Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Filmes da mostra competitiva desta terça têm cunho político e militante

O longa-metragem 'Bloqueio' é um registro do período de uma das épocas mais críticas do país em 2018: a greve dos caminhoneiros



“Não é um filme que dá respostas. É um longa que você chega confuso e sai mais ainda”. Foi essa definição que a jornalista Victória Álvares deu sobre seu novo documentário Bloqueio, no qual divide a direção com o cineasta francês Quentin Delaroche. O filme faz parte da programação desta terça-feira (18/9) do  51° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e concorre na mostra competitiva. 

Bloqueio é um registro do período de uma das épocas mais críticas do país em 2018, a greve dos caminhoneiros. A cinco meses da eleição presidencial, o Brasil estava mergulhado em uma crise política e econômica e os caminhoneiros decidiram fazer uma paralisação em busca de melhores condições de trabalho. 

Em meio às reivindicações desta classe de trabalhadores, a jornalista e documentarista Victória Álvares e o diretor francês, autor de Camocim (2018),  Marie, the cancer tamer (2016) e Nomad’s land (2014), Quentin Delaroche, decidiram ver o movimento de perto. “Quando começou essa greve e vimos tudo aquilo na mídia, pareceu que o país estava afundando. Queríamos ver com nossa própria ótica, não estávamos satisfeitos de como aquilo estava sendo divulgado”, explica Quentin.

Então, no sexto dia da greve, os dois partiram para Seropédica, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, localizada a 50 km da capital, para conversar com os trabalhadores e entender o que era o movimento e quais eram as reivindicações. “O diálogo foi muito difícil, mas depois que eles entenderam que nós só queríamos saber o que estava acontecendo, a gente foi ganhando confiança”. Assim, Victória e Quentin decidiram voltar ao ponto de bloqueio e começaram a filmar. “Passamos três dias registrando tudo e editamos em uma semana”, relembra Victória.



Quentin Delaroche conta que a primeira ideia não era fazer um filme. Os diretores ainda não sabiam o que iam fazer com o material, apenas tinham em mente que aquele acontecimento tinha que ser registrado. “Percebemos que tinham muitas coisas reveladoras no que a gente coletou, e concluímos: ‘ tem um longa aqui’”, revela o cineasta.




Os diretores explicam que Bloqueio é um registro do momento que o país estava vivendo. Além de enxergar essa realidade, o filme também revela certas contradições do movimento. “A gente nunca foi com o intuito de provar o que achava disso tudo, nós fomos lá apenas ouvir o que os trabalhadores estavam gritando”, pontua Victória

Com um cunho político muito forte, o filme trata também de ideologias, de uma forma democrática, em que os diretores ficaram na posição de expectadores do movimento. “A escuta das pessoas que não pensam da mesma forma que a gente foi o mais importante. Eram pessoas que pedem a intervenção militar e outras que estão dando um grito de socorro. A gente ouviu discurso dos dois lados, e identificamos que muitos têm pautas de esquerda, mesmo que eles não soubessem", relembra Victória. 

De acordo com os diretores, a produção foi totalmente independente e contou apenas com ajudas técnicas de amigos e com dinheiro que tinham guardado. “Contamos com a parceria de quem acreditava na gente, porque eles viram que nós vivemos uma experiência e queríamos fazer esse filme. Mas não rolou nada, nenhum patrocínio”, conta Victória. 

Esteticamente, Bloqueio não mostra apenas informações e dados. Numa narrativa de diálogo e de muitos questionamentos, Quentin e Victória optaram por um filme que transmite emoção, dúvida e reflexão. “A gente quer que o expectador se sinta como a gente se sentiu, não colocamos imagens de apoio que nem a mídia tradicional. Também não entrevistamos ninguém formalmente, foi uma exposição dos fatos e conversas com aqueles trabalhadores”, conclui Quentin. 

A força da militância

Para completar o cunho político da noite de hoje, o curta Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados, de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito, aborda a militância do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) na questão de moradia digna e urbanização de Belo Horizonte (MG). O nome do filme, que participa da mostra competitiva, é inspirado no poema do palestino Najwan Darwish, Contos sobre resistência.

Para Pedro Maia de Brito, um dos diretores, o material ser exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é importante para a visibilidade que o filme vai passar a ter, além de propor um debate dentro do cinema acerca de outras maneiras de fazer uma produção de militância. “Também vai ser legal o filme ter um espaço para debate e aumentar o potencial de voz do movimento”, afirma Pedro.