Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 02/05/2018 07:30
O Cutucart nasceu em um centro educacional de Brasília, em 2006 e, desde então, cria uma trajetória de constante produção autoral na cidade. A descentralização da cultura é uma das buscas constantes do grupo, que apresenta a temporada de seu espetáculo mais recente em diferentes regiões do Distrito Federal. Em Naquela estação, cinco personagens ansiosos se relacionam com a narrativa enquanto esperam pelo trem.
No palco, entram em foco as fragilidades humanas e as relações que se dissipam com o tempo. A dramaturgia foi construída coletivamente pelo grupo. A história surge a partir de processos de pesquisa corporal e exploração de linguagens diferentes em improvisações livres.
A solidão apareceu como ponto em comum para conduzir o fio que se desenrolada entre os diálogos poéticos. Durante o processo criativo, surgiu a oportunidade de cada ator trazer para o trabalho o que lhe movia enquanto artista.
O ator e diretor Wanderson de Sousa lembra que o elenco encontrou no símbolo da estação a possibilidade de tratar do abandono em diferentes perspectivas. Ela aparece desde o lado interno de cada personagem, até o espaço externo, uma vez que, como é dito no próprio espetáculo, estação é apenas um lugar de passagens. ;A solidão, a expectativa e a fragilidade contemplam não somente os nossos anseios, mas os de todo ser humano;, destaca.
A escolha por apresentar em espaços fora do Plano Piloto veio da constatação de que a movimentação cultural do DF ainda é centralizada. O grupo sentiu, a partir de então, a necessidade de chegar às pessoas que não têm tanto acesso a esse tipo de expressão artística. ;Buscando espaços nas Satélites e oferecendo o acesso gratuito, acreditamos fortalecer o contato da população local com o teatro;, lembra Wanderson.
Criação
O professor e diretor do grupo, Getúlio Cruz, conta que a linha de trabalho do Cutucart é direcionada ao corpo. Durante o processo de criação, cada integrante do grupo é responsável por desenvolver oficinas nos encontros, é nesse processo que começam a delinear a proposta do espetáculo.
;O corpo fala, traduz sentimentos. E, nessas entrelinhas surgem palavras soltas como amor, fome, tristeza, raiva e solidão. O sentimento maior traduzido será aquele que se encaixa na proposta pré-estabelecida. Na montagem atual, a solidão e as fragilidades humanas se acentuaram;, destaca.
No processo de pesquisa, o elenco buscou entender o comportamento humano, em quais situações o ser humano responde às suas necessidades. O medo de ficar só é uma delas. A passagem do tempo ganha protagonismo enquanto o medo do abandono se torna mais forte. Na estação que se cria em cena, é possível refletir a respeito da velhice e daquilo que nos cerca com o passar dos anos.
;Como em Esperando Godot, esperamos... Esperamos na esquina, num parque, na rua, na rodoviária, no metrô. Esperamos em casa por alguém, esperamos o amor, a morte e naquela estação esperamos a vida. O trem de cada um;, lembra o artista. O diretor se lembra do passado do grupo, que surgiu como possibilidade de baixar os níveis de violência e intolerância na escola, que se articulou para controlar, através do teatro, os efeitos da falta de respeito humano entre os alunos.
;Minha intenção, de início, não era transformá-los em artistas exceto aqueles que pretendiam seguir carreira, mas, levar essa experiência para vida;, destaca o professor. Com o sucesso do projeto, a companhia ganhou continuidade com parte dos alunos, que decidiu seguir carreira na área, e o trabalho tornou-se mais profissional a cada ano.
O trabalho atual reforça a característica autoral dos espetáculos apresentados pela trupe e mostra que todo espaço tem potencial para se transformar em um eficiente produtor de cultura local. Os diretores buscam ser referência para outras escolas, para que elas apostarem no teatro e nas artes em geral como potências transformadoras da realidade social e individual de cada estudante.
; Ao tratarmos da morte e da velhice, percebemos que o ser humano se torna vulnerável e se submete às mais variadas situações a procura de uma válvula de escape;
Getúlio Cruz, professor e diretor do grupo
Naquela estação
Com o grupo Cutucart, no teatro Sesc Paulo Gracindo (Gama), de 4 a 6 de maio; sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h; 12 e 13 de maio, no Teatro Sesc Newton Rossi (Ceilândia); sábado, às 17h e 20h e domingo, Às 19h. A entrada é franca e a classificação indicativa é livre.