Diversão e Arte

Diretores do Festival de Brasília adiantam seus próximos projetos

Onze cineastas informaram quais os planos e projetos em curso

Ricardo Daehn
postado em 25/09/2018 07:34
Candangos dispostos na mesa

Desfeito o suspense com a premiação dos cineastas do 51; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, outro pequeno mistério junto aos realizadores que participaram da festa começou a ser desvelado: onde estarão e que passos profissionais tomarão os integrantes que participaram da festa dos troféus Candango? Ao Correio, onze dos diretores dos longas concorrentes adiantaram planos e projetos em curso. Buscas de identidade, aspectos de sexualidade e possivelmente um longa em animação são alguns temas para futuros longas.

O mineiro André Novais Oliveira, de Temporada (o melhor filme), seguirá de olho na periferia e em aspectos de representatividade, fundamentais na empresa Filmes de Plástico, do qual é sócio. "Tenho projetos em andamento, como produtor, diretor e roteirista de curtas e longas que pleiteiam prêmios em editais. De mais imediato, responderei pelo longa E os meus olhos ficam sorrindo, sobre uma senhora da periferia que começa a correr atrás dos sonhos. Ela vê que é possível correr atrás do que sempre desejou, desde criança;, explica. Novais conta que é um dos roteiristas dentro do Núcleo Criativo comandado por Anna Muylaert (Que horas ela volta?), no qual multiplicam projetos, alguns voltados para a representação da negritude e de artistas negros. "Como roteirista contratado da RT Features (coprodutora do longa Me chame pelo seu nome) estarei na adaptação do livro Sol na cabeça (de Geovani Martins), já no primeiro tratamento de roteiro que, possivelmente, terá direção de Karim A;nouz (Praia do Futuro).

Vencedora de prêmios, com o terror A sombra do pai, a diretora Gabriela Amaral Almeida desenvolve projeto de longa a ser filmado no ano de 2019. "Chama-se A cadeira escondida, e é um filme sobre exorcismo. Deverá ficar pronto em 2020, e só posso dizer isso: ;Trata de alguém possuído, e que tem que ser exorcizado;", simplifica.

O diretor Kiko Goifman (consagrado pelo documentário Bixa Travesty, ao lado da codiretora Cláudia Priscilla) adianta, em primeira mão, a feitura do longa A legião dos detetives. "Vou retomar o tema caro a um filme anterior, o longa 33: nele, procuro minha mãe biológica, com auxílio de detetives. Quero falar agora de detetives que atuam numa área de ilegalidade. Pretendo fazer tudo na primeira pessoa: quero montar um escritório, aprender com eles, numa espécie de cursinho".

Junto com a realização de uma coprodução entre Brasil e Finlândia, que terá como atores Jean-Claude Bernardet e Pedro Goifman (filho de Kiko), Goifman estrutura, ao lado da mulher, Cláudia Priscilla, uma nova série para o Canal Brasil. Nasceu do Bixa Travesty a necessidade de fazer uma série que expanda o papo com Linn da Quebrada e Jup do Bairro. Já o filme, na Finlândia, mostra um neto que vai buscar o avô, em caverna dos mortos, no exterior", explica. "Com o documentário Putíssima Trindade, em curso, abordarei com Mayra Moira, Monique Prada e Indianara Siqueira, que são trabalhadoras sexuais, tanto temas como trans, corpo e sexualidade quanto demais temas espinhosos", completa Cláudia Priscilla.

Susanna Lira (de Torre das donzelas) atuará em frente que, novamente, trará a ditadura militar como pano de fundo. "Meu pai é equatoriano, e tentarei achar algo sobre num documentário. Não tenho foto, não sei o nome dele; nada. Enfim, é sobre o fato da falta de dados e ainda sobre a busca de paternidade. Filmarei no primeiro trimestre de 2019, e o financiamento está garantido", explica a diretora que conquistou Prêmio Especial do Júri, no Festival de Brasília.

André Novais Oliveira buscará projetos que integrem negritude e periferia

Gabriela Amaral Almeida terá mais um terror à vista, em 2020

A premiada diretora Beatriz Seigner aposta na ponte Brasil e África

A dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa, de 'Ilha': parceria seguirá a todo vapor

Victória Álvares e Quentin Delaroche: depois do documentário 'Bloqueio', uma avalanche de projetos

Prata da casa

Destaque na Mostra Brasília, com o longa New Life S.A., o diretor André Carvalheira conta que já está atopetado de compromissos. Como diretor de fotografia, vai encarar projetos como Oeste outra vez (a ser feito em Cavalcante, no "sertão goiano"). "Será o novo filme de Erico Rassi, com quem fiz Comeback: Um matador nunca se aposenta, e terei ainda um filme que será dirigido pelos irmãos Fernando e Adriano Guimarães. É um projeto que sai do teatro, pela adaptação de Livro sobre nada (de Manuel de Barros). Como diretor, terei uma obra com o roteirista Aurélio Aragão. Traz tipo uma mistura de A peste (Albert Camus), com pessoas ficando doentes, e Ensaio sobre a cegueira; mas sem nada excepcional. É um tom oriental, sem assim ser um evento extraordinário", adianta.

