Nahima Maciel
postado em 04/09/2018 06:21
Professor do curso de museologia da Universidade de Brasília (UnB), Emerson Dionísio Gomes de Oliveira foi diretor do Museu de Arte Contemporânea de Campinas (SP) e pesquisa museus de arte no Brasil. Para ele, o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro é consequência de um plano de desmonte dos equipamentos culturais do país. Não é culpa de um governo específico, mas da falta de percepção política e social da necessidade de preservação da memória como parte da construção de identidade da sociedade brasileira.
E, mais do que circunscrito apenas à área de patrimônio e cultura, é um símbolo do aprofundamento da desigualdade no país. ;As pessoas, muitas vezes, perguntam qual a importância de um museu diante de tantas mazelas e precariedades. O problema é que as coisas se conectam. Temos um problema enorme de coesão social no Brasil, de desigualdade social, e isso também vem da ideia de que não pertencemos a um lugar-comum;, explica. ;A gente não se vê, necessariamente, conectados a uma história comum, a um espaço público comum, e isso tem a ver com a maneira como tratamos a cultura, as instituições e a memória.;
Segundo Dionísio, a perda de instituições culturais é mais um passo em direção ao aumento do fosso da desigualdade social e da dificuldade de perceber que a cultura também é um componente fundamental nesse processo.
;Você precisa aparelhar, precisa construir um conjunto de instituições que ajudem a construir uma identidade comum, porque sem ela, é a barbárie, sem ela, a gente não se reconhece. O problema é sempre do outro e, assim, todas as questões sociais ficam mais agudas. É um conjunto, os museus não se veem separados da sociedade. O universo da cultura, de modo geral, está sendo pauperizado demais;, diz.
Segurança
Em Brasília, ele aponta, por exemplo, o fechamento do Museu de Arte de Brasília (MAB), cujas atividades foram encerradas em 2007, depois da constatação de que o prédio, localizado próximo à Concha Acústica, não atendia às normas básicas de segurança.
;O caso do MAB é o mais emblemático, porque nos dá a impressão de que é uma política de Estado para desmonte dos aparelhos culturais, independente do governo;, diz Dionísio. ;Nos últimos 12, 13 anos, temos tido um certo despreparo para lidar com essa questão. E me parece sempre que é a necessidade de apagar certos incêndios, no sentido metafórico, e que essas instituições são deixadas de lado. Precisa de uma tragédia para que a gente perceba que está deixando de lado.;
O Estado tem condições de manter museus?
A questão é muito peculiar. Condições, tem sim. Mas a gente tem problema de prioridade. Sempre foi um ponto muito crucial para a discussão da área. Condições temos, há recursos, o problema é qual a prioridade? Somos uma sociedade que não viu nenhum problema em gastar bilhões de reais em reconstrução ou construção de estádios de futebol porque isso faz parte da nossa cultura, independentemente dos problemas que tenham gerado, como a corrupção. A gente tem que pensar é que outros fatores e instituições também fazem parte da nossa cultura e precisam de atenção. Pagamos muito para manutenção de um estádio e temos que começar a cobrar qual a prioridade.
Há um descaso?
Estamos em um momento de eleição e, dos 13 candidatos ao Palácio do Planalto, apenas dois citam museus em seus programas de governo. Isso é um reflexo de quê? Não se pensa nisso nem quando se faz um programa de governo para uma eleição; Isso me surpreendeu também. Antigamente, os programas eram mais detalhados, por mais que fossem utópicos. Perdemos uma instituição de ciência, de conhecimento e que tem a ver com uma história de inovação em várias áreas. Se imaginarmos que os candidatos estão distantes desse processo, é que eles realmente não estão entendendo a complexidade do jogo, do que significa uma instituição de memória dentro de uma economia cultural. Não precisa ser politicamente holístico, basta ver que impacto econômico esse tipo de instituição tem na cadeia do turismo, na indústria do entretenimento, o impacto que tem nas escolas. Não conseguir colocar uma instituição dessas dentro de um programa de governo é muito problemático. É um ponto de descaso mesmo.
Os museus do DF sobrevivem quase que por um esforço pessoal de quem está à frente. Como encarar isso?
O MAB é um escândalo, eu diria que é uma excelente metáfora de como isso funciona. O acervo, que está no Museu da República, felizmente, está bem-acondicionado, mas é um museu que deixou de existir. E isso vale para um conjunto de outros aparelhos culturais do DF que têm sofrido muito. Passam muito tempo fechados. Eles passam por um processo de reestruturação e reformas pontuais, corta-se as fitas, inaugura-se e, no dia seguinte, não tem um tostão, um recurso minguado para a conservação do que foi feito. Isso não é só com os museus e, sim, com parte considerável daquilo com que o Estado lida. O planejamento para as instituições é algo absolutamente precário. E o primeiro lugar onde se corta recursos é o da cultura, mas é onde há mais danos a longo prazo. Esse tipo de corte em educação e cultura gera um dano geracional. Esses dados que a gente está vendo agora sobre educação, por exemplo, vão marcar uma geração inteira que não terá acesso a um conhecimento mínimo como leitura e matemática. Isso é irrecuperável.
A preservação é uma das questões mais graves do Estado desse patrimônio?
A conservação sempre teve problema para conseguir recurso, a gente sempre teve mais recursos para conseguir visibilidade. Se a gente não tiver uma cultura imaterial e material comum, nossa própria ideia de sociedade começa a entrar em questão. Em Brasília, isso é mais grave ainda, é uma cidade inteira transformada em patrimônio. Nos últimos anos, houve abertura de uma dúzia de cursos de museologia em todas as regiões do país, mas isso, infelizmente, ainda não sensibilizou a estrutura de governos municipais, fundações e governos estaduais e federal para uma atenção para esses aparelhos, que ficam parecendo instituições apartadas da sociedade, mas não são.
"Não precisa ser politicamente holístico, basta ver que impacto econômico esse tipo de instituição tem na cadeia do turismo, na indústria do entretenimento, o impacto que tem nas escolas. Não conseguir colocar uma instituição dessas dentro de um programa de governo é muito problemático. É um ponto de descaso mesmo"
Emerson Dionísio, professor da UnB
Criado há 10 anos, o curso de museologia da UnB tem 460 alunos