Diversão e Arte

Escritora Becky Albertalli fala sobre o sucesso de 'Com amor, Simon'

Autora do livro que inspirou o filme 'Com amor, Simon' tem visão otimista sobre gerações das redes sociais

Ricardo Daehn
postado em 14/04/2018 07:33
Becky Albertalli:
Numa lista robusta que inclui nomes como os dos escritores John Grisham (O homem que fazia chover), Ernest Cline (com obra adaptada para a telona, por Steven Spielberg) e Jason Matthews (de Operação Red Sparrow) lá está ela, a autora de 35 anos Becky Albertalli, que, com o livro Simon vs. a agenda Homo sapiens, ocupa a posição número 12 em vendas, nos Estados Unidos. Transformado em filme (Com amor, Simon), o longa tem entre os atores um verdadeiro ímã para a juventude: a atriz Katherine Lagford (de 13 reasons why). A formação da identidade sexual do rapaz de 16 anos Simon nutre o enredo do livro de Albertalli, que trata de autoaceitação, tema comum para a ex-psicóloga, anteriormente atuante com orientadora para grupos de não conformidade com o gênero.

Noutro sucesso da escritora, Os 27 crushes de Molly, a artista judia, que, desde a adolescência, sempre amou personagens como Harry Potter, transfere muito da própria energia para a protagonista, uma menina um tanto gordinha que se encanta por um rapaz que curte os livros de J.R.R. Tolkien (de O senhor dos anéis).

Entusiasta da vibe ativista ostentada pela legião de leitores e admiradores ; Becky Albertalli ;, com os quais trata de dialogar ; é categórica ao discordar dos vereditos direcionados aos pares: ;Penso que adolescentes e pessoas da geração Y são, com frequência, criticados por serem tragados e obcecados com a superficial noção do que seja fama;.

Sendo os jovens ;os leitores mais devotados;, Albertalli tende a se inteirar de preferências e gostos. Cita, por exemplo, a australiana Jaclyn Moriarty (da série As cores de Madeleine) como uma das grandes inspirações, uma vez que trata regularmente de aspectos mágicos e de universos paralelos que absorvem os jovens. O combate a internalizações de mensagens subliminares dadas pelo governo (que quer banir pessoas trans das forças militares, por exemplo) tem sido outra das inspirações para que pessoas ;não sejam dadas como cidadãos de segunda classe;.

Quando fala das futuras publicações (entre as quais Leah on the offbeat), a autora faz questão de ser bem abrangente, adotando siglas como LGBTQIAP%2b (que contempla lésbicas, gays, bi, trans, queer, questionando, intersexo, assexuais, arromantiquês, agênero, pan, poli, e mais). ;Em What if it;s us, que será meu quarto livro, escrevo sob a perspectiva de Arthur, jovem que é muito tagarela e inocente, de passagem em Nova York tão somente no verão. Há ainda Ben (escrito por outro autor), que é um tanto mais aborrecido, mas vulnerável. Ao acaso, eles se conhecem, se distanciam, e se reencontram;, adianta. Adam Silvera é o coautor do livro, com o olho afiado para o gosto dos adolescentes. No sucesso anterior dele, They both die at the end, o autor criou um aplicativo intrigante: Last Friend, que conectava jovens às vias da morte.


Entrevista// Becky Albertalli

Como percebe o mercado ao tocar o universo tão amplo de leitores interessados em temas gays?
Acho que existia uma sede por enredos que fossem mais inclusivos, por um longo tempo, e percebo, num crescente, que editores e escritores correm nessa direção. Infelizmente, personagens LGBTQIAP ainda seguem sub-representados em termos de ficção, com alguns grupos específicos ; inseridos nessa vasta comunidade ; podendo ter muito trabalho em se perceberem representados nas artes. Também existe uma demanda particular por mais espaço para o cruzamento da diversidade na ficção ; quer dizer, mostrar personagens negros e trans, revelar personagens com deficiência e que sejam assexuados. Sou encorajada pela paixão e garra notada entre escritores empenhados no apoio aos marginalizados que compartilham suas verdadeiras histórias, e pela consciência de editores detidos no poder das boas e meticulosas representações a serem ofertadas.


