de 2015 foi a hiperindustrialização do país. Prédios erguidos em dois meses, produção industrial em escala descomunal e condições de trabalho nem sempre dignas fizeram Nóbrega refletir sobre a necessidade de uma obra para provocar o público de Dragão floresta abundante, exposição resultante da experiência e em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Para isso, ele imaginou uma performance que reproduzisse a dinâmica de uma fábrica e idealizou a Fábrica de Pipas, montada em uma sala que encerra a mostra. Ali, depois de visitar a exposição, o público pode construir pipas em esquema rigoroso de produção industrial.

Há fila para participar, cartão de ponto, contrato de trabalho com regras e um método que deve ser seguido e obedecido. A cada 11 unidades fabricadas, o participante pode levar uma para casa. E quem produzir mil pipas ganha a Pipa de ouro, um dos objetos da exposição, obra avaliada em R$ 200 mil. Até agora, a performance de Christus já recebeu 18 mil pessoas, responsáveis pela fabricação de cinco mil pipas. ;Eu quis criar uma performance coletiva, fazer com que o público também virasse performer e trazer uma experiência de ritmo, de produção, mas de uma forma poética. Queria dar ao público essa sensação de repetição, de recorrência, de monotonia e passar uma certa relação de obsessão;, diz o artista.

O resultado surpreendeu. ;Uma performance é sempre aberta, quando lançamos um desafio desse não sabemos como o público vai reagir, o que vai acontecer a partir das regras lançadas. Foi estimulante ver como as pessoas entram no jogo;, conta. ;Tem uma senhora que, nas três primeiras semanas, produziu 400 pipas. É uma pessoa que nunca tinha ido ao CCBB.; Para auxiliar os participantes, há monitores que exercem o papel de gerentes e o horário de funcionamento é de 9h às 19h.

Para participar da performance, o público precisa passar por todos os trâmites de uma fábrica normal: há um cadastro biométrico, um contrato a ser assinado, um ponto a ser cumprido, um roteiro a ser obedecido e uma produção esperada. O contrato, aliás, tem implícitas algumas ideias. Pregado na parede, leva o nome de 1109. ;Ele faz referência ao 11/09, que foi o dia em que as novas leis trabalhistas entraram em vigor no Brasil. É uma maneira de pensar um pouco sobre o impacto dessa reforma;, explica o artista. ;Fiquei pensando sobre esse crescimento industrial chinês, as implicações dele, as transformações da indústria e como vincular isso com as tradições, já que é um país que vive também essa dualidade de forma muito intensa, com um pé na tradição e outro na inovação. A Fábrica de pipas é a ligação entre essa China atual e a China de ontem.;

As pipas têm lugar especial na cultura chinesa. Foram usadas, durante um tempo, como forma de sinalização militar e já serviram como material bélico. A tradição é milenar, nasceu em 1.200 a.C e até hoje perdura. Ao contrário do Brasil, onde empinar pipa está ligado à infância, a prática da produção e manejo do objeto na China faz parte do universo de pessoas mais velhas. Nóbrega também pescou a ideia da performance em um conto intitulado A pipa e assinado por Lu Xun, poeta banido do país pelo teor crítico de seu pensamento. No texto, ele narra a história de uma pipa e de um menino e aproveita para desnudar a sociedade chinesa. ;Ele fala de uma pipa em formato de borboleta e por isso essa pipa de ouro da exposição tem um pouco desse formato de borboleta;, avisa Nóbrega.


Dragão Floresta Abundante

Exposição de Christus Nóbrega. Visitação até 21 de janeiro no CCBB (SCES Trecho 2), de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca. A Fábrica de Pipas funciona de terça a domingo, das 9h às 19h. A participação é por ordem de chegada. A entrada franca.

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