Diversão e Arte

Livros de poetas brasileiros mostram variedade de estilo e trajetória

Novas edições levam ao público os versos de Hilda Machado, Rique Ferrári e Alexandra Vieira

Nahima Maciel
postado em 24/03/2018 07:34
Poesia de Hilda Machado ganha edição da Editora 34
Hilda Machado era mais conhecida como cineasta e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Como poeta, não tinha fama. Publicou dois poemas no início dos anos 2000, um na revista Inimigo rumor e outro na Modo de usar. Havia livros sobre cinema, roteiros e um ensaio sobre Laurinda Santos Lobo, mecenas que movimentou o Rio de Janeiro nos primeiros anos do século 20.

Mas nada de poesia até que, em 2009, o poeta e artista Ricardo Domeneck publicou mais 9 poemas da autora na revista Modo de usar & Co., que editava com Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia. Foi uma maneira de jogar um pouco de luz sobre essa voz que se apagou voluntariamente em 2007 e que, anos antes, havia causado certo impacto em Domeneck. Intrigado com aquela poesia sarcástica e cheia de dor, ele planejava conhecer Hilda em algum momento, mas o encontro nunca aconteceu.

O que aconteceu foi outro tipo de encontro: com ajuda da irmã da escritora, Angela Machado, Domeneck chegou a Nuvens, livro deixado pronto por Hilda, inclusive com o registro ISBN devidamente realizado na Biblioteca Nacional em 1997, 10 anos antes de sua morte.
[SAIBAMAIS]

É essa edição, acrescida de quatro poemas retirados dos manuscritos da autora e reunidos em um Apêndice, que chega às livrarias em uma pequena edição muito bem cuidada da Editora 34 com comentários de Flora Süssekind e prefácio do próprio Domeneck. A prática poética de Hilda era secreta e isso dificultou bastante chegar aos originais. Ao mesmo tempo, ela parecia fazer planos de se mostrar como poeta, já que Nuvens, além do registro, já tinha epígrafe, título e índice. Era, Domeneck lembra, um livro pronto. E impactante.

Foi com Miscasting que ele primeiro conheceu os versos de Hilda. Publicado em 2004 na Inimigo rumor, o poema falava sobre uma atriz indignada por ter sido enganada para atuar em um papel inadequado para ela. Não é o humor comum à poesia brasileira que circula pelos versos da autora. É, segundo Domeneck, mais que isso. Trata-se de um sarcasmo raro, depreciativo, autodestruidor, uma combinação de sentimentos que se espalha em outros poemas de Hilda.

São versos como ;não vejo meu pai morrer/de sofás de amigos, colchonetes/fugindo de dedos pontudos/de qualquer saguão de aeroporto/cada vez mais maluca e endividada/desilusão de dois subempregos/eu grito;, de As amargas sim, e ;por dentro me desce uma calma/fria como um véu/no fundo eu sei que a culpa é minha/a grande castradora/escondida atrás da escada/tesourinha afiada na mão;, de Brochada. Uma poesia que chega tardiamente ao repertório brasileiro, mas não é datada nem deslocada.


Nuvens
De Hilda Machado. Editora 34, 96 páginas. R$ 36
Quando começou a organizar os versos de seu quinto livro, a carioca Alexandra Vieira de Almeida queria fazer algo que fosse uma provocação à dualidade com a qual os ocidentais encaram a vida. Adepta de doutrinas orientais como o budismo e a meditação, ela se debruçou sobre versos que refletissem algo capaz de ir além da ideia de verso e reverso, de claro e escuro, do bem e do mal. Pensou, então, no número zero, encarado com negatividade na cultura ocidental, mas cheio de possibilidades na visão da poeta.

Dessa ideia nasceu A serenidade do zero, reunião de 38 poemas que exploram o que a autora chama de desconstrução de noções comuns na sociedade contemporânea. ;Minha busca é pela originalidade, pela criação a partir da desconstrução de um conhecimento que vê tudo de forma dualística, dividido entre opostos;, explica. ;Percebo que a gente sempre busca dividir tudo e eu busco essa multiplicidade das coisas. E essa multiplicidade tem a ver com a própria poesia.;

Em versos como ;com fumaças e o entreolhar da escuridão/um Buda de marfim/com pontinhos pretos nos seus orifícios/ fabrica autoras e crepúsculos; e ;Tao ; o caminho do silêncio/mudos das sombras, a luz se refaz/engarrafando nadas;, Alexandra traz para a poesia noções que embasam as filosofias orientais.

É, segundo ela, o formato perfeito para tal exercício. ;Poesia é linguagem muito subjetiva e diz coisas que em linguagem comum não seria possível. Eu quero falar do silêncio, do vazio nessa sociedade que é muito frenética. E tento representar o vazio pela palavra;, avisa a poeta, que também é professora da secretaria de Educação do Rio de Janeiro.

A serenidade do zero
De Alexandra Vieira de Almeida. Editora Penalux, 98 páginas. R$ 40
Rique Ferrári investe em livro diferente para atrair novos leitores
O gaúcho Rique Ferrári queria fazer um livro de poesia diferente, que atraísse leitores pouco acostumados aos versos. Convidou, então, tatuadores para ilustrar seu Rocketman e criou um site com 10 vídeos nos quais os poemas são encenados como se fizessem parte da vida cotidiana dos personagens.

;Sempre tive muita vontade de ir além da poesia, fazer algo pela cultura de forma mais ampla;, explica o poeta, que também é empresário e sommelier. ;Percebi que os poetas brasileiros escrevem essencialmente para outros poetas. Os editores também reclamam que as pessoas não consomem poesia, então tive a ideia de buscar parcerias com outras artes que pudessem complementar a poesia.;

Rocketman é o nome de uma música de Elton John. Na letra, o cantor fala de uma viagem solitária ao espaço narrada por um foguete humano. É uma metáfora da qual Rique Ferrári se apropriou para escrever os poemas. O livro nasceu de uma viagem realizada pela América Latina. Uma viagem, segundo o poeta, frenética. Ferrári passou por Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia, Colômbia e Peru. Conviveu com indígenas e pescadores, ficou isolado nas matas e nas montanhas e voltou com a coleção de aventuras que embalam os versos de Rocketman. ;Eu queria escrever o livro para viver mais;, brinca. ;Fiz coisas que jamais faria se não estivesse escrevendo um livro.;

Na primeira parte, o poeta faz uma exaltação à vida de forma geral e fala dos locais pelos quais passou, de trechos de conversas, de impressões momentâneas e emoções nascidas da contemplação. No poema Rocketman, volta-se para a própria experiência e transforma o vivido em versos, explora os significados reais e metafóricos do que pode ser uma viagem, fala do distanciamento de si mesmo e da reaproximação necessária para o autoconhecimento. É do impacto causado pela viagem e pela escrita que trata este poema em 38 páginas.

Rocketman
De Rique Ferrári. Patuá, 162 páginas. R$ 42

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