Adriana Izel
postado em 19/06/2018 07:15
Doze anos da vida do manauara Henrique Andrade foram em Brasília. E foi na capital federal que o produtor musical, que hoje trabalha nos Estados Unidos no estúdio Record Plant com nomes internacionais do cenário musical, descobriu a paixão pela música. No quadradinho, Andrade assumiu seu primeiro estúdio e começou a produzir artistas. Tudo isso influenciado pela efervescência musical da cidade, que, em 1998 quando ele chegou, ainda respirava os louros da geração do rock dos anos 1990. Ao Correio, o produtor conta da experiência com artistas gringos, relembra o tempo em Brasília e também analisa a música atual brasileira e brasiliense.
Como você começou a carreira de engenheiro e produtor musical?
Fui muito influenciado pela minha família. Tanto por parte do meu pai, quanto minha mãe. Desde pequeno fui exposto ao showbusiness. Comecei tocando guitarra, mas confesso que não me dediquei tanto como músico. Na adolescência, eu tinha a minha própria banda e a gente queria gravar nossa própria produção. Nessa época, também fui convidado para fazer locução, por conta da minha voz. Por coincidência, o software que eu estava usando na locução era o mesmo que nós havíamos usado na gravação do primeiro EP. Logo depois, um dos estúdios comerciais da 207 Norte (Porão do Rock), estava passando o ponto. Eu acabei comprando o ponto deles.
E como foi depois disso?
Criei a coragem de não seguir essa cartilha tradicional e fui tentar viver da música. Daí em diante transformei o estúdio de ensaio em um estúdio de gravação bem amador. Comecei a gravar com muita gente de Brasília. Aprendi muito com o Guilherme Bonolo, grande produtor que a gente tem em Brasília. Muito do que eu vi nos EUA ele já tinha me contado. Guiminha foi engenheiro e produtor de grandes bandas, incluindo Raimundos. Com isso eu tive a oportunidade de conhecer muitos músicos da cidade e participar de momentos importantes de bandas locais. Meu primeiro projeto foi o Reggae a semente e logo em seguida uma banda de metal. Produzi o Trampa Sinfônica. Intermediar as intenções da banda com o universo da música clássica e traduzir isso pro incrível Sílvio Barbato foi um desafio engrandecedor. Vim pros Estados Unidos estudar e entrei no mercado de trabalho, logo em seguida, tive a chance de fazer parte de produções renomadas e aprender com profissionais incríveis.
Apesar de ter nascido em Manaus, você tem uma relação com Brasília. Quanto tempo morou na cidade? Ela te influenciou musicalmente?
Eu nasci em Manaus, morei no Rio e em 1998, com 15 anos, me mudei para Brasília. É minha cidade, toda minha referência de vida está aí, meus amigos, minhas memórias, minhas histórias. Quando eu cheguei, já estava flertando muito com a música. Mas naquele momento eu queria tocar, estava enfeitiçado pelo poder da música. Quando cheguei, peguei o final do rock 90 e esse orgulho que a cidade tinha da música: a ideia de que Brasília era a capital do rock. Músicas de Legião Urbana, Raimundos, Capital Inicial, Natiruts eram frutos da cidade e, com certeza, isso me influenciou demais como adolescente. Comecei a tocar em Brasília, fui aprender a tocar em uma escola de música que ficava no Conic. Não fui muito assíduo nas minhas aulas, queria tocar coisas simples para me divertir com os amigos, músicas que estavam na MTV naquela época. Comprei uma guitarra e fui tentando na marra. Logo no primeiro ano que cheguei montei uma banda com amigos da 108 Norte, fizemos alguns shows e, a partir dali, fiquei muito mais envolvido com isso. Morei em Brasília até 2010 quando vim morar no EUA.Brasília é minha casa.
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Você acompanha a cena musical de Brasília? Se sim, o que pensa sobre ela?
Tenho acompanhado pouco a cena de Brasília. Vejo que a gente tá se reinventando e isso é muito atraente. Tem muita gente fazendo muita coisa boa. O Pedro Martins encantando o mundo. O carnaval de Brasília está lindo. Divinas Tetas levou tanta gente pras ruas. Família Criolina e seus eventos. Tenho muitos amigos envolvidos com tudo isso. As festas, os coletivos, a cena do Conic, ou o que ainda tem disso. Um dos maiores motivos de eu sair de Brasília foi procurar uma estrutura diferente, a ideia de achar um lugar onde o profissional e artista pudessem crescer sem limites. Brasília tem músicos fenomenais, mas não tem mercado e esse problema é bem sério. Brasília tem ainda essa condição de que o músico tem que ter outro trabalho. Muitas vezes é plano B para maioria dos artistas e muitos deles talentosíssimos. Minha opinião é que o artista não tem como mergulhar na sua arte em Brasília. E pra fazer isso acontecer, a maioria dos artistas e empreendedores ficam dependentes de apoio governamental. Os movimentos culturais sofrem muito pra não se tornarem uma agenda de algum partido.
O que você acha que pode ser feito?
Esse apoio do governo é importante sim. A gente só não pode se contentar e achar que o dinheiro aprovado nesses projetos é o valor total que se tem para gastar. Isso está errado. É um apoio. Acredito que o artista tem que investir, valorizar para ser valorizado, pagar para aprender a cobrar e vice-versa. Eu valorizo muito a arte pela arte, mas a coisa que eu mais gostaria é de ver as pessoas sendo capazes de viver pela sua arte, sendo remuneradas pela música. Mas fica difícil se o seu ;produto; não é atraente. Fica difícil cobrar cachê de um produtor sem levar fãs para os shows. Os artistas locais têm que se tornar mais interessantes. As pessoas precisam aprender a fazer música popular e o que forma a figura do artista pop. Precisam aprender a cativar a audiência e entender o que o povo quer ouvir.
E como eles poderiam fazer isso?
É um desafio. Não tô falando de virar boyband. O Frango Kaos e o Galinha Preta são muito pop; é muito bom!! Acho que Brasília é elitista culturalmente, as pessoas não querem ser pop, essa palavra tá estigmatizada, é algo muito negativo. É assim para a maioria das bandas que eu conheço. A Scalene acho que é a última banda que criou uma visibilidade nacional. Muito legal, os meninos são muito talentosos e merecem tudo isso. Junto do Móveis Coloniais de Acaju, que também foi super impactante em todo Brasil... Essas duas bandas mostram que, além de talento, é necessário uma habilidade muito grande de se gerenciar, de criar contatos e construir uma estrutura onde aquilo possa ser trabalhado. Acredito muito que a oportunidade está aí pra todo mundo. Não é o ideal, mas no começo, as pessoas vão ter que se dividir em fazer música e tentar tampar o buraco que está faltando em vários cenários, várias camadas do mercado da música. Produtor, empresário, tour manager;
Você já trabalhou com artistas de diferentes estilos e muitos do pop. Como você vê atualmente o cenário da música pop?
A música pop é uma grande incógnita e é difícil entender/saber qual é a próxima moda, mas é muito legal ver a influência da tecnologia na indústria da música e, principalmente, na indústria da música pop. A tecnologia define a cara da música e dos artistas. As gravadoras já estavam buscando artistas mais consolidados e com uma fã base já estabelecida. Hoje mais ainda estão atrás de artistas que já tem fã base em mídias sociais. Acho que sempre foi assim, sempre existiu essa estrutura por trás das coisas superpops. Os gêneros que vão ficando no underground tem uma grande chance de voltar a ser uma referência. Hoje o rap é o rock de antigamente. Os rappers são o rockstars hoje em dia. O rap se tornou a música proibida para a geração que consome música pop, que geralmente são crianças e adolescentes de classe média. Pra eles, a rebeldia está em ouvir rap ou funk. Música pop não é necessariamente uma exposição de arte clássica, nem teste de proficiência musical, ela é um reflexo da cultura do momento, da cada geração.
E como vê esse estilo no Brasil?
O Brasil é um universo totalmente isolado. A gente tem um mercado próprio. Sim, com muitas influências, mas os ranking das mais tocadas no Brasil... só dá Brasil. As produções tão ficando cada vez mais sofisticadas. O sertanejo e o funk hoje tão na frente dessa corrente. Com uma estrutura de mercado maior que os outros estilos eles têm dinheiro pra reinvestir em qualidade técnica, divulgação, promoções de rádio.
Quais são as diferenças de atuar como produtor musical no Brasil e fora?
A maior diferença do Brasil para os EUA é a estrutura de mercado/distribuição, que ajuda a confeccionar um grande fonograma. É muito importante essa estrutura de escrever, de compor, de ter outra pessoa produzindo, outro mixando e outro profissional pra masterizar. Isso permite o artista a se expressar muito melhor. Isso ainda não é tão fácil no Brasil. Faltam mais engenheiros, produtores e compositores e letristas envolvidos com o mercado. Você vê pessoas com talento, mas que nunca se engajaram, nunca realmente se envolveram profissionalmente com aquilo. Além de estrutura de mercado vejo uma diferença nos cantores. Apesar de sermos supertalentosos se tratando de instrumentos, faltam mais cantores. É bem menor o número de pessoas que realmente cantam muito bem no Brasil. Essa é uma grande diferença, temos um polo absurdo de instrumentistas no Brasil e poucas pessoas se enveredando para cantar. Na música popular, voz é o instrumento principal. Nos EUA se investe muito em artes desde cedo. Os jovens têm opções de carreira artísticas.
Atualmente quais são os seus projetos no mundo da música?
Tentar continuar esses trabalhos até onde der. Colher esses frutos sabendo que nada é pra sempre. Acabei de entregar um trabalho com a Nicole Scherzinger (ex-Pussycat Dolls), terminando o novo disco da Kiiara (cantora norte-americana). Participei também do novo disco do Zayn Malik (ex-One Direction). Disco que deve sair em breve mas já tem alguns singles lançados. Foi muito intenso participar da construção desse disco. Ruda Carvalho, ;a Vaca; tecladista do Divinas Tetas, tem um projeto indie rock bem legal aqui nos EUA. Ele me chamou para ajudar com a produção/gravação e também pra tocar. Tocar vai ser um desafio, mas a ideia de fazer música com uma galera gente boa parece interessante. Tá na minha lista.
Com que artista foi mais interessante trabalhar?
O artista mais interessante de se trabalhar, é difícil dizer isso, mas o projeto foi, com certeza, o último disco do Bieber. Ficamos juntos por um ano e oito meses construindo esse CD. Mais de 100 músicas gravadas para escolher as do álbum. E, como o Bieber é o Bieber, ele tem uma estrutura que pouca gente tem. Trabalhamos com Rick Rubin, Diplo, Skrillex e com pessoas supertalentosas e não tão famosas, como o produtor dele, Josh Gudwin. Eu ficava dentro da sala praticamente livre para assistir tudo o que a galera estava fazendo. Foi incrível acompanhar de perto. Então, em termos profissionais, passar esse tempo dentro de um dos discos de maior orçamento e maior expectativa foi algo incrível. Aprender com o Bieber também.
E como foi trabalhar com Justin Bieber?
Ele é uma pessoa fenomenal. Tive a chance de conhecer um jovem que com 21 anos tinha pressões e responsabilidades, que nem eu nem você teremos nessa vida, e a forma com que ele lida com isso, como ser uma das marcas mais famosas do mundo, é muito admirável. Porque existe o ser humano por trás da marca e essa pessoa teve a vida transformada aos 13 anos; então, para uma pessoa que teve a vida não parecida com a maioria, ele é um cara incrível como pessoa. Quero certamente trabalhar com essa geração de novos artistas do Brasil.