Nahima Maciel
postado em 26/08/2018 07:15
Josélia Aguiar começou a trabalhar na biografia de Jorge Amado depois de um desafio, uma brincadeira de redação da qual ela até desconfiou. À época, há mais de sete anos, a jornalista trabalhava na Folha de São Paulo quando o editor Alcino Leite Neto perguntou se ela não queria fazer uma biografia do escritor baiano. Josélia riu e disse que todo mundo sabia tudo sobre Jorge Amado. Descobriu, ao longo dos últimos anos, que havia muito mal-entendido sobre o autor de Jubiabá. Sobre o trabalho de pesquisa que resultou em Jorge Amado: uma biografia, a ser lançado até novembro, a jornalista fala hoje na mesa Malemolência na literatura, programada para as 10h na 4; Bienal Brasil do Livro e da Leitura. Ela terá a companhia do também jornalista Zeca Camargo, que trabalha na biografia de Elza Soares.
Boa parte da pesquisa se concentrou na Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, mas a autora também conseguiu acesso a coleções particulares de cartas trocadas com o escritor (um assíduo missivista) e visitou os arquivos da ditadura e da Polícia Internacional de Defesa do Estado (Pide), em Lisboa. Durante o processo, se surpreendeu algumas vezes.
;Desde muito cedo, Jorge Amado escolhe contar histórias da Bahia que é uma Bahia afro-baiana. As pessoas acham que é depois que ele sai do partido (comunista), mas, muito antes, os personagens são negros e estão muito presentes, são muito centrais;, conta. Amado foi, durante décadas, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), pelo qual se elegeu deputado federal em 1945.
Durante anos, especialmente as décadas de 1980 e 1990, o baiano foi acusado por estudiosos de folclorizar o Brasil e a Bahia. É uma das ideias que Josélia tenta desconstruir na biografia. ;Acho que a gente tem que considerar o quanto de racismo entranhado existia nesses debates sobre a obra dele. Tendo feito a pesquisa para o livro, o que acho incrível é o quanto ele não queria folclorizar. O quanto o olhar que folcloriza é justamente o olhar de quem está vendo de fora e acha estranho o que, para ele, era muito comum. Muitas vezes, as pessoas não leram Jorge Amado, mas viram as adaptações que, no geral, não têm nada a ver com a obra dele. São adaptações que folclorizam e carregam um pouco desse preconceito;, explica.
Outra surpresa foi descobrir o quanto o escritor era sério. A imagem do intelectual baiano de bermudas e camisas coloridas ; que ele colecionava e comprava ao redor do mundo durante as centenas de viagens realizadas ao longo da vida ; era uma tentativa de não parecer esnobe ou pedante, mas não queria dizer que Amado era um brincalhão. Segundo Josélia, ele era um ;baiano avexado;. Acordava às 5h para escrever e trabalhava o dia inteiro. A pontualidade em compromissos era uma marca e Amado podia se irritar facilmente com descumprimento de horários. Não vivia contando histórias, mas estava sempre rodeado de gente que contava casos.
Josélia também gosta de apontar o quanto ele era reconhecido fora do país. Durante muito tempo, a quantidade de livros traduzidos no mundo inteiro foi atribuída à ligação com o PCB, mas isso é um erro, segundo a biógrafa. A então União Soviética (URSS) foi o último país a ganhar uma tradução do baiano. Terras do sem fim, um dos primeiros a serem vertidos para outro idioma, saiu primeiro nos Estados Unidos, em 1944. No final dos anos 1940, São Jorge dos Ilhéus foi publicado na URSS.
;Foi muito importante perceber como a tradução dos livros dele no exterior é uma iniciativa dele. Ele levava os livros em viagens pela América Latina, saía procurando agente e tradutor;, garante Josélia. ;Ele é agente literário de si mesmo, divulgador da obra. Ele tinha um desejo muito grande de ser lido e, para ele, vender livro não era uma coisa que o diminuía. Nesse ponto, ele se parece mais com Monteiro Lobato que com os modernistas, que publicavam pequenas tiragens e estavam mais interessados em fazer uma literatura radical, não necessariamente popular. Jorge Amado era um autor que queria ser popular.;
Elza Soares
Zeca Camargo trabalha na biografia Elza desde julho de 2017. As entrevistas com a cantora são a base do livro. Foram dezenas de encontros nos quais o autor esmiuçou a vida da biografada. ;A memória dela que é impressionante. Ela se lembra de tudo. Tem 88 anos e lembra de detalhes, da roupa que estava usando, o que alguém falou. Quando alguém faz uma biografia, geralmente, o problema é a memória, a pessoa não lembra muita coisa. No caso da Elza, ela lembra demais, a gente tem que selecionar;, conta Camargo.
No livro, ele vai abordar alguns momentos polêmicos da vida da cantora e a série de altos e baixos vividos por Elza ao longo da carreira. E são muitos, segundo Camargo. ;Impressionantes são as reviravoltas na vida dela. Não é que ela teve um alto e baixo, ela teve vários altos e baixos e não desistiu. A carreira estava meio à deriva e ela falou ;vou fazer o disco que eu quero; e fez A mulher do fim do mundo. O que me impressiona é que é alguém que não botou um ponto final mesmo! Eu tenho medo de botar um ponto final na biografia, porque ela ainda vai aprontar mais uma depois de o livro ficar pronto;, diz. Segundo Camargo, um dos pontos mais tristes do livro é a morte do filho, Garrinchinha, que Elza chama de Julinho.
Hoje, a Bienal recebe ainda Aline Valek e Ana Maria Gonçalves para a mesa Distopias femininas, e José Almeida Júnior e Eliana Alves Cruz, para falar de escrita e pesquisa. A história recente do Brasil será o tema de outra mesa, O passado recente, redescoberto, com Rubens Valente, Eumano Silva e Betty Almeida.
Malemolência na literatura
Mesa com Josélia Aguiar e Zeca Camargo. Hoje, às 10h, na 4; Bienal Brasil do Livro e da Leitura (Centro de Convenções Ulysses Guimarães, auditório Café Literário). Entrada franca.