Diversão e Arte

Tostão, Juca Kfouri e Paulo Vinícius Coelho lançam livros sobre o esporte

As obras contribuem para a compreensão das transformações do esporte no mundo globalizado

Severino Francisco
postado em 17/06/2018 07:30
Renato Parada/Divulgação
Com a Copa Mundial de Futebol da Rússia 2018, três craques do jornalismo esportivo foram convidados a entrar em campo: Tostão, Juca Kfouri e Paulo Vinícius Coelho. Futebol é bom de ser jogado, assistido, falado e lido.

Comecemos por PVC, que pegou o tema mais fascinante e desafiador: Escola brasileira de futebol (Ed. Objetiva). A esta altura dos acontecimentos, em que o futebol passou a ser globalizado, há quem duvide da existência de um estilo de futebol singularmente brasileiro. É com instinto de repórter que PVC tenta responder ao desafio. Mas, apesar de fazer uma minuciosa contextualização histórica das transformações pelas quais passou o esporte, ele sustenta que existe uma escola brasileira, mesmo que os craques tenham se tornado mais raros: ;Escola brasileira é buscar o gol em todas as circunstâncias, seja no Brasil, seja no Rio Grande do Sul;, escreve PVC.
;Escola brasileira é o drible. É esperar que o craque defina um jogo num lance mágico, como o chapéu de Pelé em Mel Charles contra o País de Gales, em 1958, a arrancada de Ronaldinho no gol de Rivaldo contra a Inglaterra, em 2002, ou a deixadinha de Falcão para Éder finalizar e virar o jogo contra a União Soviética, em 1982;.
[SAIBAMAIS]

O Brasil não é o país onde se assiste mais futebol. Os italianos, os espanhóis, os ingleses e os alemães veem mais. Vários estádios são candidatos a elefantes brancos em nosso país. Em compensação, o Brasil é o lugar onde mais se joga futebol no mundo. Qualquer várzea, rua esburacada, beira de rio, praia ou terreno baldio pode se transformar em campo para uma pelada. E haja improviso.

É daí que nasce a escola brasileira, sustenta PVC. No Brasil surgem jogadores de todos os cantos e buracos. PVC lembra que, segundo o IBGE, 39% dos brasileiros que praticam alguma atividade física jogam futebol: ;Basta lançar uma bola em qualquer pedaço e de chão, seja ela de meia, de gude ou até uma casca de laranja.;

Ele dá exemplos. ;Garrincha jogava num platô, um terreno baldio no alto de um morro em Pau Grande, distrito de Magé. Ali, quase sem espaço, precisando transformar um pedaço de chão à beira do abismo num latifúndio, aprendeu a driblar.;

Com Pelé e Garrincha juntos, o Brasil jamais perdeu uma partida. Eles jogaram 40 vezes, foram 36 vitórias e quatro empates. O futebol é um esporte coletivo e, não raras vezes, o melhor time ganha do adversário de melhores jogadores. A Alemanha sagrou-se campeã mundial de 1954 ao vencer o timaço da Hungria, recheado do talento de Puskás, Hidegkuti e Kocsis. ;O Brasil pensava diferente. O jogo podia ser coletivo, mas, no fim das contas, era resolvido por ações individuais. O futebol dependia de craques. E só deles;.

PVC empreende a uma aguda análise da evolução dos esquemas táticos, da preparação física, da ocupação do espaço nas Copas do Mundo de futebol. Desmistifica o trauma do fracasso da seleção de 1982, comandada por Telê Santana, que fracassou, apesar de jogar bonito e ter craques do calibre de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e Leandro. ;O Brasil perdeu a Copa de 1982 por uma razão: a Itália tinha um ótimo time. O Brasil era um timaço, mas tinha problemas táticos. A Itália venceu porque foi melhor. Protegia todos os seus setores e equilibrava-se dos dois lados do campo, ao contrário do Brasil, que pedia o deslocamento de um dos meias pelo lado direito, embora nem Zico nem Sócrates tivessem essa característica. A Itália era excelente do ponto de vista individual, e sua forma defensiva não dava espaço aos rivais.;

O maior problema do Brasil é a ausência de craques. Edmundo diz que nosso maior problema é o jogador tolhido em sua criatividade que não tenta o drible. PVC aceita a provocação. Segundo ele, o maior problema do futebol brasileiro e a grande dificuldade de manter seu estilo é a exportação de jogadores mais jovens: ; Eles se formam no Brasil, mas amadurecem em outros lugares. Com isso, os clubes do país ficam sem talentos capazes de reproduzir o que sempre foi sua principal marca: o improviso.

