Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Biografia de Sérgio Reis narra a vida do cantor que também é deputado

A história é contada em Sérgio Reis: Uma vida, um talento, biografia de Murilo Carvalho lançada pela editora Tinta Negra



Foi em um baile de debutantes em Tupiciguara, no Triângulo Mineiro, que Sérgio Reis se deu conta de que a carreira dele precisava mudar. Corriam os anos 1970 e o então cantor da Jovem Guarda foi se apresentar na festa. À época, fazia muito sucesso com Coração de papel, baladinha com backing vocal e letra melosa e romântica sobre sofrimento de amor. Depois de se apresentar, enquanto estava no camarim, ouviu outra banda tocar Menino da porteira, de Teddy Vieira e Luís Raimundo. Ao final, o público fez tanto barulho que Reis se impressionou com a empolgação. Voltou para o hotel e, tarde da noite, ligou para o produtor Tony Campello para avisar que queria gravar a música. Campello se assustou com um ;Jovem Guarda; querendo cantar sertanejo.

Reis seguiu em frente com a ideia. Foi assim que adentrou um universo no qual se tornou celebridade. A história é contada em Sérgio Reis: Uma vida, um talento, biografia de Murilo Carvalho lançada pela editora Tinta Negra. Quem conta a história de como Sérgio Reis debandou da Jovem Guarda para o sertanejo é Clayton ;Querido; Barbosa da Silva, com quem formava dupla e viajava Brasil afora.

Alguns dias depois do episódio, em um show em boate de Goiânia, viria a confirmação de que a mudança de lado seria um sucesso. Quando terminou de cantar, um fazendeiro pediu à dupla que tocasse João de barro, de Tonico e Tinoco. Reis, admirador da dupla desde menino, conhecia a música, mas não a letra. Avisou que, se o homem voltasse no dia seguinte, ouviria o pedido. E assim foi. Com uma canção que embalou sua infância, o cantor da Jovem Guarda bandeou de lado e foi fazer o que sabia desde menino.

Neto de imigrantes italianos e portugueses, Sérgio Reis nasceu e cresceu em São Paulo. Como lembra o amigo Eduardo Araújo, entrevistado para a biografia, era garoto da cidade, criado nas festas da Jovem Guarda e com nenhuma ligação com a roça. ;Mas a vida é assim, o destino de cada um vai sendo construído no balanço dos dias;, conta Eduardo. Para ele, Reis se tornou um divisor de águas na música sertaneja e deu uma cara nova ao gênero graças a arranjos sofisticados e introdução de novos instrumentos, como violino e, eventualmente, piano e guitarra.

Reis lembra que foi um caminho natural. O repertório, ele conhecia bem. Ouvia desde pequeno e tocava. Do pai, ganhou uma violinha que tem até hoje, mas, como não sabia afinar como viola, ia como violão mesmo. ;Aprendi a tocar violão na viola;, conta. ;E toquei na violinha como se fosse um violão. Eu conhecia todo o repertório. Não caí de paraquedas. Só que não sabia que a música Menino da porteira era tão forte.; Sair do rock-bobinho da Jovem Guarda para o interior dos causos e da viola, ele garante, não foi difícil. Até porque o movimento de Roberto Carlos e Wanderléa já estava mesmo no fim.

Hoje, quando olha para o gênero e pensa na separação entre a música caipira de raiz e o sertanejo universitário, acha as divergências uma bobagem. ;Hoje, falam de música sertaneja universitária. Isso não existe. Existe universitário que canta. E canta o que a gente cantava na Jovem Guarda. Agora, tem um detalhe importantíssimo. Esse pessoal do interior, eles cantam muito, viu? Tem cantores excepcionais nessa geração. Eles fazem sucesso porque são bons;, garante. ;Se der uma viola na mão deles, eles tocam morrendo de rir. Eles conhecem o repertório todo. Essa divisão é bobagem. Música é música. Eu fiz O filho adotivo, que não é sertanejo, não é nada, e faz sucesso até hoje.;

Discos inéditos

Com 60 anos de carreira, 124 discos lançados, Reis tem mais dois álbuns gravados: um com a mulher, Ângela, e outro solo. No entanto, ele ainda não tem data para lançar os discos. Quer esperar que passem os tempos conturbados. Na política e na vida pessoal. Eleito deputado pelo PRB/SP em 2015, ele não quer seguir na política. Diz que não tem saúde para se candidatar novamente. No último ano, passou por várias internações, fez duas cirurgias, teve um AVC e estava hospitalizado até semana passada. Agora, quer guardar as energias para a música.

Também desistiu da política por frustração. Um dos apoiadores do Hospital do Câncer de Barretos, Reis levanta a bandeira da saúde, na qual garante ter investido R$ 42 milhões de sua verba parlamentar. ;Eu gostei muito de ser deputado. Primeiro porque se adquire cultura. Fica conhecendo os problemas do país e como é dificultoso você administrar um país continental. O que atrapalha muito são esses xiitismos. Um é PMDB, outro é PT, outro PSol, outro não sei o quê. E pensar no povo mesmo, nada. Eles vivem muito mais pelo partido do que pelo que vai acontecer. Isso irrita profundamente porque a conversa sempre é a mesma;, diz.

Simpatizante de Jair Bolsonaro (PSL), ele olha com descrédito para o Brasil contemporâneo. ;Está tumultuado o país. A gente não sabe o que vai acontecer. Está muito triste a gente viver neste país;, lamenta, lembrando que o filho mais novo foi embora para Portugal com a mulher e dois filhos.

Fazer o livro, aliás, também fez o cantor visitar o Velho Mundo. Aos 78 anos, ele reviveu a própria trajetória, mas também a da família. Para falar sobre os avós, ambos imigrantes, foi à Itália e a Portugal visitar as cidades natais da família, coisa que nunca havia feito. ;Eles vieram embora, eram imigrantes, e nunca mais viram a família. Já pensou? Muito triste; Muitas famílias não tiveram mais condição de voltar;, conta.

Parte dessa história será contada no musical Coração sertanejo. Dirigido por Ricardo Fábio e Márcio Macena, o espetáculo terá Leo Chaves, da dupla Victor & Leo, no papel de Reis. ;O pessoal é muito legal, eles querem fazer direito, não querem fazer bobagem. Como meu livro. Meu livro é uma coisa honesta. O que está ali aconteceu na minha vida, graças a Deus;, garante o cantor.

Sérgio Reis: uma vida, um talento
De Murilo Carvalho. Tinta Negra, 256 páginas. R$ 34,90.