Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Brasileiro André Diniz adapta O idiota, clássico de Dostoiévski

O clássico do escritor russo será adaptado para os quadrinhos




;Acho que uma adaptação só tem sentido se ela for uma obra com vida própria, que traga de fato uma experiência diferente da leitura da obra original;, afirma o quadrinista brasileiro André Diniz. E é exatamente isso que ele faz em O idiota, adaptação do clássico de Dostoiévski, que sai no início de abril pela Companhia das Letras.

;A história já foi contada por Dostoiévski e está acessível a todos, então, ler a HQ O idiota teria que ser uma outra leitura, pensando no que a linguagem dos quadrinhos tem a oferecer;, justifica André.

Por isso, o verborrágico texto do autor russo foi transformado em quadrinhos quase sem diálogos e textos, em que os desenhos são responsáveis por contar a história. ;Com todos os desafios na mão, decidi radicalizar pelo caminho oposto do livro: uma HQ contada por imagens, com um mínimo de texto possível.;

Para André, simplesmente o fato de o livro se tratar de um romance escrito por um russo no século 19 e a HQ de uma história em quadrinhos feita por um brasileiro no século 21 já seria suficiente para não se considerar as duas versões uma mesma obra. ;Parece óbvio quando dito assim, mas, até para o autor, é importante ter isso sempre às claras. A minha adaptação não é uma outra forma de ler o romance de Dostoiévski, seria até uma blasfêmia e um desrespeito com a obra original vê-la desta forma;, explica.

André decidiu adaptar o romance depois de uma série de leituras de Dostoiévski. Ele percebeu na história do príncipe humanista e epilético uma abordagem diferente de outros livros do autor russo. ;Dostoiévski tratava em geral de personagens que mostram a sua sombra ao leitor e daí vem a nossa identificação, por mais duro que seja admitir. Quando li O idiota, deparei-me com um personagem oposto: um protagonista ingênuo e luminoso, mas ainda num mundo de personagens sombrios, e esse choque me arrebatou;, lembra.

Depois da leitura, André ficou decidido a adaptá-lo de alguma maneira, até porque não tinha conhecimento de outras releituras do clássico. ;Crime e castigo já teve mil e uma adaptações, mas pesquisei por adaptações de O idiota pelo mundo e, até onde foi a minha pesquisa, não soube de nenhuma jamais feita, o que me estimulou ainda mais, mas também me mostrou o vespeiro em que eu estava me metendo.;

O processo

O trabalho com O idiota começou com o roteiro entre 2010 e 2011. Nos anos seguintes (entre 2012 e 2013), André desenhou mais de 100 páginas de uma versão inicial. ;Mas a produção foi interrompida por conta de questões de saúde. Tive uma depressão crônica, mais caracterizada pela apatia e estafa do que propriamente pela melancolia, ironicamente num ótimo momento pessoal e profissional;, conta.

André só voltou ao livro em 2016, mas descartou tudo o que tinha feito. ;Com três anos de distanciamento, as páginas que eu já tinha prontas não me agradavam mais. Decidi recomeçar quase do zero: reescrevi boa parte da história, joguei fora as mais de 100 páginas prontas e comecei tudo de novo, num outro estilo, e aí levei mais um ano até ter a HQ toda pronta.;

No processo de construir a HQ, André conta que precisou se desapegar do texto original e abrir espaço para a nova criação. ;Eu precisava ignorar o fato de que a ideia original veio de outro autor. Até porque, para contar com imagens o que foi dito com palavras, as cenas tinham que ser repensadas por completo;, aponta.

;O mais importante foi ler e reler o livro, e, depois, esquecer do que eu li. Esquecer no sentido de me desapegar a ponto de poder recontar a história da minha forma;, completa. Só assim, explica, seria possível acreditar (mesmo que momentaneamente) que a história e os personagens eram realmente dele.

O idiota
André Diniz. Companhia das Letras. 424 páginas. R$ 59,90.