Maíra M. Moraes - Especial para o Correio
postado em 19/05/2018 07:32
Há quem afirme que a palavra ;pós-verdade; será a definição do nosso tempo. A experiência desse substantivo que sintetiza a circunstância na qual os fatos objetivos têm menos influência na nossa visão de mundo do que os apelos aos adjetivos, à emoção e às crenças pessoais salta à nossa percepção, principalmente na experiência de uso das redes sociais, em que a função de selecionar, organizar e distribuir a informação já não são ações centralizadas em veículos legitimados social e economicamente. Hoje, milhões de pessoas são produtoras e disseminadoras de fatos.
Nesse emaranhado de atores e informações chega o livro Hermenêutica e análise dos discursos em jornalismo, como um guia de sobrevivência ao sujeito-leitor, que ainda busca recuperar a dimensão de uma verdade-objetiva na leitura ou escuta, seja de um produto jornalístico, seja nas narrativas cotidianas. Se, em um primeiro olhar a palavra hermenêutica pode causar arrepios pela sua carga de significação cultural que remete a algo hermético, de difícil acesso, as páginas do livro trazem textos que fluem como diálogo junto ao leitor, resgatando-o como agente ativo na interpretação e reinterpretação do mundo.
[SAIBAMAIS]
Uma experiência hermenêutica mais justa, digamos, com sua etimologia junto ao deus grego Hermes, o deus mensageiro, símbolo da circulação de sentidos. A hermenêutica é aqui uma ciência geral de interpretação, é o que nos faz humanos, é o que nos une em sociedade.
Com organização de Célia Ladeira Mota e Sérgio Dayrell Porto, traz o prefácio de Antônio Fausto Neto, professores e referências na produção científica brasileira na área de comunicação social, linguagem e jornalismo, o livro leva o leitor à três dimensões que perpassam a teoria e prática do exercício hermenêutico, por meio de dezesseis artigos escritos por pesquisadores ligados à Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
A ;Parte I: O caminho hermenêutico;, como uma porta de entrada, traz ao leitor uma perspectiva histórica e teórica, reconhecendo a influência de Heidegger, Gadamer, Ricoeur e Thompson na elaboração e consolidação do método hermenêutico. Da fundamentação teórica à prática, passamos pela ;Parte II: Percursos téorico-metodológicos; e somos apresentados às formas que nos possibilitam recuperar as dimensões históricas, culturais e sociais de um texto. É aqui que temos acesso a procedimentos analíticos, como a metodologia das leituras interpretativas de Porto, além da compreensão do jornalismo na sua função de construção narrativa da história do presente, de Cavalcanti-Cunha e Motta. Se, como disse Hobsbawn, toda história é história contemporânea disfarçada, como desvendar os sentidos produzidos por uma matéria jornalística, um discurso político, uma dália na multidão? Para encontrarmos essas respostas a ;Parte III: Hermenêutica e Jornalismo: Pesquisa; traz o caráter prático da hermenêutica, por meio de oito textos que atravessam temas como: movimentos sociais, mídia, educação, delação premiada, impeachment, ditadura, raça, gênero e música.
Destaco a importância do livro como uma marca de conquista científica de pesquisadores que atravessaram o recorte do saber, da disciplina e se lançaram para o grupo de produção. Um ato de resistência em um país cujos poderes hegemônicos imprimem narrativas de improdutividade acadêmica como um recurso de construção de realidade. Ser hermeneuta é experimentar as potencialidades do paradigma interpretativo, é questionar toda e qualquer mensagem que se refira ;a verdade;, mesmo quando escrita por quem define as regras do jogo.
Maíra M. Moraes é mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutoranda em Comunicação e Sociedade na Universidade de Brasília (UnB).
Hermenêutica e análise dos discursos em jornalismo
Série Jornalismo e Sociedade. Volume 4 Sérgio Dayrell Porto e Célia Ladeira Mota (Organização)