Ricardo Daehn
postado em 18/01/2018 07:52
Apresentar sotaques, sabores e cheiros nacionais, por meio da sétima arte, tudo a serviço de uma experiência de emoção compartilhada. No ideal do diretor Aly Muritiba, à frente do longa Ferrugem, há ainda camadas de maiores satisfações: depois de comparecer ao Festival de Sundance (Estados Unidos), e ter, há quatro anos, o roteiro de Para minha amada morta premiado (além de ver a carreira do filme alargada), ele retorna ao evento para competir com Ferrugem (a ser mostrado sábado), produção ancorada na lida de jovens junto à internet. ;A chancela anterior de Sundance acabou ajudando o filme anterior a circular mais. O evento aparece como o grande festival norte-americano, muito voltado para o cinema independente. Ali foram revelados Tarantino, Robert Eggers (A bruxa), Damien Chazelle (La la land). Então estar ali significa estar em foco num dos maiores mercados de cinema do mundo;, avalia, em entrevista ao Correio.
Hoje, com sessão para os jurados, outro longa verde-e-amarelo, Benzinho, amplia a participação das ficções brasileiras no evento. E, melhor: também com enorme visibilidade. A protagonista Karine Teles esteve em Sundance por meio do premiado Que horas ela volta?, o que ajuda na divulgação da nova produção da qual ela é corroteirista. ;Prêmio depende de júri, de contexto, de sorte. Fizemos Benzinho, e estamos muito felizes e orgulhosos com o resultado. Ser selecionado para a competição internacional não é pouca coisa. São 12 filmes selecionados dentre milhares;, observa o diretor Gustavo Pizzi. O filme é uma coprodução feita entre Brasil e Uruguai, e tem no elenco o grego (de nascimento) Konstantinos Sarris, na pele de um jovem que busca profissionalização no exterior.
Alternando graça e peso, sem ser exatamente drama ou comédia, Benzinho traz para o foco aspectos da adolescência de Fernando (Sarris). ;Ele partirá de casa, mas, além disso, a história é contada a partir do ponto de vista da mãe (Teles, ex-mulher de Pizzi, na vida real). Como lidar com a partida prematura do filho mais velho para um outro país, distante da realidade dela, e no meio de uma avalanche de acontecimentos que alteram a vida pessoal de Irene (a mãe);, explica o diretor. Tratando de dificuldades, Benzinho promete ser esperançoso. ;Tudo se passa em Petrópolis, uma cidade serrana do Estado do Rio, nela temos uma família de classe média baixa que luta para seguir com seus objetivos com dignidade;, adianta.
O longa assinado por Gustavo Pizzi passa ao largo da capital do Rio de Janeiro. ;Acho que ele retrata a vida da maior parte dos brasileiros: não é exatamente pobre nem rica, vive não exatamente no centro onde tudo acontece, mas muito próximo disso. A presença da ;capital;, do centro cultural e econômico na vida de quem não faz parte dele é sempre muito influenciadora;, comenta Pizzi. Impactante também é a representação do Brasil, em cinema, pelo que opina. ;A partir dos filmes inseridos no mercado internacional, a maneira com que o Brasil tem sido visto lá fora tem mudado. Temos conseguido uma presença massiva nos principais festivais de cinema do mundo e entrada importante nos circuitos comerciais mais fortes do planeta;, reforça.
Mesmo sem a crença na competição disposta em Sundance, Pizzi aponta estar cercado por filmes fantásticos, inclusive Ferrugem, de Aly Muritiba. ;Eu admiro muito o trabalho dele. Estaremos na concorrência com um filme grego que tem roteiro do Efthimis Filippou (corroteirista de The lobster) e ainda por fitas de iniciantes como Idris Elba (de Yardie) e de Cathy Yan (que responde por Dead pigs). Esse longa tem produção do Jia Zhangke, um dos mais importantes cineastas em atividade hoje no mundo;, comemora Gustavo Pizzi.
Nos bastidores, um trabalho em família literalmente respaldou Benzinho: Pizzi filmou com os próprios filhos (gêmeos) e com a ex-mulher. ;Foi uma experiência e tanto ter os meninos com a gente, e num modo tão ativo. Ao mesmo tempo, é sempre um desafio dirigir crianças em filmes, e os seus próprios filhos! Mesmo complicada, foi a melhor decisão que tomamos. Nós trabalhamos muito com as crianças do filme de um jeito muito lúdico, com um entendimento geral sobre o filme, o universo, mas nunca dando texto para eles decorarem;, explica. Se nos improvisos e nas nuances impensadas, as crianças surpreenderam, Karine Teles se mostrou incrível, dada a experiência. ;Nos separamos, mas criamos nossos filhos numa parceria muito grande, somos muito amigos. É um privilégio poder trabalhar com atores como a Karine, inteligente e criativa;, conclui.
QUATRO PERGUNTAS // ALY MURITIBA
Por qual meio atrai jovens espectadores?
Eu acredito que sejam ávidos por boas histórias. Então, se o filme tiver uma boa história capaz de engajá-los, virão ao cinema. No entanto, há fatores nesta equação como o poder do marketing e a comodidade, que é o que muitas vezes faz a balança pender para as séries ou games (que podem, eventualmente, contar boas histórias). Mas o cinema tem uma coisa ritualística que se aproxima muito das experiências transcendentes e religiosas, ou mesmo tribais, que nenhuma forma audiovisual atingiu.
Quão prudente foi ao debater, em Ferrugem, a questão da exposição na internet? O ser humano ficou mais humano, nadando em tecnologia?
Ao me preparar para realizar este filme eu tomei o cuidado de escutar aqueles para quem o mundo virtual nunca esteve dissociado do real; ou seja, jovens que nasceram no mundo pós-internet. E ao fazê-lo, tentei não julgar. Acredito muito na importância da escuta, e ao exercer esta faculdade junto aos jovens com quem conversei no processo de escrita do roteiro de Ferrugem, me dei conta de que o mundo virtual, notadamente as redes sociais, nada mais são que o reflexo maximizado de uma necessidade muito primal: a necessidade de estar junto, de ser aceito no grupo, de se expressar. Nesse sentido, o mundo virtual nos torna, em alguma medida, mais humanos, com tudo de bom e de ruim que isso implica. A pergunta que fica é: ;os jovens estão sendo preparados para lidar com todas as implicações que essa hiper-humanização das redes sociais oferecem?;
Como acredita que a representação da violência, nas telas impacte espectadores?
Acho que qualquer representação na tela é poderosa. A imagem em movimento já provou ser forte o suficiente para difundir ou sustentar regimes políticos, além de moldar mentalidades e expandir/impôr modelos culturais. Leni Riefenstahl, Serguei Eisenstein ou Hollywood estão aí pra comprovar. Então mostrar a violência pode ser tanto espetáculo, quanto pedagogia, vai depender muito da forma e a que serve a imagem violenta. Não faço filmes para passar mensagens, mas obviamente espero que Ferrugem suscite debates.
Como vê isso de representar o Brasil lá fora, em período tão tumultuado?
Para todos os efeitos este é um filme brasileiro, e me orgulho muito de representar meu país nos festivais por onde passo. Mas se a pergunta fosse acerca deste governo ilegítimo que aí está a resposta seria, não, Ferrugem não tem nada a ver com ele.