Torre das donzelas/ ###
Se, como diz o senso comum das ativistas elencadas no filme da diretora Susanna Lira, que alinha dezenas de mulheres, no passado, atuantes na militância a favor da democracia nacional, o objetivo dos torturadores de um regime "é perpetuar o silêncio", algo da meta dos algozes permanece, mesmo depois de visto o documentário em que elas relatam os horrores dos anos 1970. Métodos de tortura ; exceto, claro, o encarceramento ; e circunstâncias explícitas das violências não estão detalhadas. Em muito ecoa o viés subjetivo e generalista, sem afunilar dados e nomes. Acusações não estão abertamente feitas, até para a isenção ; oportuna e ética ; de não tornar o filme unilateral ou panfletário.
Para abrandar dores, as sobreviventes contam do espaço de convivência que se impôs, por força da união de todas, em rearranjar, ludicamente, um ambiente nefasto. Rechaçando a tarja de "ex-presas" (a fim de terem futuro vindouro), sociólogas, professoras, ecologistas e a ex-presidente Dilma Rousseff, entre outras, entram em quadro para contar da coragem de rearranjar a função (derrotada) do isolamento em ala do Presídio Tiradentes (São Paulo). A alienação foi vencida por leituras, lazeres (nada) comuns e pela força da descoberta dos corpos, além da impressão forte que desembocou na emancipação feminina.
Um paradoxo salta aos olhos, nos relatos. A ex-presidente conta das saudades, ao deixar a cela, a reboque dos vínculos e das ;relações eletivas;, diferentes daquelas herdadas por obrigação de família. Num dos grandes momentos da fita, Rousseff destaca meandros das trapalhadas dos representantes da ditadura em confiscar livros das celas ; num episódio em que a questão agrária (integrada à narrativa de um dos livros) passou despercebida, dada ;a capa verde; de uma das publicações, enquanto escritos da teoria da evolução de Darwin foram confiscados.
O depoimento mais contundente, entretanto, se concentra na figura de Ilda Martins (viúva de Virgílio da Silva). Mãe de quatro filhos, ela conta dos acenos para as crianças distanciadas, em dia de visita, por mais do que uma rua e pelas celas do presídio: incomunicável, ela abanava (em dia de visita) sem que nenhum deles a visualizasse. Nenhuma das ações violentas de militares ou revolucionários é destrinçada. Pesa no longa, o processo de drible do controle no espaço e no tempo e a consolidação da formação política das entrevistadas (além das anedotas em torno do banho de sol e do cardápio da prisão), e desponta ainda a vexa do eterno insucesso do Brasil, se levada em conta a citação a Bertolt Brecht (que aparece no filme): ;Feliz do povo que não tem heróis;. Apáticos, ainda ficamos à mercê dos saudados heróis políticos ; que nunca honram o ponto.
Los silencios/ ####
"Essa mulher, meu Deus! ... Senhor". Com a frase do filme Los silencios, uma personagem celebra o assombro com o vigor e a disposição de uma mãe (protagonista do longa) que carrega no lombo, pesado fardo de pescaria, no sustento pela família. Esforço e dignidade são pilares do longa-metragem assinado por Beatriz Seigner, capaz de suscitar a complexidade política de realizadores engajados (e nada chatos) como o espanhol Fernando León de Aranoa (Segunda-feira ao sol), muitas vezes empenhados na exaltação da capacidade do ser humano.
A implementação de acordo de paz na Colômbia está no pano de fundo da narrativa, e Amparo ; na caracterização de uma estupenda atriz chamada Marleyda Soto ; egressa da violência do seu país (por ironia do destino, desamparada) luta para se estabelecer, numa espécie de purgatório, na tríplice fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil.
A comunhão social, o aguerrido embate que desafia poderios sedentos de gerar especulação imobiliária no local e a força do perdão para situações extremas cercam o rito de passagem ao qual Amparo é submetida ao lado dos filhos Núria (María Paula Tabares), uma menina aquietada, e Fábio (Adolfo Sanvivino), um tipo espoleta.
Rodado às margens do Amazonas, Los silencios traz elementos gráficos destacados como o da maquiagem simbólica e figurinos equilibrados de Ana Maria Ospina; sem contar a marcação silenciosa (feita por fusões) da montagem assinada por Renata Maria. É justamente nas cenas fortes, calibradas por sentimentos maternos, que frames escuros reforçam a ruptura de som, que expressam tão somente sensações plenas de amor e dores.
Reiterando o poder de organização de cooperativas (com sociedade disposta a crescer), o firmamento dado por uma família (a cena da cama é simplória, na grandeza que encerra) e atenta ao valor das tradições, com sensibilidade potente, a diretora Beatriz Seigner consegue emocionar.