Ricardo Daehn
postado em 22/05/2018 07:48
O valor simbólico dos animais, preocupações com a ocupação mais estudada de ambientes urbanos, histórias que tratam de imigrantes e violência ; todas essas abordagens compõem o 7; Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo, apresentado de hoje até 10 de junho, no CCBB. Os filmes são muito recentes e organizados em programação que traz 14 longas e oito curtas, muito prestigiados, como conta uma das curadoras do evento Talita Rebizzi, que circulou no tradicional festival Journées de Soleure, base para a seleção de muitas fitas.
;A produção de documentários é expressiva na Suíça e uma tradição na sua cinematografia. Ao longo de anos, pudemos observar que o público suíço tem um grande interesse pelos documentários. Portanto, não é de se estranhar que, no painel, haja dois documentários que ganharam a 53; edição do festival Soleure. O prêmio do público foi para O som da voz, enquanto o júri premiou Sobre ovelhas e homens;, observa a curadora Célia Gambini.
Na abertura, hoje, às 17h, há dobradinha de sessão: na primeira, Eu não tenho idade (para te amar), e, às 19h, a mostra apresenta A fúria de ver. Com formação em serviço social, Olmo Cerri é o diretor do primeiro filme, que trata de uma forte onda migratória italiana que desemboca na Suíça de meados dos anos de 1960. Vale lembrar do tom múltiplo da cultura suíça, que acolheu tradições e línguas francesa, italiana e alemã. Já A fúria de ver, de Manuel von Stüler, especula sobre o poder da visão, na ótica de um cineasta (versado em música, particularmente, em jazz) que sente o desespero de ficar privado da visão, pelo avanço da doença.
A curadora Talita Rebizzi esclarece sobre a tonalidade dos filmes, alinhada a um fator contemporâneo: há crescente quebra na fronteira entre gêneros, com filmes que são híbridos de documentário e ficção. Entre os filmes de peso do evento, Rebizzi destaca Diário da minha cabeça (de Ursula Meier, já premiada em Berlim e presidente, em Cannes 2018, do júri Câmera de Ouro) ; ;é uma sensível abordagem sobre os motivos que levam a atos violentos (um parricídio) e que parte da relação entre uma professora de literatura (feita por Fanny Ardant) e seu jovem aluno (Kacey Mottet Klein). Além deste, há Golias, de Dominik Locher, um filme forte pela temática e direção, além das surpreendentes atuações;.
Primeiro filme de Annarita Zambrano, Depois da guerra abre o flanco político do evento, num enredo que mistura a extradição de um ativista acusado de matar um juiz em Bolognia. Amanhã, às 17, o CCBB recebe Be;Jam be ; Esse canto nunca terá fim, em torno do desespero do povo Penan (na Malásia) ,que registra crescente desmatamento no meio ambiente. Choques culturais montam o drama de Sobre ovelhas e homens, documentário de Karim Sayad ambientado nas diferentes óticas de argelinos para o destino de ovelhas, às vésperas do Ramadã. Dois documentários chamam a atenção, no painel. Televisões (de Fabian Kaiser e Luca Ribler) fala de estereótipos dos estrangeiros, repassados pela televisão, e Bem-vindo à Suíça recorre à crise de refugiados em 2015, que levou países ricos às mais inesperadas atitudes.
Três perguntas / Célia Gambini
Há linguagem diferenciada, quando se fala em cinema suíço?
Muitos jovens cineastas percorrem com desenvoltura os caminhos da ficção, com filmes autorais. Herança, talvez, de uma geração de diretores suíços que entraram para a história do cinema mundial, como Alain Tanner e Jean-Luc Godard, com a nouvelle vague. As narrativas são fortemente pessoais. No entanto, o cinema suíço não é épico, não trata seus temas com ostentação, não é pretensioso, é preciso e não faz concessões. Muitos cineastas têm currículo acadêmico. A Suíça conta com importantes escolas de cinema, como a Escola Cantonal de Lausanne, a HEAD, em Genebra (Departamento do Cinema do Real), e a Universidade de Artes de Zurique.
Que tratamento tem recebido a questão dos imigrantes no cinema suíço?
É uma constante, e, nesta mostra, aparece em filmes como Bem-vindo à Suíça (de Sabine Gisiger), sobre a questão de refugiados; Televisões, de Fabian Kaiser e Luca Ribler, que usa muitos arquivos com imagens históricas da televisão suíça, passando por registros impressionantes sobre a imigração e Não tenho idade (para te amar), de Olmo Cerri, sobre os imigrantes italianos na Suíça. Essa sempre foi uma questão central para o país, cuja grande parcela da população, em torno de 25%, é formada por imigrantes. Trata-se de uma sociedade que está desde sempre confrontada com o estrangeiro, com a pluralidade cultural e o multilinguismo, aspectos complexos e que levam a um permanente questionamento em diferentes níveis sociais.
Na seleção, quais títulos te entusiasmaram, particularmente?
Hafis & Mara, do diretor Mano Khalil, é bem interessante, ao tratar das relações de um casal, que fazem um balanço de suas vidas diante das câmeras. Há também Eu sou a gentrificação, de Thomas Haemmerli, que passou por várias experiências de habitação, como as ocupações de Zurique nos anos 1980 e dentre muitos lugares morou em São Paulo, Cidade do México e Tbilisi.