Considerada a melhor diretora do 51; Festival de Brasília, Beatriz Seigner novamente investirá em intermediar correntes culturais, como feito no longa Los silencios. "Trata de mediadores de conflitos e contadores de histórias do Oeste da África. O filme se chama Entre nós, o segredo. Fui duas vezes à África, com sete anos de diferença entre os períodos. Tive seis semanas de filmagens, ao lado de um amigo que fará a iniciação no grupo étnico mandê. Me aproximei de costumes do Mali, Gâmbia, Senegal, Guiné e Burquina Faso", explica.

Também de florestas e ambientes naturais virá o novo projeto de Cris Azzi (diretor de Luna). "Vou dar uma guinada na trajetória, com um filme para meu filho. Vamos usar histórias contadas para ele, antes de dormir. Talvez resulte numa animação. Teremos muitos bichos e cenas na floresta", adianta. Mais próxima, será a estreia da série Sou amor, também de Azzi. Tevês públicas exibirão o material de 13 episódios, a partir de novembro. "É sobre irmãos do interior que vêm para Belo Horizonte, tratando de preconceito e descoberta de sexualidade", resume.

Na espera pelo andamento das escolhas dos editais do Fundo Setorial (da Ancine), a dupla ganhadora de troféu Candango Ary Rosa e Glenda Nicácio seguirá na exploração das vertentes de estudos e pesquisas da empresa Rosza Filmes, produtora sediada na Bahia. "É um núcleo que congrega muitos técnicos da equipe de Café com canela. Desenvolvemos projetos de séries e demais projetos pessoais. Gosto mesmo é de realizar, e só depois contar, mas temos um terceiro longa em estudos", diz Glenda Nicácio.

Outra dupla participante do evento em Brasília foi Quentin Delaroche e Victória Álvares (codiretores de Bloqueio). Quentin diz que se concentra na montagem sobre um documentário em torno da figura de Indianara Siqueira, ativista militante do Rio de Janeiro. Noutro projeto, Quintal (de Felipe Fernandes), Victória será continuísta e Quentin, montador. Incipiente projeto sobre bandas marciais e fanfarras interioranas, em Pernambuco juntará a dupla, em obra a ser criada em 2019.


Crítica // Bixa Travesty

Longa 'Bixa Travesty'
Posturas radicais
Inclusivo desde a realização, o documentário Bixa Travesty mais do que fazer conhecer, enaltece a figura da cantora Linn da Quebrada (indissociável da contestadora parceira Jup do Bairro). Munida de uma força interior invejável, Linn, a cada fotograma, assume um turbilhão de posturas radicais. Em termos de construção de persona, se alinha, no mínimo, a Olho Nu, filme detido nos feitos de Ney Matogrosso. "Travestilidade" (como diz Linn) é um dos conceitos destrinçados no filme que explora muito de feminilidade ; sob a ressalva de que não há regra de "todos os homens serem machos", pelo que enfatiza a artista. O ruir do império masculino e a afirmação de sua identidade estão no alvo das músicas que cria (agigantadas, na apropriação feita pelo cinema). Na torrente de transformações sociais, os "termos" da identidade sexual estão "em obras" e o "transtorno", gerado por isso, caberá somente aos machistas.

Na música Serei A, a autora conclama, por exemplo, pares orgulhosos a persistirem na ação de "travecar", enquanto a autoestima a leva ao encontro de homens dispostos a "enviadescer" (título de outra de suas músicas). No cinema, dotado de sagacidade e ternura extrema dos diretores Cláudia Priscilla e Kiko Goifman, há um exorcismo de toda a sorte de preconceitos. Os realizadores até vasculham indícios de solidão e subserviência de Linn, mas, no percurso da radiografia cinematográfica, esbarram num ser disposto, prioritariamente, a brilhar, incrementada por luxúria, pela esperteza forjada na periferia e por vaidades (um ponto alto é o da maquiagem, feita no espelho de uma viatura de polícia).

"É um dever meu ser feliz" e "Sou minha fã", vocifera Linn da Quebrada, tendo por estandarte o uso do corpo como arma e a construção de redes sociais que afirmem a força do pertencimento e do poder da feminilidade. "Tem as pessoas que me desejam, e as que ainda não me conhecem", brinca a artista, num trecho de Bixa Travesty.

Mas nem tudo é humorado no filme que irradia uma estética reluzente. Linn tem lá seus tropeços (no combate a células cancerígenas) e seus titubeares (em existências anteriores, quase disfarçadas, na pele de Lino e Lara). O conhecimento do corpo, ações efetivas de "terrorismo de gênero" e afeto real (especialmente da mãe), como registrado no longa, tiram Linn dos redutos, e a fortalecem para liquidar a opressão, e a perseguir uma nova era, de igualdade entre os seres, que finalmente atinja equilíbrio. (RD)

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