Diversão e Arte

Diretor brasileiro radicado nos EUA estreia em Cannes e conquista o aplauso

'Arctic', estreia de Joe Penna em longas, conta a história de um piloto acidentado em região gelada que tenta sobreviver

Estado de Minas
postado em 22/05/2018 10:39

Num filme quase sem diálogos, o protagonista tenta superar condições extremas e salvar também a vida da piloto do helicóptero que caiu ao tentar resgatá-lo.

Aos 30 anos, o brasileiro Joe Penna, radicado nos Estados Unidos desde os 12, parece ter conquistado o sucesso repentino. Seu primeiro longa-metragem, Arctic, estreou no Festival de Cannes, como parte da seleção oficial fora de competição, na seção Midnight Screenings. O filme conquistou o aplauso da crítica e foi incluído na lista dos melhores títulos da 71; edição de Cannes, encerrada no sábado passado, pelas publicações Variety e IndieWire.

Mas Penna deu um passo de cada vez em sua trajetória até o reconhecimento. Ele começou na internet, em 2007, como MysteryGuitarMan (;Guitarrista Misterioso;), um canal amador no YouTube, em que exibia sua criatividade musical e com o qual atraiu milhões de visualizações. O êxito o levou a dirigir clipes musicais e comerciais para a TV americana. Fez seu primeiro curta-metragem, que circulou por festivais alternativos. Na sequência, teve experiências com médias-metragens e, só então, sentiu que estava preparado para realizar seu primeiro longa.

;Achei que passaríamos despercebidos (no Festival de Cannes), por ser uma produção pequena e estar fora da competição. Mas, por aqui, todos falam sobre o filme e até os que não assistiram já sabem sobre ele;, conta Joe Penna em conversa por telefone com o Estado de Minas na quinta passada, quando ainda estava em Cannes. ;É uma confirmação de que o filme deu certo e cumprimos o desafio de tocar as pessoas;, afirma.

O protagonista do longa sobre um piloto que se acidenta no Ártico e tenta sobreviver em condições extremas é o dinamarquês Mads Mikkelsen, famoso por papéis como os de A caça, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator em Cannes em 2012; o vilão de 007 ; Cassino Royale (2006) e o protagonista da série Hannibal (2013-2015). Quando o sobrevivente do desastre aéreo vê uma chance de ser resgatado da região gelada, um novo acidente derruba o helicóptero que iria resgatá-lo e deixa aos seus cuidados a piloto (interpretada pela islandesa Maria Thelma Smáradóttir), ferida. Quase não há diálogos no filme.

;A história apresenta a seguinte reflexão: quão longe chega o altruísmo? Até onde você é capaz de ir para ajudar uma outra pessoa, quando a sua própria vida está em risco? O protagonista sabe que, se não fizer nada, aquela outra sobrevivente vai morrer, e decide que o melhor a fazer é tentar salvar a ambos;, diz o diretor.

A inspiração para esse seu primeiro longa-metragem veio de uma imagem que Joe Penna viu na internet, há aproximadamente três anos, levantando a possibilidade de levar vida a Marte. A ideia de se viver em um ambiente hostil ao homem instigou o cineasta, que formulou um roteiro em parceria com o amigo Ryan Morrison. ;Queríamos contar uma história universal, sobre sobrevivência, mas ambientada em Marte. Quando enviamos o roteiro para nossos agentes, eles perguntaram: ;Vocês já ouviram falar do novo filme do Ridley Scott?;, lembra Joe.

O novo filme de Ridley Scott era Perdido em Marte (2015), com Matt Damon, que se tornaria um dos grandes sucessos de bilheteria daquele ano e teve sete indicações ao Oscar. As similaridades entre as histórias fizeram Joe Penna descartar seu argumento inicial. Restou aos roteiristas alterar a ambientação. ;No final das contas, levar a história para o Ártico favoreceu o roteiro. Nossa ideia original necessitaria de muitas explicações técnicas e, da forma como fizemos, o filme ficou mais fácil de ser entendido;, avalia o diretor. As filmagens foram na Islândia e levaram apenas 19 dias.

Arctic já tem estreia no circuito de cinema da França agendada para dezembro e também deve ser lançado este ano em países como Alemanha e Rússia. O diretor está em negociações com distribuidoras dos Estados Unidos e da América Latina, mas não há previsão de lançamento nesses locais. É possível que o filme chegue ao Brasil no primeiro semestre de 2019.

