Robson G. Rodrigues*
postado em 24/09/2018 06:23
Cada vez mais as mulheres se impõem na música e contestam normas sociais. Nem sempre foi assim. Rita Lee é uma das poucas exceções. Promovia reflexões sobre emancipação sexual de mulheres e ousava compor rock and roll, estilo dominado pelos homens.
O rock sempre foi visto como terreno mais fértil para transgressão. ;Pessoas como Rita Lee abriram espaço para uma Cássia (Eller), que, por sua vez abriu para uma Pitty, digamos. Agora, iniciou-se um processo de quebra de paradigmas. Uma série de artistas mulheres foram surgindo, quebrando expectativas;, avalia Hugo Ribeiro, pesquisador do Departamento de Música da Universidade de Brasília.
O fenômeno não é observado apenas no rock, pois as mulheres foram abrindo espaço em outros ritmos. Ainda em 1961, Elza Soares deu cor à Bossa Nova, de expoentes majoritariamente brancos, com o álbum A bossa negra. Hoje, a música dela dialoga diretamente com feminismo e negritude. ;Minha música é para empoderar a mulher, o negro, o homossexual. Meu trabalho é para essas pessoas porque o caminho é muito mais difícil para elas;, diz a cantora, em entrevista ao Correio.
O pesquisador cita fatos recentes, que, ainda que soam pequenos e revelam a transformação de uma sociedade: da exposição da ;celulite; de Anitta no clipe de Vai malandra e do sertanejo feminino de Marília Mendonça e Maiara & Maraisa ; com mulheres que fogem a um padrão estético ; ao feminismo da favela de MC Carol. Engrossam o coro transgressor nomes como As Bahias e a Cozinha Mineira, Aíla Magalhães, Adriah, Far From Alaska, My Magical Glowing Lens, Sammliz, Verónica Decide Morrer.
Atitude
;Falta muita estrada, mas vemos a mulherada ocupando espaços;, observa a cantora e compositora Aíla Magalhães. A paraense mistura diversos ritmos no trabalho e não abre mão da sonoridade pesada. Para a cantora, rock ;é muito mais uma atitude do que só um estilo de som. Eu gosto muito de ser rock, de bater cabeça e de falar de coisas urgentes, do agora;. O último trabalho dela, Em cada verso um contra-ataque, tem referências do ;punk inspirado em As Mercenárias e na música eletrônica;.
Apesar de considerar que as mulheres estão se afirmando mais na música, Aíla ainda enxerga grande disparidade na representação de gênero. ;As mulheres sempre são minorias entre headliners em festivais. Mulheres lésbicas, como eu, são minoria menor ainda;, queixa-se.
A performática banda Verónica Decide Morrer, com Verónica Valentino e Jonaz Sampaio nos vocais, não foge à militância em cima do palco. ;Eu, como travesti inquieta, achei no rock o meu grito, a minha forma mais franca de reparar aquilo que me foi tomado;, relata Verónica. Para ela, os astros roqueiros sempre buscaram na estética tida como feminina elementos para subversão, a exemplo das roupas, acessórios e maquiagens. ;E isso é negado pelo patriarcado;, contesta.
Uma banda punk dos anos 1980 composta apenas por mulheres leva agressividade aos palcos e sonoridade pesada. Poderia ser a norte-americana The Runaways, mas se trata da tupiniquim As Mercenárias, que completa 36 anos. Da formação original, preserva apenas a idealizadora e baixista Sandra Coutinho.
Pouco adepta ao discurso de empoderamento feminino ; ela considera que ;tudo isso é balela; ;, Sandra afirma não distinguir gênero no que ouve. ;Ser mulher no meio de homens não importava. Para a gente, importava se expressar;. Apesar de não se importar, Sandra notava que uma banda formada por mulheres chamava a atenção por ser exceção.
;Existem hoje vários tipos de manifestações que em outras épocas não tinham. Era muito claro quem estava no poder, diferentemente de hoje;, afirma Sandra, que é influenciada por Nina Hagen, Patty Smith e pela banda liderada por uma mulher Siouxsie and the Banshees.
Mulheres instrumentistas
A vocalista de Os Mutantes conta em Rita Lee ; uma autobiografia ter sido expulsa da banda por não dominar nenhum instrumento. ;Você não tem calibre como instrumentista;, teria ouvido dos irmãos Arnaldo Baptista e Sergio Dias. A história, envolta em muita controvérsia, reflete o estigma de que mulher não sabe tocar instrumento.
A Rainha do Rock marcou diretamente a música de My Magical Glowing Lens, banda capixaba idealizada por Gabriela Deptulski, responsável pela sonoridade da guitarra, baixo, bateria, voz e sintetizador reproduzida nos palcos.
;O machismo foi estímulo para a criação da banda. Eu não era aceita entre músicos e, por isso, resolvi eu mesma construir meu repertório;, conta a moça, que recruta meninas como instrumentistas sempre que possível, sem deixar de prezar pela qualidade sonora.
Ela considera que, além da falta de incentivo, a objetificação de mulheres é uma das razões que explicam o número baixo de instrumentistas femininas. ;Os homens se interessam pelo nosso corpo. Não pelo instrumento que empunhamos;, argumenta.
A roqueira brasiliense Adriah, vocalista e guitarrista da banda homônima, também enfrentou barreiras com instrumento:;Quando me viam com a guitarra, logo deduziram que eu não sabia tocar;. Porém, ela aprendeu violão com a mãe aos 6 anos e, aos 16, o instrumento elétrico.
;É a realidade de toda menina que toca instrumento. Você sempre tem que estar mostrando serviço. Você se sente observada, como se você fosse um estranho no ninho;, diz a guitarrista.
Ela avalia positivamente o crescimento da participação feminina, apesar da lentidão do processo. ;A mulher está sendo pauta e as discussões estão sendo colocadas na mesa sem pudor;, comemora.
Emmily Barreto, vocalista de Far From Alaska concorda com Adriah. ;O rock, com certeza, ainda é um gênero dominado por homens, mas isso vem mudando, finalmente. Hoje podemos encontrar com mais facilidade bandas com vocalistas mulheres e também instrumentistas;, diz Emmily.
A banda, donas dos hits Dino vs. dino e Cobra, surgiu no Pará em 2012 e não demorou a conquistar a crítica musical brasileira, além de participar de festivais por todo o país.
* Estagiário sob a supervisão de Vinicius Nader