Diversão e Arte

Textos de William Shakeaspeare são montados no Cena Contemporânea

Mesmo morto há mais de 400 anos, William Shakespeare continua inspirando montagens atuais e modernas

Vinicius Nader
postado em 02/09/2018 07:00
Dinamarca fala sobre disputa do poder, um dos temas de Hamlet

O romance imortal e inconsequente dos jovens Romeu e Julieta; o existencialismo do ;ser ou não ser;, de Hamlet; as disputas por poder em vários reinos; a sede de vingança acima de todas as coisas. William Shakespeare escreveu sobre tudo isso, revolucionando o teatro, não só pelos temas abordados, mas especialmente pela forma com que o fez.

Maior festival de teatro do Centro-Oeste, o Cena Contemporânea se despede dos palcos brasilienses neste fim de semana e provou que Shakespeare rende bons espetáculos. Pelo menos três peças vão buscar na atemporalidade do autor inglês inspiração: a argentina Shakespeare inédito, da Liga Profesional de Improvisación; a pernambucana Dinamarca, da cia Magiluth; e a brasiliense Sonho de uma noite de verão, da cia. Celeiro das Antas.

;Os conflitos apresentados nas obras de Shakespeare são de uma atualidade contundente. Estão presentes nas obras temas universais que aconteceram, acontecem e acontecerão em todas as épocas: amor, ganância, poder, traição, morte, corrupção, injustiça...;, afirma ao Correio Ricardo Behrens, diretor e autor de Shakespeare inédito.

O espetáculo reúne no mesmo palco Hamlet, Julieta, Ricardo III e Lady Macbeth. Sem que a trupe tenha um roteiro pré-determinado, o público escolhe qual personagem e em que trecho da história a ação começa. O quem vem a seguir é improviso.

;As linhas da dramaturgia são propostas por mim e dialogam com o desenvolvimento que surge nas cenas. A associação e a continuidade das sequências vão aparecendo em plena ação. É uma obra com alto teor dramático, com profunidade de construção de personanges e dramaturgia, luzes e sons criados ao vivo;, descreve Ricardo.


Viés político


O universo de Shakespeare também serviu como ponto de partida para o diretor Giordano Castro e a cia Magiluth, de Pernambuco, criarem Dinamarca. ;Adaptar Shakespeare dá trabalho, rapaz!”, diverte-se Giordano, ressaltando que vale muito a pena. Em Dinamarca, que tem livre inspiração em Hamlet, o grupo explora uma das várias possibilidades do clássico shakespereano: o viés político.

;É um misto entre o clássico e o contemporâneo. Fazemos um diálogo com o Brasil atual. Tem a questão de o sobrinho matar o tio para ficar no trono no lugar dele que nos leva a pensar no Brasil de um ano atrás, quando criamos o espetáculo. Por mais que o texto tenha 400, 500 anos, o tema continua atual, porque os mecanismos do poder não mudaram. A obra de Shakespeare não se esgotou e ainda tem muito a dizer;, comenta o diretor.

Em Dinamarca, o castelo da corte está em festa. A alta sociedade se diverte sem dar a mínima importância para a população do lado de fora, alijada das decisões e de direitos básicos. ;Quem conhece Hamlet faz logo a ligação, mas quem não conhece não tem prejuízo nenhum no entendimento da obra, que é cerca de 60% nossa e 40%, de Shakespeare;, garante Giordano.
O argentino Shakespeare inédito traz a improvisação à cena

A cia Celeiro das Antas se dedica com afinco ao teatro físico. Mas será que isso combina com Shakespeare? A montagem de Sonho de uma noite de verão em cartaz hoje, no Sesc de Ceilândia, é um exemplo de que sim.

;Fizemos adaptações para diminuir um pouco o tempo e para se adequar à nossa linguagem. E também para atingir o jovem;, afirma o ator Felix Saab, que se desdobra em vários personagens.

Felix conta que as contribuições ao clássico não se concentraram no texto. ;Nossa linguagem é corporal, está nos gestos, nas expressões. O corpo é nosso instrumento de diferenciação;, explica. O intérprete ressalta que alguns aspectos do texto, como situações hoje vistas como machistas ou preconceituosas, foram atenuadas, mas não retiradas.

;William Shakespeare é gênio. Ele morreu há 400 anos e continua sendo muito atual. Ele é atemporal porque enxergou além do tempo dele e trouxe uma fórmula de contar histórias que deu tão certo que é mantida até hoje;, explica Felix.

Com tantas montagens de Shakespeare na cidade é normal que haja comparações e até mesmo que o público tenha medo de repetições. Mas Felix garante que vale a pena sempre ver (e rever) o bardo: ;cada montagem é uma montagem, cada uma tem uma cara;.

Shakespeare inédito

Hoje, às 19h, no Teatro dos Bancários (314/315 Sul). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Assinantes do Correio pagam meia. Não recomendado para menores de 10 anos.


Sonho de uma noite de verão
Hoje, às 20h, no Sesc Newton Rossi (Ceilândia). Entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.




Duas perguntas/ Ricardo Beherens

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Como você escolheu os quatro personagens de Shakespeare inédito entre tantos criados pelo autor?

Foram escolhidos de acordo com as possibilidades que permitem as características de cada um deles. Hamlet e Julieta, em linhas gerais e simples, buscam o verdadeiro amor e a justiça, sem medir as consequências dos seus atos. Ricardo III e Lady Macbeth são os vilões que mais nos interessaram desde o início do processo, em 2012. As diferentes phisiques du rôle nos permitiram também a construção de vínculos que são diferentes a cada sessão. Os personagens não são arquétipos, evoluem de acordo com a história gerada, podendo chegar a situações e reações inesperadas pelo público. Fazemos uma leve introdução para que o espectador neófito em Shakespeare conheça as características de cada um deles.

Como manter a atualidade?

Os conflitos apresentados nas obras de Shakespeare são de uma atualidade contundente. As motivações dos personagens, também. Estão presentes nas obras temas universais que aconteceram, acontecem e acontecerão em todas as épocas: amor, ganância, poder, traição, morte, corrupção, injustiça... Shakespeare inédito tem o atrativo de mostrar a possível história shakespereana sem realizar uma adaptação a nossa época na linguagem e no estilo. Pretende levar o espectador a um tempo passado (ou futuro) não definido pela figura do diretor presente em cena criando a trama.

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