Ricardo Daehn
postado em 20/09/2018 06:46
A conjuntura da participação no Festival de Brasília para a cineasta Gabriela Amaral Almeida, que é baiana mas, há anos, está radicada em São Paulo, não poderia ser mais especial. Com duas participações anteriores no evento ; pelos curtas A mão que afaga e Estátua, que acumularam seis troféus Candango, fora dois prêmios entregues pelo corpo de críticos do festival ;, Gabriela chega à capital competindo no evento com o longa-metragem A sombra do pai, numa edição do festival que lança tônica sobre obras assinadas por diretoras.
Além disso, o longa valoriza justamente uma relação dificultosa entre um pai e a pequena filha dele. Dada a filmografia de Gabriela ; que assinou o recente e violento longa de estreia O animal cordial ; a expectativa com o novo filme é a de mais quebra de estigma e de modelos feministas.
A cineasta se diz habilitada para rupturas. ;Espero que sim. Não é algo que eu busque, conscientemente. Na hora de escrever ou filmar, não digo: ;Nossa! Vou quebrar com este estigma;. Na verdade, me sinto apta a falar das coisas da maneira como elas vêm. Independentemente de ser mulher ou não. Se contribui para desfazer o modelo do que a mulher pode ou não fazer ; que bom! Fico contente;, observa a realizadora. A sombra do pai vem embalada pelo selo de estreia mundial em Brasília. ;Pela agenda, como o filme estava em finalização, optei pelo festival que prezo e respeito muito. O longa foi inscrito em festivais nacionais e internacionais. O primeiro evento a responder foi Brasília ; o que é uma honra. Espero que tenha bastante adesão do público e pretendo que promova reflexões e emoções;, comenta.
A sombra do pai, como adianta a diretora, é um drama como toques de horror. Ela reforça que, na trama, há um pai e uma filha isolados, em meio à infância abandonada. ;Há incerteza e inversão de papel ; é uma menina, como muitas de classe média baixa, que é afastada da presença materna, e da paterna, por conta do trabalho. É uma realidade nossa. Basicamente, são impulsionadas para se criarem sozinhas. A menina sente a dificuldade de estar constantemente só, com o pai, Jorge, absorvido pelo trabalho;, resume.
O filme, com orçamento de R$ 2,4 milhões, teve por coprodutores parceiros de curtas anteriores de Gabriela Almeida. No longa, atuam intérpretes como Júlio Machado (Joaquim), Luciana Paes (frequente colaboradora da cineasta) e a jovem Nina Medeiros (atriz de As boas maneiras) que, passados ensaios, enfrentaram 31 dias de filmagens. Feito em São Paulo, o longa teve por locações um canteiro de casa em construção (o protagonista é pedreiro), uma casa de periferia, tráfego nas ruas e ambientação em escola e numa festa junina.
Muitos dos elogios recaem na satisfação com a pequena atriz Nina Medeiros. ;É muito bom dirigir criança, mas a verdade é que qualquer uma tem outro tempo, o nível de produtividade é diferente do que o de um adulto;, diz Gabriela. ;A personagem da Nina, Dalva, tenta trazer a mãe dos mortos, por ela ser falecida. Ela precisa de ajuda na melhora da relação paterna. O pai está metade do tempo consumido pelo trabalho e, na outra metade, não sabe como agir com a menina ; uma pequena mulher que ele tem dentro de casa. Ele não sabe como amar, não sabe como cuidar;, pontua.
A sombra do pai levou Gabriela, ao longo do processo de estudos preliminares e preparações, para dentro do Sundance Institute (EUA), onde afinou orientações de diretores como Robert Redford e Quentin Tarantino, em laboratório estendido por dez dias. ;Tarantino foi um dos assessores do laboratório e esteve presente. Ele falava muito da importância de se expandir a cena, mesmo que fosse como exercício. Falava nela ser provada, no papel, para seu desenvolvimento, antes de se chegar ao set. Isso é bem precioso;, comenta.
Afinidade horrorosa
A personagem Dalva vive uma rotina triste ; ;não é uma comédia, não é uma relação fácil, mas trago algo de alívio;, adianta Gabriela Almeida. Fã de filmes de terror, a personagem não deixa de trazer algo da diretora, também roteirista do longa, que tem formação em literatura, além de ostentar o título de mestre em cinema de horror. Numa conversa, as referências de livros trazem a diretora de volta para dados sobre produção artística (no âmbito de gêneros).
Entre os interesses literários da diretora saltam as preferências por Stephen King, Flannery O;Connor, Clarice Lispector, Alice Munro, Harold Pinter e Shakespeare. ;Os cineastas e escritores que mais me interessam operam na chave do gênero narrativo. Contam histórias. Há personagens, dramas humanos, tensão dramática caminhando para um clímax. Nas criações, valorizo o interesse pelo ser humano e por suas contradições, independentemente de referências específicas;, conclui.
Mostra Competitiva
Cine Brasília (EQS 106/107). Às 21h, com os curtas Plano controle (ficção, 16min, MG, 12 anos), de Juliana Antunes e Guaxuma (animação, 14min, PE, 14 anos), de Nara Normande; e, na sequência, o longa A sombra do pai (ficção, 90 min, SP, 16 anos), de Gabriela Amaral Almeida. Ingressos, R$ 12.
Curtas da noite
Plano controle
; A limitação de dados da operadora de teletransportes da protagonista Marcela inviabiliza o plano que ela tem de conhecer mais do mundo.
Guaxuma
; A praia homônima ao curta, localizada em Maceió, desperta infindas memórias de uma amizade sedimentada na areia.
Que alegria! Que luta!
;Tá certo, tá certo! O festival ainda está na metade, mas o grande momento desta festa do cinema foi a mostra de filmes de curta-metragem das escolas públicas do DF. Fiquei emocionado! Sério! Assistir à performance de pequenos atores como Axel Adriel, aluno do CEM Paulo Freire (Asa Norte) no curta Ciclo, faz acreditar, sim, que somos capazes de nos impor diante de uma realidade tão adversa. Parabéns às turmas dos filmes Violência muda (CEM Setor Leste), Estamos preparados para votar? (CEM 01 do Paranoá) e Mulher: em teu silêncio, o grito de tantas (CEF 04 de Planaltina). Evoé, pequenos cineastas!