Você acha que os jovens baniram o hábito da leitura sistemática?
Minha experiência de vida mostra justamente o oposto! Jovens são frequentemente meus leitores mais devotados. Eles são a verdadeira razão para que a chamada jovem e adulta literatura exiba o atual florescimento. Fico espantada com as comunidades on-line que têm sido formadas em torno de títulos de livro específico e de gêneros de amplo consumo ; e isso inclui meu Com amor, Simon.


Em que pensa ao encarar uma sociedade jovem tão ligada em si e detida no desenvolvimento de uma quase e real dependência das celebridades vendidas na internet?
Penso que adolescentes e pessoas da geração Y são, com frequência, criticados por serem tragados e obcecados com a superficial noção do que seja fama ; mas não é dessa forma que os vejo; aliás, de modo algum! Quando penso em pessoas jovens, visualizo os adolescentes ativistas que se envolveram em atos e protestos políticos, em organizações internacionais como Black Lives Matter (que defende pessoas negras de agressões), em passeatas contra o uso indiscriminado de armas e nos protestos dos oleodutos Dakota Pipeline (questão que trata de exploração financeira com impacto ambiental e desrespeitosa a indígenas sioux). Eu sou aberta e me interesso por toda e qualquer plataforma de comunicação. Claro que há quem venha a fazer uso tóxico ou por demasiado ególatra das redes sociais, mas também noto adolescentes usando as redes sociais para emprego de discursos sofisticados que contemplam diversidade, igualdade e perpetuação dos traços de identidade pessoal. É muito inspirador.

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No Brasil, há lida constante com machismo. Que tipo de barreiras você percebe, em escala mundial, quando se fala em assumir uma sexualidade própria?
Acho que é uma observação extremamente pertinente ; há tantas barreiras influenciadas pela cultura, e a questão ainda se estende pelo esquadrinhar das influências particulares que cercam uma pessoa, em termos de circunstância e de ambiente. Não tenho informações precisas de comportamentos mundo afora, mas tive a oportunidade de estar em contato com jovens espalhados pelo mundo. Há tantas regiões ; incluída a diversidade de estados norte-americanos ; e em muitas se estipulaou legislação que vai de encontro a pessoas LGBT.


Como assim?
Mesmo quando uma lei não afeta diretamente adolescentes, o impacto é sentido. Por exemplo, o atual governo norte-americano tem tentado banir transexuais da América de servirem em instância militar. Adolescentes trans, mesmo aqueles sem o mais remoto desejo de servir ao Exército, absorvem e internalizam a mensagem de que eles são cidadãos de segunda classe e que não merecem direitos básicos sejam proporcionado pelos demais cidadãos. Mesmo fora da esfera da legislação, traços culturais diferenciados (do porte da religião e do machismo) determinam a insegurança de adolescentes de se assumirem enquanto homossexuais. Muitas questões são tão específicas ao seio familiar e ao ambiente de cada pessoa e situação em particular que não há como generalizar nada.


O que você achou da adaptação de sua obra literária para cinema?
Sou uma enorme fã do filme ; já conferi 11 sessões dele, e a cada vez percebo novos detalhes. Ele não segue à risca cena por cena em termos de adaptação, mas noto que ele ainda assim foi extremamente fiel. Se percebe o quanto houve paixão e dedicação por parte do diretor Greg Berlanti no projeto, além de todos os outros profissionais envolvidos. Nick Robinson me atingiu muito, com a interpretação para Simon. Ele se enquadrou perfeitamente, e há tanta profundidade e nuance no desempenho dele. Acredito que, no momento, ele é um dos mais promissores talentos em atividade.


O que já pode ser dito de What if it;s us?
Adoro falar de What if it;s us! Será meu quarto livro publicado tanto por mim quanto pelo porto-riquenho Adam. Desenvolvemos esta história desde 2014 e finalmente tivemos a chance de concretizar tudo. Eu escrevo sob a perspectiva de Arthur, que é muito tagarela e inocente, estando ele de passagem por Nova York tão somente no verão. Adam escreve sob a perspectiva de Ben, que é um tanto mais aborrecido, mas vulnerável. Ao acaso, eles se conhecem, se distanciam e se reencontram. Eles meio que enfrentam momentos em que se completam e parecem perfeitos para si, e momentos em que se mostram muito equivocados na integração.


Com amor, Simon
De Becky Albertalli, com tradução de Regiane Winarski. Editado pela Intrínseca, 272 páginas. Preço, R$ 34,90 e R$ 22,90 (versão e-book).

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