Diversão e Arte

Exposição recria universo de Caio Fernando Abreu

Mostra no Museu Nacional propõe mergulho na obra do autor

Nahima Maciel
postado em 13/09/2018 07:18

Assim como Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu é um campeão de citações da internet. Frases de impacto e voltadas para a condição humana tiradas, principalmente, das cartas e contos do escritor gaúcho fazem sucesso, mas era para além desses pequenos textos soltos que a curadora Lara Santana queria transportar o leitor ao idealizar Caio Fernando Abreu ; Doces memórias. Em cartaz no Museu Nacional a partir de hoje, a exposição, que esteve em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, funciona como um convite para passar alguns momentos na intimidade com um dos autores mais confessionais e existenciais da literatura brasileira da década de 1980.

Montada com objetos pessoais do autor de Morangos mofados, parte do acervo doado pela família à Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, a exposição traz manuscritos, originais, objetos pessoais como um casaco, um lenço, a máquina de escrever usada para produzir boa parte dos livros e um laptop que ganhou de amigos pouco antes de morrer, em 1994, além de edições raras. ;A exposição tenta remontar um cenário de uma casa, mas o que perpassa tudo é a literatura do Caio;, explica Lara. ;A gente pensou em dar visibilidade e ir além do que está nas redes sociais para que as pessoas possam ir para o texto dele de forma mais profunda.;


A máquina de escrever pertencia a Caio F.

Responsável pela cenografia, Jeff Celophane criou vários ambientes para proporcionar a interação de diferentes linguagens, todas muito importantes na vida de Caio Fernando. A música, frequentemente referenciada em contos e crônicas, está em um cantinho intitulado Para ler ao som de.... Ali, um recorte de 12 canções citadas pelo autor estão disponíveis, assim como os textos.

O visitante pode ouvir os áudios e ler os contos. ;São sugestões que o Caio Fernando dava nos próprios contos para perceber a musicalidade na obra dele;, explica Celophane, que apresentou o projeto de cenografia depois de ler sobre a primeira versão da exposição em Porto Alegre. ;Minha entrada no projeto foi uma coisa de fã. Caio falava de sexualidade, Aids, coisas muito presentes nos anos 1980 e 1990. Ele foi um porto seguro para muita gente e para mim também.;



Paixões

Segundo o cenógrafo, o cantinho da música é um dos mais procurados da exposição, mas há também ambientações importantes como uma reprodução do escritório, a geladeira com bibelôs de aves, objetos colecionados pelo escritor que dialogam com o livro infantil As frangas, e várias referências ao sincretismo e à astrologia, duas áreas caras a Caio Fernando. Há ainda um canto reservado ao cinema, uma das paixões do escritor, no qual é possível assistir a entrevistas. ;Tem música, luz baixa. Tentamos criar um ambiente apropriado para que as pessoas possam parar um tempo e curtir os objetos, os livros, ouvir as músicas;, avisa Celophane. ;São momentos cenográficos tirados de contos e cartas.;

Um dos elementos mais dramáticos da exposição é a reprodução de uma janela, a mesma citada em cartas durante o período em que o autor esteve internado, logo após descobrir ser portador do vírus HIV. Do outro lado da rua, ele conta, estava o cemitério. As cartas, aliás, são parte importante do conteúdo de Doces memórias. Quatro delas foram gravadas pelo ator Marcos Breda e podem ser ouvidas em um telefone de disco.


A geladeira faz referência ao livro infantil

Popularidade
Para a curadora Lara Santana, Caio Fernando Abreu se tornou uma figura cultuada por causa da maneira como abordava temas universais. ;O universo dele é plural, intimista e visceral. Tem uma linguagem que não é hermética e fala das angústias humanas, o que é atemporal. As pessoas se identificam e começam a reproduzir;, acredita.


Um cantinho foi reservado para ler os trechos de livros e ouvir músicas


Caio Fernando Abreu ; Doces Memórias


Visitação até 27 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 18h30, na Galeria Acervo ; Museu Nacional do Conjunto Cultural da República (Setor Cultural Sul, Lote 2)


Algumas das frases famosas de Caio Fernando Abreu


;Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce;


;Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros;


;(...) não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também;


;Caro senhor. Acendeu outro cigarro, desses que você fuma o dobro para evitar a metade do veneno, mas não é no cérebro que acho que tenho o câncer, doutor, é na alma, e isso não aparece em check-up algum;

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