Diversão e Arte

Ruy Ohtake fala sobre a arquitetura e os impactos do modernismo no país

Autor dos projetos do Brasília Shopping e do Hotel Royal Tulip, o arquiteto dá um exemplo de como é possível contar com a arquitetura para resolver questões urbanas sociais

Nahima Maciel
postado em 16/06/2018 07:30
O arquiteto Ruy Ohtake acredita que o mundo da arquitetura brasileira não dá atenção suficiente a Brasília. E que a capital precisa ser mais valorizada. Se a cidade estivesse em qualquer país do hemisfério norte, haveria hordas de turistas e milhares de aulas dedicadas a ela nas universidades. Não é, segundo o arquiteto, o que acontece hoje.

;A gente tem que ter muito orgulho desse plano urbanístico inédito, não há nada igual em nenhuma cidade do mundo;, garante. ;A estética da arquitetura e urbanismo a partir do Plano Piloto de Brasília são exemplos de estética mundial. Não tem uma cidade que tenha o mesmo nível de propostas espaciais e de urbanismo com a racionalidade como a do Plano Piloto. Isso é um orgulho para o Brasil. Um orgulho que temos que saber colocar na nossa cultura, nos seminários, nas discussões.;

Convidado pelo Instituto Serzedelo Corrêa (ISC) como parte da programação de exposição com desenhos de Oscar Niemeyer na Galeria Marcantonio Vilaça, Ohtake deveria preparar uma palestra para ser apresentada para estudantes e interessados em arquitetura. Escolheu falar sobre Brasília.

;Se Brasília fosse feita em qualquer lugar do mundo, turismo seria obrigatório, ela faria parte do currículo de todas as escolas de arquitetura. E não faz. Os modernistas mais retrógrados não falam de Brasília. Ou falam muito pouco e superficialmente. Ninguém tem coragem de atacar, então fala de forma muito superficial;, lamenta.

Brasília é uma das polêmicas que o arquiteto sempre compra. A outra diz respeito à arquitetura contemporânea brasileira. Ohtake acha que ela ficou ultrapassada, presa a um modernismo que foi vanguarda nos anos 1960 e, talvez, um dos melhores praticados no mundo. Para ele, a arquitetura pós-moderna quase não aconteceu no Brasil.

;Os modernistas tímidos ficaram presos no modernismo. E eu sempre fui muito criticado, mas falo sempre: procuro fazer o desenvolvimento da arquitetura brasileira. Já avançando sobre o modernismo. Não estou olhando o retrovisor da década de 1960, que foi muito importante para o Brasil. Mas, 40 anos depois, temos que ir pra frente. Hoje o pessoal engole;, diz.

Ohtake também critica as escolas de arquitetura no país. Formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU/USP), que produziu alguns dos maiores nomes na área no país, ele chama de modernistas tímidos ou tardo modernistas os professores universitários. ;Todas as escolas de arquitetura no Brasil são regidas pelo modernismo. Quem rege? Os professores tímidos que, por uma série de razões, se vincularam ao magistério e ficam falando do modernismo de 1960 e 1970. E seguram os alunos. Aí, o aluno começa a fazer uma coisa diferente e o professor critica;, garante. Segundo ele, isso acaba por inibir o nascimento de vanguardas, de profissionais capazes de romper com o passado e seguir adiante.

Rompimento, aliás, é fundamental na arte de forma geral. É graças a ele que movimentos e novas formas de pensar conseguem eclodir. ;O consenso, em termos políticos, é importante, mas em arte, é negativo porque é todo mundo aceitando as mesmas propostas. Quando a vanguarda dá um passo pra frente, o establishment dá uma balançada e tem uns que não gostam e começam a criticar. O arquiteto que tem medo de polêmica, nunca vai ser de vanguarda porque, no primeiro passo que dá, fica com medo e recua;, lamenta.

Poder público

Outra crítica contundente de Ohtake diz respeito à maneira como o poder público lida a arquitetura e o urbanismo. Ou como ignora esses profissionais na hora de edificar e urbanizar as cidades. Como essas questões são secundárias nos planos governamentais, com direito a verbas ínfimas e projetos duvidosos, o arquiteto acaba omisso na discussão.

;Hoje em dia, os problemas urbanos que surgem são manchetes de jornal quase todo dia. O arquiteto raramente é chamado. Começa com umas discussões muito genéricas e falta a questão de como fazer a coisa. E o arquiteto não é mais convidado para discutir a cidade;, repara. O caminho, segundo ele, para se chegar a essa situação foi traçado, em parte, pelos próprios profissionais, que não conseguiram dar as soluções exequíveis a boa parte dos problemas urbanos.

Autor dos projetos do Brasília Shopping e do Hotel Royal Tulip, o arquiteto dá um exemplo de como é possível contar com a arquitetura para resolver questões urbanas sociais ao descrever a própria obra para o programa Minha casa minha vida, em Heliópolis, uma das periferias mais complicadas de São Paulo. Ohtake assina o projeto de um complexo de oito prédios de apartamentos entregues como parte do programa de habitação popular.

Antes de embarcar na concepção dos edifícios, ele conversou com a comunidade. É um detalhe para o qual nem sempre observados pelas construtoras contratadas por licitação, mas que pode resultar em extremo ganho de qualidade para os moradores.

O primeiro passo para um projeto digno, segundo Ohtake, é não selecioná-lo por licitação. ;Se faz licitação, quem der o preço mais baixo leva o projeto, por isso saíram essas coisas esquisitas. Tem que ter um critério de contratação de urbanismo e do plano inicial das casas com arquitetura isenta de licitação. Já reclamei muito junto ao governo federal e ao Ministério das Cidades;, revela. No caso de Heliópolis, ele fez o próprio projeto se encaixar no orçamento da prefeitura para que pudesse ser realmente executado. A disponibilidade e flexibilidade do arquiteto também são necessárias nesse tipo de programa.


Ponto a ponto/ Ruy Ohtake

Brasília
;É a cidade contemporânea mais expressiva que o mundo conhece desde o século passado. Entendo pelo contemporâneo não só o desenho, mas também o conteúdo que Brasília traz, a começar pelo projeto do Lucio Costa: é um plano que nunca se fez no mundo e onde ele coloca, claramente, a questão das praças. Não é uma invenção brasileira, mas onde a praça mais se desenvolveu como conteúdo e conceito no mundo foi em Brasília.;


Envelhecimento
;Acho que Brasília não envelheceu. Claro que, em 50 anos, alguma manutenção faz parte do processo do uso dos edifícios. Não significa que a manutenção seja para cidade não envelhecer. A cidade e seus prédios continuam muito vivos e muito referenciais para o mundo.;


Tombamento
;Acho que não são certas melhorias que vão deturpar a proposta do Plano Piloto nem dos edifícios que o compõem. São necessidades do viver ao longo dos 50 anos, qualquer obra tombada tem que ter esses ajustes. É importante que os ajustes não descaracterizem nem o Plano nem os edifícios. Acredito que ele conserva essas condições. Agora, claro que o Iphan e o GDF precisam fazer essa fiscalização. E discutir isso com a população.;


Queda do viaduto
;Precisa acompanhar a cidade. Você põe ônibus, metrô e não dá manutenção, depois de 10 anos começa a piorar. Manutenção tem que fazer parte da nossa cultura. Você pode perder uma obra na qual gastou um X depois de algumas décadas.;


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