YOUTUBER Fazer-se entender é uma preocupação de Joe Penna desde o início de sua carreira como youtuber. ;Quis fazer um filme com essa mesma proposta do meu canal, onde todos os vídeos podem ser entendidos independentemente da nacionalidade de quem assiste. Ao longo de Arctic, o protagonista tem em torno de 15 falas, que de forma alguma comprometem o entendimento do enredo;, afirma.

Em seus vídeos de maior sucesso no YouTube, o brasileiro faz releituras inusitadas de diversas músicas. Ele usa flauta para executar a introdução de Bohemian rhapsody, do Queen; piano, teclado e violão para interpretar Gangnam style, hit do sul-coreano Psy; e até a Sinfonia n; 5, de Beethoven, ganhou uma versão com vuvuzelas. ;Comecei fazendo vídeos simples, de forma rudimentar. Fui aprendendo as técnicas aos poucos e aprimorando o conteúdo;, lembra.

O ator Mads Mikkelsen e o diretor brasileiro Joe Penna na chegada da sessão de Arctic em Cannes, no último dia 10.

Mas ele entende que seus tempos de glória na web chegaram ao fim. Com o tempo, Joe sentiu que seus vídeos não mais se encaixavam entre o que fazia sucesso na plataforma. ;O YouTube mudou os algoritmos, e as formas de financiamento. Além disso, o tipo de conteúdo que eu produzia não é o que bomba na internet hoje em dia;, afirma. Há sete meses sem postar vídeos, ele diz que, apesar de não colher os mesmos louros de antes, não gostaria de aposentar o seu lado youtuber. ;Precisei me afastar do canal, porque a produção do filme demandou muito trabalho. E não posso dedicar tempo integral aos vídeos, já que o retorno financeiro (angariado através das propagandas na plataforma) não é suficiente.;

A forma criativa e peculiar de fazer música que deu fama a Joe Penna na plataforma de vídeos ficou de lado na produção de seu primeiro longa. ;Quando apareci em Cannes, muita gente achou que eu apresentaria um filme moderno, com cortes rápidos, ou uma animação, um trabalho em stopmotion... Mas Arctic é clássico em todos os sentidos, incluindo a trilha sonora. No futuro, quem sabe, as pessoas poderão ver o meu lado MysteryGuitarMan, quando surgir o projeto certo.;

MARTE Embora tenha refeito seus planos para rodar Arctic, o diretor não abandonou a ideia de falar sobre Marte. Seu próximo longa-metragem, que ainda está sendo roteirizado, mostrará a jornada de quatro tripulantes de uma nave especial que, durante a viagem, descobrem que não existem recursos necessários para a sobrevivência de todos eles no Planeta Vermelho. O argumento é inspirado no filme Um barco e nove destinos (1943), de Alfred Hitchcock. ;Ainda vou chegar em Marte um dia;, brinca Joe.

O Brasil é outro destino certo em sua rota de filmagens. Vivendo nos Estados Unidos desde a pré-adolescência e atualmente morando com com a esposa em Los Angeles, Joe Penna passou 15 anos sem vir ao Brasil, mas diz que mantém forte ligação com suas raízes e tem o desejo de filmar aqui.

Na avaliação dele, a representação do Brasil nos filmes que chegam ao mercado internacional é carregada de estereótipos. A violência é característica de boa parte deles, como Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003) e Tropa de elite (2007). ;Apesar de o cinema brasileiro ser bem diverso, ouvi de muitas pessoas, em Cannes, que os filmes brasileiros são sempre parecidos.;

Com Central do Brasil (1998), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e melhor atriz (Fernanda Montenegro), Joe Penna torceu por seu país levar a estatueta, no ano em que trocou São Paulo pelos Estados Unidos. Produções nacionais da década de 1960 e 1970, pertencentes ao Cinema Novo, também estão entre as favoritas de Joe ; como Deus e o Diabo na terra do sol (1964) e Vidas secas (1963). ;O cinema brasileiro é muito especial para mim. Cresci assistindo a esses filmes e, de certa forma, eles fizeram o diretor que eu sou hoje.;

Abaixo, confira o trailer de Arctic:

[VIDEO1]

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação