Diversão e Arte

'Três vezes te enganei': espetáculo no Dulcina reflete sobre a paixão

Em temporada com apresentações diárias, Fernando Guimarães propõe movimentar o Teatro Dulcina com peça sobre o amor, o ciúme e o aduLtério

Nahima Maciel
postado em 16/07/2018 08:08

Figurino com narizes de pirata: uma metáfora das ilusões do amor

O tema é adultério. No palco, marido, amante e esposa discorrem sobre paixão, traição e ciúme. Cada um, claro, a partir de sua própria perspectiva. Com isso, há muito para ser dito, pensado e questionado. O que você faria por amor? Fernando Guimarães gosta de soltar essa pergunta por aí e se diverte com as respostas. Em Três vezes te enganei, ele coloca no palco 14 atores para interpretar o trio com um texto criado a partir de influências que vão de Nelson Rodrigues e Gustave Flaubert a Samuel Beckett e Marguerite Yourcenar. "O projeto é sobre ciúme e paixão e o que norteou é a frase da Yourcenar: ;o amor é um castigo, somos punidos por não termos conseguido permanecer sós;", conta.

O universo de Nelson Rodrigues, marcado por paixões mal resolvidas, foi o ponto de partida para o texto, mas é na estrutura proposta por Samuel Beckett em Play que o diretor baseia a montagem. Do dramaturgo irlandês, ele trouxe a ideia de expor os três pontos de vista. Cada personagem vai falar sobre a situação e, para compreender cada história, será preciso também entender o autor da fala.

As três visões são também uma maneira de refletir sobre as personas contidas em cada personagem quando se trata de sentimentos. "Quando você está no auge de uma paixão, tem essa coisa: a pessoa é de uma maneira, mas a gente enxerga de outra. Então a gente prescinde do outro", acredita Guimarães. Essa noção norteou a concepção dos figurinos e dos cenários. Inspirado nos parangolés de Hélio Oiticica, o diretor criou roupas coloridas.

No rosto dos atores, narizes de Pinóquio ilustram as ilusões do amor e da paixão. Com o apetrecho, Guimarães quis evidenciar a ideia de cegueira embutida no sentimento e questionar se o que se enxerga nesse estado é mesmo a realidade. "Brinco com essa coisa do Pinóquio, mas em hora nenhuma falo do Pinóquio. É uma coisa inconsciente. São três pessoas que vão contando as histórias daquelas paixões. Como são 14 pessoas no elenco, a cada três se conta uma história", explica.

Boa parte do elenco é de atores profissionais, mas Guimarães incluiu alguns estudantes da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, na qual dá aulas. A instituição é, aliás, uma das paixões do diretor. Quando ele se pergunta o que faria por amor, pensa na casa, nas aulas e na falta de salário. "Tenho uma paixão por isso aqui. Trabalho e não recebo. Comecei aqui, sinto que tenho uma dívida. Acho que a gente tem obrigação de levantar isso aqui", acredita.

Como parte da obrigação, Guimarães inclui promover o palco da instituição e realizar ali trabalhos que depois ganham projeção nacional em peças montadas em outras instituições, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Sesc. Com Três vezes te enganei, ele também quer movimentar a casa, por isso decidiu por uma temporada diária, com apresentações todos os dias, durante uma semana. "O Teatro Dulcina está com nova coordenadoria, com nova direção. Uma equipe nova tomou posse e está muito empenhada nisso. E a gente está querendo sempre ter um projeto aqui. A gente fez o Apartamento 403, saiu daqui e foi para o CCBB e para o Sesc. São projetos que estão nascendo aqui. Não é que vamos fazer uma companhia Dulcina, mas acho que está se fazendo alguma coisa. A gente não tem teatro em Brasília e esse aqui é um espetáculo. Então, estamos procurando gente que se envolva nisso aqui para fazer produtos que sejam vistos", diz Guimarães.

Recuperação

Administrada pela Fundação Brasileira de Teatro (FBT), a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes passa por dificuldades desde 2013, quando sofreu intervenção do Ministério Público por conta de dívidas e problemas administrativos. A intervenção durou até novembro de 2017 e, desde fevereiro deste ano, a faculdade é administrada por Chris Ramirez, indicada como gestora e secretária-executiva pelo Conselho Curador da instituição. Com experiência de 25 anos na área cultural e passagem pelo ministério da Cultura, Chris aceitou a indicação como um desafio. Desde que assumiu, ela providenciou uma limpeza do prédio, retirou mais de 16 toneladas de lixo e agora se concentra no reequilíbrio das finanças da instituição, que tinha dívidas de R$ 13 milhões.

A nova gestora calcula em 12 anos o período de dificuldades da faculdade. Durante esse tempo, foram cinco gestões sucessivas que levaram a faculdade à perda de foco. "Alguns grupos com interesses pessoais acabaram assumindo e separaram o complexo cultural da Dulcina de Moraes e a Faculdade. Isso inverteu o jogo: em vez de a FBT manter a faculdade, a faculdade passou a manter a fundação, o que se tornou inviável em termos financeiros. Hoje, a gente está conseguindo equalizar isso, e a fundação consegue se manter. Mas houve um desgaste do patrimônio", avisa a gestora.

Segundo Chris, a faculdade vai abrir vestibular com 150 vagas, e o corpo de funcionários voltou a receber salários. O próximo passo é regularizar o pagamento dos professores. Para Fernando Guimarães, a instituição está em melhor estado. "Está impecável, limpíssima, tudo direitinho. A gente ainda não recebe, mas um dia vamos receber", acredita.

Serviço

Três vezes te enganei

Direção: Fernando Guimarães. Com Adair Ollivez, Alex Ribeiro, Aline Machado, Bete Virgens, Carlos Neves, Ellen Gonsioroski, Fabrício Vital, Filipe Moreira, Leonardo Teles, Letícia Souza, Logan Dias, Maria Moreira, Raquel Mendes, Sérgio Tavares. Até 20 de julho, às 20h, no Teatro Duclina (Setor de Diversões Sul ; CONIC). Entrada gratuita (distribuição de ingressos uma hora antes do espetáculo). Não recomendado para menores de 14 anos.

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