Diversão e Arte

"Shoplifters", do japonês Kore-Eda, conquista Palma de Ouro em Cannes

Depois de 21 anos, o Japão volta ao pódio da Palma de Ouro com Shoplifters, de Hirokaeu Kore-eda. Spike Lee ficou com o Gand Prix

Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio
postado em 19/05/2018 15:58 / atualizado em 19/10/2020 13:13
Depois de 21 anos, o Japão volta ao pódio da Palma de Ouro com Shoplifters, de Hirokaeu Kore-eda.  Spike Lee ficou com o Gand Prix
Artesão do melodrama feito à moda japonesa, respeitado por tramas açucaradas e chorosas como “Pais e filhos” (2013) e “Ninguém pode saber” (2004), Hirokazu Kore-eda, de 55 anos, vai levar para Toquio a Palma de Ouro de 2018 por “Shoplifters”, uma comédia dramática sobre caridade laureada ontem com o prêmio máximo do Festival de Cannes. O longa-metragem faz a crônica do dia a dia de uma família de trambiqueiros que muda sua rotina ao adotar uma menininha.

Pelo rigor de sua dramaturgia, esperava-se que ele não sairia da Croisette sem láureas. Mas, dada a aposta deste ano em discussões feministas e raciais, as apostas para a Palma se concentravam em Nadine Labaki e seu comovente “Capharnaüm”, ou em Spike Lee e seu inflamável “BlackKklansman”. Por fim, deu Ásia na cabeça. Desde 1997, quando Shohei Imamura ganhou por “A enguia” (num empate com “Gosto de Cereja”), o Japão não saia do festival francês com sua honraria mais cobiçada. Cate Blanchett, a presidente do júri cannoise, acreditou que era hora de mudar e isso e valorizar o humanismo de Kore-eda. O Brasil não tinha filmes no páreo.

“Eu aprendi no começo da minha carreira, gravando documentários para a televisão, a valorizar os pequenos encantos do dia a dia. Sou louco para filmar no Brasil, aproveitando a colônia japonesa tão grande que vocês têm”, disse Kore-eda ao Correio, em Cannes.

A composição do time de jurados de Cate trazia uma diversidade de vozes, nacionalidades e ideologias que pesou nos resultados: Blanchett deliberou os resultados com a cantora e compositora Khadja Nin (Burundi), duas atrizes (a francesa Léa Seydoux e a americana Kristen Stewart), a diretora Ava Duverney (EUA), os também realizadores Denis Villeneuve (Canadá), Andrey Zvyagintsev (Rússia) e Robert Guédiguian (França) e o ator chinês Chang Chen. Eles consideraram estratégico dar o Grand Prix, o maior troféu da casa, depois da Palma, em valores estéticos, para “BlackKklansman”. Pela terceira vez em quase 40 anos de carreira, o sexagenário  Shelton Jackson "Spike" Lee pisou no tapete vermelho da Croisette com fome de Palma de Ouro - e com força - para levar o prêmio consigo para os EUA. Não deu. Mas foi ovacionado mesmo assim. Seu novo filme é baseado em um caso real de 1979. À época, ao entrar para a força policial do Colorado, o detetive negro Ron Stallworth (vivido por John David Washington, em atuação singular) descobre uma célula local da Ku-Kux-Klan. Num telefonema, ele finge ser um racista de carteirinha a fim de se juntar aos supremacistas e antissemitas brancos. Como cinsegue fazer isso? Simples, nos papos telefônicos, é ele quem fala e, para as reuniões presenciais, vai seu parceiro de farda, o judeu Flip (Adam Driver). 
“Dizem que eu não acredito em esperança. Nada disso. Este filme é cheio dela. Mas sou um sujeito esperançoso que presta atenção ao que se passa no mundo”, disse Spike em Cannes. 

Foi para as mãos da libanesa Nadine Labaki o Prêmio Especial do Júri, por “Capharnaüm”, vigoroso retrato da violência contra a infância. Na trama, um menino processa os pais por ser abandonado por eles à miséria.  

Para receber o prêmio de melhor direção, o júri convocou o polonês Pawel Pawlikowski para ser condecorado por “Cold war”, love story entre um maestro e uma cantora em tempos de Guerra Fria. Nas categorias de interpretação, venceram Samal Yeslyamova, pelo drama russo “Ayka”, e Marcello Fonte pelo faroeste contemporâneo “Dogman”, de CEP italiano.

Para melhor roteiro, uma surpresa: deu empate entre a italiana Alice Rohrwacher, por “Lazzaro Felice”, empatado com os iranianos Nader Saeivar e Jafar Panahi, por “3 Faces”. O realizador do Irã não pôde comparecer ao festival por se encontrar em prisão domiciliar por desafiar ditames de seu governo em prisão domiciliar por desafiar ditames de seu governo 

Esnobado por Cate e cia., o drama coreano “Burning”, sobre um rapaz piromaníaco, rendeu o Prêmio da Crítica a Lee Chang-Dong. Revelado numa seção paralela, a Un Certain Regard, o drama “Girl”, do belga Lukas Dhont, sobre uma bailarina trans em luta contra tabus de gênero, recebeu a Caméra d’Or, troféu dado ao melhor filme de estreia.

Fora da briga pela Palma, o Brasil viveu um festival de muitas glórias: o longa "Diamantino", feito em coprodução com Portugal, rendeu a Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt o Grand Prix da Semana da Crítica; a ficção "Chuva é cantoria na aldeia dos mortos", da paulista Reneé Messora e do lisboeta João Salaviza, ganhou o Prêmio Especial do Júri da mostra Un Certain Regard; e o curta "O órfão", de Carolina Markowicz, recebeu a Queer Palm, prêmio LGBT. Fora isso, Carlos Diegues saiu da Croisette com a mala cheia de elogios por seu “O Grande Circo Místico”, exibido fora de concurso.  

Quando a premiação chegou ao fim, Cannes acolheu o diretor inglês Terry Gilliam para conferir as loucuras de seu divertidíssimo “The Man Who Killed Don Quixote”, filme de encerramento baseado em Miguel de Cervantes que levou 25 anos para sair do papel. 

O próximo dos grandes festivais europeis é Veneza, que vai de 29 de agosto a 8 de setembro.

Lista de premiados:

Palma de Ouro: “Shoplifters”, de Hirokazu Kore-eda

Palma de Ouro Especial: Jean-Luc Godard, por “Le Livre d’Image”

Grand Prix: “BlackKklansman”, por Spike Lee

Documentário: “Samouni Road”, de Stefano Savona

Prêmio Especial do Júri: “Capharnaüm”, de Nadine Labaki

Direção: Pawel Pawlikowski, por “Cold War”

Atriz: Samal Yesyamova, por “Ayka”

Ator: Marcello Fonte, por “Dogman”

Roteiro: Alice Rohrwacher, por “Lazzaro Felice”, empatado com Nader Saeivar e Jafar Panahi, por “3 Faces”

Caméra d’Or (filme de estreia): “Girl”, de Lukas Dhont

Curta-metragem: “All these creatures”, com menção honrosa para “On the border”

Prêmio da Crítica: "Burning", de Lee Chang-Dong

Prêmio do Júri Ecumênico: "Capharnaüm", com menção honrosa para "BlackKklansman"

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