Se não houver estratégia de ataque, só um gênio contra espaço para o drible que desmonta sistema defensivos. Como os gênios são exportados, o futebol jogado no Brasil fica sem criatividade;.

O livro é muito rico do ponto de vista das informações e da análise. No entanto, confere um espaço demasiado para os técnicos em detrimento dos jogadores. São eles que criaram, de fato, uma escola brasileira de futebol mais do que ;os professores;. Talvez Zagallo e Telê Santana mereçam o título de pensadores de uma escola brasileira. Mesmo com o reparo, o livro é muito instrutivo e estimulante para compreendermos o futebol no mundo globalizado e o lugar do Brasil dentro dele.


Escola brasileira de futebol
Paulo Vinícus Coelho/Ed. Objetiva. 291 páginas

Lances de craque

As obras contribuem para a compreensão das transformações do esporte no mundo globalizado Tostão é um dos craques que contribuiu com sua classe para a criação de uma escola brasileira de futebol. E, depois que encerrou a carreira, tornou-se o mais agudo e arguto analista do esporte no Brasil. Não vai com a manada, recusa os modismos ou as explicações excessivamente racionais. Para ele, não se pode descartar o fato de que os deuses do futebol e do acaso sempre estão jogando os seus dados.

Tempos vividos, sonhados e perdidos - Um olhar sobre o futebol (Ed. Cia das Letras) é uma mistura muito livre de depoimento, memória e análise. Tostão brilhou no melhor time que já pisou os gramados do planeta: a seleção de 1970. Nem por isso cultiva a nostalgia. Acompanha atentamente as vertiginosas mutações pelas quais o esporte passou nas últimas décadas. Mas, com ele, a tática não se torna um assunto de aridez lunar.

Como analista, Tostão contribui para a criação de uma escola brasileira de futebol. Ele formulou um conceito de craque mais rigoroso do que o convencional. O craque não pode ser confundido com o jogador meramente habilidoso. Ele é uma mistura de habilidade, técnica, precisão e fantasia: ;Pelé pensava e agia mais rápido que um megacomputador. Com dezessete anos, já executava, no mais alto nível possível, todos os fundamentos técnicos. Com o tempo, apenas ficou mais forte e descobriu novos truques. Ele possuía o que a ciência chama atualmente de inteligência cinestésica, que é a capacidade de mapear, sem racionalizar, em uma fração de segundo, tudo o que está em sua volta e calcular a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários;.

Tostão observa que ninguém esperava que Rivaldo ou Kaká se tornassem craques e ganhassem troféus de melhores jogadores do mundo: ;Kaká não tinha muita habilidade, mas tinha muita técnica, força física e velocidade. Ele não driblava. Jogava a bola na frente e chegava antes do marcador. Como Rivaldo, Kaká também teve uma queda rápida, o que deve ter relação com o fato de os dois terem se tornado mais excepcionais do que pareciam ser;.


Embora tenha escrito seu livro antes de PVC, Tostão entra na polêmica sobre a escola brasileira de futebol. Lembra que alguns pensadores relacionaram o estilo descontraído e irreverente do brasileiro com a brincadeira e a falta de compromisso: ;Esse e tantos outros motivos foram determinantes para o estilo brasileiro de jogar, único, que se perdeu progressivamente ao longo do tempo. Hoje, estamos sem identidade, sem saber onde estamos nem onde vamos;.

O título do livro de Juca Kfouri causa estranhamento, pois não combina com a personalidade do autor: Confesso que perdi (Ed. Cia das Letras). Ele é corajoso, audacioso, bem-humorado e tem um ego saudável. Tem gosto em batalhar e em saborear as vitórias. Sempre praticou o conceito de jornalismo de Millôr Fernandes: ;Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados;.

Quando era convidado a trabalhar em alguma empresa, já negociava a assistência de um advogado. No livro, Juca evoca aventuras e desventuras nas revistas Placar e Playboy, na Rede Globo e na ESPN.

Ao fim, o claro enigma do título se desvela. É uma pegadinha do Juca. Ele teve uma carreira plenamente bem-sucedida do ponto de vista estritamente pessoal. No entanto, do ponto de vista coletivo, as mazelas que denunciou permanecem atrasando o futebol e o esporte brasileiro como um todo. A afirmação de Juca tem de ser relativizada. Vários personagens mafiosos que denunciou estão na cadeia. A sua luta não foi em vão. (SF)


Tempos vividos, sonhados e perdidos ; Um olhar sobre o futebol
Tostão/Ed. Cia das Letras. 195 páginas

Confesso que perdi (memórias)
Juca Kfouri/Ed. Cia das Letras. 246 páginas

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