Diversão e Arte

Livro de Cezar Motta reconstitui a trajetória do Jornal do Brasil

A obra mostra o cotidiano de um dos mais importantes e inovadores jornais da mídia impressa

Lourenço Cazarré - Especial para o Correio
postado em 07/04/2018 07:31

Reunião de pauta, time de cobras: Luiz Alberto Bahia, Alberto Dines, Antonio Callado, Hélio Pólvora, Otto Lara Resende e Wilson Figueiredo

O livro Até a última página - Uma história do Jornal do Brasil - tijolaço de 564 páginas, lançado agora pela Objetiva - entrega muito mais do que promete. Escrita pelo jornalista niteroiense Cezar Motta, há três décadas radicado em Brasília, a obra descreve o formidável avanço do jornalismo impresso brasileiro (e também o começo de seu declínio) ao longo da segunda metade do século passado.

Curiosamente, o auge do poder e da glória do Jornal do Brasil, alcançado no começo dos anos 1970, os mais duros do regime militar, coincide com o início de seu mergulho em direção ao caos falimentar.

Em 1973, o JB troca sua então acanhada sede no centro da cidade por um prédio majestoso de oito andares na distante Avenida Brasil, construído à custa de muitos e vultosos empréstimos. Era um edifício tão vasto e requintado que um jornalista italiano que o visitou durante a construção indagou do seu cicerone quantos jornais funcionariam ali.

Caderno B com a inovadora diagramação sem fios e com muitos espaços em branco: criação de Reynaldo Jardim

Nessa época, os gastos com a construção da sede nababesca mais os pesados investimentos feitos para a implantação de duas emissoras de televisão, cujas licenças haviam sido finalmente obtidas do governo após décadas de insistência, tornaram-se insustentáveis mesmo diante do estratosférico faturamento do jornal, obtido com a publicação de anúncios classificados. O jornal morreria em 2001, depois de uma demorada agonia, tanto financeira quanto editorial.

[SAIBAMAIS]

De acordo com a pesquisa de Cezar Motta, o Jornal do Brasil ; que sabia estar condenado ao desaparecimento caso não obtivesse canais de televisão, como seu mega-adversário O Globo ; morreu vítima de terremotos econômicos (crise do petróleo e maxidesvalorização do cruzeiro), aventuras brancaleonescas (criação de uma indústria papeleira), gestão mais que temerária e muita, muita empáfia. Nos seus anos de esplendor, era quase uma estatal com funcionários em excesso e muito desperdício.

DNA

Nascido monarquista já na vigência da República, em 1891, o JB teve como um de seus primeiros chefes de redação ninguém menos que Joaquim Nabuco. Já naquele ano foi invadido e empastelado, como era corriqueiro na época. Dois anos depois, quando passou a defender a República, contava com dois correspondentes internacionais de arromba: Eça de Queiroz em Portugal e Alphonse Daudet na França. Fechado em 1893 pelo déspota Floriano Peixoto, ressurgiu em 1894 como ;noticioso;, ou seja, sem artigos de fundo que pudessem irritar os poderosos.

Passou pelas mãos da família maranhense Mendes de Almeida, que depois criaria a Universidade Cândido Mendes, até ser incorporado aos muitos negócios de um riquíssimo empresário pernambucano, o conde Pereira Carneiro.

Existe uma lenda sobre a transformação desse veículo cujo forte era a publicação de pequenos anúncios em uma potência editorial. Em 1956, para discutir uma possível ameaça de golpe contra o governo JK, reuniram-se as mulheres que chefiavam os grandes jornais cariocas de então: a condessa Maurina, viúva de Pereira Carneiro, do JB; Niomar Sodré, do Correio da Manhã; Ondina Dantas, do Diário de Notícias; e Dora Pacheco, do Jornal do Commércio.

Quando a condessa tentou expor sua posição, uma irônica Niomar Sodré teria comentado: ;Ah, quer dizer que o jornal das cozinheiras tem opinião sobre política e sobre o país;. Mordida, Maurina teria decidido naquele mesmo dia transformar seu veículo no mais influente e respeitado do país.

A virada começou no final daquele mesmo ano, quando o JB contratou o poeta e jornalista maranhense Odylo Costa, filho. Odylo, por sua vez, chamou vários profissionais de destaque do Diário Carioca, que havia implantado recentemente o modelo americano de redação, de textos objetivos e claros, em detrimento do nariz-de-cera e das ;cascatas; opinativas do velho jornalismo brasileiro. Foi criado um Suplemento Feminino, que desaguaria depois no Suplemento Dominical, onde trabalhariam poetas como Ferreira Gullar e Reynaldo Jardim e artistas plásticos como Amilcar de Castro e Lygia Clark.

Entraram as fotos e surgiram os espaços em branco entre as reportagens para facilitar a leitura.

Cezar narra a chegada das máquinas de escrever e aparecimento das mulheres nas redações.

Até a última página - Uma história do Jornal do Brasil

De Cezar Motta/ Objetiva, 564 páginas

Lourenço Cazarré é escritor

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