Diversão e Arte

Cantora Teresa Cristina lança disco em homenagem a Noel Rosa

Material tem direção de Caetano Veloso e repertório que traz letras atemporais do eterno Poeta da Vila

Irlam Rocha Lima
postado em 10/04/2018 07:30
Cantora Teresa Cristina
Vinte anos depois de iniciar oficialmente a carreira, cantando no bar Semente, Teresa Cristina ainda é chamada por alguns de ;Estrela da Lapa;. Isso tem a ver com o fato de ela ter sido a primeira a levar o samba de volta ao tradicional bairro boêmio no centro do Rio de Janeiro, contribuindo decisivamente para o processo de revitalização do lugar.

No ano passado, numa turnê em que dividiu o palco com Caetano Veloso, ela levou os sambas do compositor mangueirense Cartola a plateias do Brasil, à Europa, Ásia, América do Norte e América do Sul. A parceria aproximou os dois, e, agora, no recém-lançado álbum Teresa Cristina canta Noel: Batuque é um privilégio, a artista nascida no subúrbio carioca da Penha tem o eterno tropicalista como diretor.

No texto em que apresenta o trabalho, Caetano destaca: ;O canto tranquilo de Teresa é um tesouro que o Rio vem guardando há um bom tempo. Era a hora de Noel, um rei em seus próprios domínios, passar pelo filtro dessa voz. Não é coisa pouca. Há uma diferença entre o Noel que conhecemos e o Noel que surge das interpretações dela. Ouvir Noel na voz de Teresa sobre arpejos de Carlinhos Sete Cordas é ir fundo na experiência da nossa formação;.

Acompanhada apenas pelo virtuoso violonista, que esteve ao seu lado em Teresa Cristina canta Cartola, ela revisita a obra do Poeta da Vila e, de lá, traz para esse projeto os clássicos Conversa de botequim, Gago apaixonado, Feitiço de oração, Filosofia, Onde está a honestidade, Três apitos, O xis do problema e Silêncio de um minuto. Mas incluiu, também, as menos conhecidas ; pelo menos para os não iniciados em Noel ; A vida me fez assim e Deixa de ser convencida.

Ao Correio, Teresa diz que escolheu as músicas com as quais se identifica. Chamou a atenção dela o olhar de Noel para aspectos diversos do Rio de Janeiro daquele tempo: os cabarés, a malandragem, a mulher, a relação homem-mulher, a maneira como ele via as coisas, ao detalhar as situações social e política da época. Emocionada, também falou sobre o assassinato da vereadora Mariele Franco, de quem foi eleitora.

Entrevista/ Teresa Cristina


Como e quando você decidiu gravar o disco em tributo a Noel Rosa?
Tive a ideia na metade da turnê com Caetano. Fazia o show em que reverenciava Cartola, mas já estava completamente envolvida com a obra de Noel. Conhecia muita coisa dele, que foi também um cronista carioca, ouvindo discos de Aracy de Almeida e Maria Bethânia. Quando me aprofundei na pesquisa para criar o repertório, tomei um susto. Estava diante de uma obra atemporal e percebi que as músicas do Noel continuavam atualíssimas. As letras falam de questões com as quais nos deparamos agora. Parece que não mudou nada na política, na economia, nos costumes. E ele lidava com isso de forma lírica, mas, por vezes, jocosa.

Por que usou Batuque é um privilégio no subtítulo?
Noel fez com que a música brasileira tenha o viés de hoje. O verso ;batuque é um privilégio; traduz muita da importância de suas letras para o samba. Essa influência ancestral misturada à melodia e à poesia de Noel faz toda a diferença na construção da sua identidade.

Houve dificuldade para escolher o repertório?
Algumas músicas eu já sabia que gravaria, por ter a ver comigo, com as quais me identifico. Outras, a escolha foi sendo feita no período que antecedeu as gravações. Optei por gravar músicas que eu pudesse dar o tom.

Pode exemplificar?
Em Conversa de botequim fiz o que ainda não tinha sido feito. Troquei o gênero da canção e botei uma mulher no botequim falando aquelas coisas que Noel relata na letra.

Quando fala na atemporalidade das músicas do Poeta da Vila, se refere a quais?
Na catira Minha viola, Noel falava de febre amarela, doença que está de volta em várias partes do país. Hoje, há quem pense no (presidente Michel) Temer quando canta Seja breve. E o que dizer do clássico Onde está a honestidade?

Além de ser o diretor, qual foi a contribuição do Caetano para o álbum?
Caetano conhece mais da obra de Noel do que eu. Me deu o seu incentivo para fazer esse tributo e foi muito preciso ao dar opinião sobre essa ou aquela música, sobre que acordes o Carlinhos deveria utilizar. Ele me contou que Três apitos era a música que o pai dele, Seu Zezinho, mais gostava. Incluí no repertório do show, com o qual vou sair em turnê. Quero muito levar a música de Noel a Brasília.

Como artista e cidadã carioca comprometida com as causas sociais, que avaliação faz desse momento político-socialdo Rio de Janeiro e do Brasil?
Até hoje, estou desnorteada com o que ocorreu com Marielle Franco, a quem dei o meu voto e o meu apoio irrestrito. Eleita com a quinta maior votação no Rio de Janeiro, era uma veadora combativa, ligada a causas nobres, como as da defesa dos negros, das minorias, dos desassistidos, dos mais necessitados, foi assassinada covardemente. Se quem cometeu o atentado à vida dessa brasileira valorosa imaginou que iria calar essa voz empoderada, agora ouve vozes em todo mundo clamando por justiça.

Teresa Cristina canta Noel: Batuque é um Privilégio
O álbum está disponível em todas as plataformas digitais

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