Irlam Rocha Lima
postado em 30/09/2018 07:01
O empoderamento feminino pode ser verificado em diversos setores da sociedade. No segmento artístico, essa forma de se posicionar é observada de uma maneira ainda mais evidente. Na música, por exemplo, cantoras, compositoras, instrumentistas e grupos têm defendido a bandeira da ocupação pelas mulheres de espaços que, até então, eram monopólio dos homens.
Em Brasília, chamam a atenção projetos desenvolvidos na área musical por dois coletivos de mulheres, que exibem competência e criatividade como intérpretes de samba, choro, jazz e outros estilos. Um, o Mulheres de Samba, foi criado em 2016 e, por seis vezes, já foi levado ao público, com ótima aceitação. O outro, a banda Abre Alas, estreou no último fim de semana, com duas apresentações no Espaço Cultural do Choro e recebeu acolhida calorosa da plateia.
;A abertura do samba para a participação das mulheres continua difícil. O machismo é ainda muito vivo dentro desse gêneto musical. Mesmo sendo protagonistas da história dessa manifestação popular, cantoras e compositoras são constantemente colocadas como personalidade secundária;, afirma a atriz e produtora artística Rebeca Dourado, uma das coordenadoras do Mulheres de Samba.
Criado em 2016, o coletivo conta atualmente com 40 mulheres sambistas. ;A ideia surgiu na celebração do Dia Internacional da Mulher em Brasília. Verificamos que as rodas de samba eram majoritariamente masculinas; e que a mulher ocupava o espaço de diva, ou de mera participante. Isso nos incomodou bastante;, lembra Rebeca, que tem a companhia de Clara Nogueira e Elizabeth Maia na coordenadoria do projeto.
Integrado por cantoras, compositoras e instrumentistas que desenvolvem trabalhos solo ou fazem parte de grupos, o Mulheres de Samba já fez seis apresentações ; a maioria delas no Outro Calaf, que tem servido de palco para o coletivo. A roda mais recente foi no Teatro dos Bancários, pelo projeto Cultura e Cidadania.
Presença constante na cena do samba na capital, a cantora Clara Nogueira conta que a referência para o Mulheres de Samba são as Tias Baianas, ;que, no início do século 20, na luta para serem reconhecidas, abriram as cozinhas e os terreiros das casas de santo e ali tocaram, entoaram e dançaram, para, assim, o samba nascer;.
Segundo Clara, um dos objetivos do coletivo ; aberto a todas as musicistas ;, é fortalecer o vínculo das mulheres com o samba, por meio dos encontros dos quais são protagonistas. ;Mas buscamos também, a realização da troca de conhecimentos e saberes, dentro da cena musical brasiliense e fora dos limites do Distrito Federal. ;Como o samba é um lugar do povo, agora, mais do que nunca, temos que, unidas, lutar contra toda forma de preconceito;, afirma a cantora.
No dia 24 de novembro, o Mulheres de Samba participa de um movimento denominado Encontro Nacional de Roda de Samba de Mulheres, organizado pela cantora e compositora carioca Dorina. ;Ao mesmo tempo, haverá rodas de samba em várias capitais, entre elas Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Curitiba, e, claro, aqui em Brasília. A nossa roda de samba será no Outro Calaf;, anuncia Clara.
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Chiquinha Gonzaga
Dois shows, quinta-feira e sexta-feira últimas, no Espaço Cultural do Choro marcaram a estreia do projeto Abre Alas, que tem como protagonistas 11 instrumentistas. São mulheres de diversos segmentos da comunidade musical brasiliense ; Departamento de Música da UnB, Escola de Música, bandas militares e circuito de bares e restaurantes da capital.
Quem arregimentou o grupo foi o pianista Renato Vasconcellos. Ele explica a origem do projeto: ;Desde que comecei a lecionar no Departamento de Música da UnB, em 2004, observei que a presença feminina era minoritária nos meus cursos de harmonia e improvisação e nas práticas de conjunto. Passei, então, a incentivar as meninas, tentando reverter a dominância masculina nesse setor de performance artística;.
Renato acrescenta: ;Inicialmente foi criado o grupo As Walkírias, formado por oito instrumentistas mulheres, pois sempre sonhei com um cenário musical em que mulheres e homens fossem parceiros e pudessem construir juntos um mundo complementar, como a própria essência de feminino e do masculino;. Portanto, o surgimento da Banda Abre Alas não foi aleatório.
O nome dado ao projeto foi uma homenagem à Chiquinha Gonzaga, primeira mulher brasileira instrumentista, compositora, arranjadorae pioneira na luta pelos direitos autorais. Abre alas é o título da marcha-rancho de grande sucesso, composta pela musicista luso-brasileira, em 1989, que veio a se tornar símbolo do carnaval carioca.
Bossa nova, jazz, frevo, funk, carimbó e a boa e velha MPB estão presentes no universo musical da Banda Abre Alas, que tem em sua formação Thanise Silva (flautas), Diana Motas (flautas e sax), Gabriela Tunes (flauta), Marina Vanéli (sax alto e barítono), Isadora Pina (trombone), Marlene Souza Lima (guitarra e violão), Iara Gomes (piano e teclados), Paula Zimbres (baixo acústico e elétrico) e Tatá Batera (bateria). Além de instrumentistas, Thanise, Diana, Iara, Paula e Marlene são também compositoras e arranjadoras.
Há, ainda, entre elas, as que são líderes de grupos instrumentais: Gabriela Tunes e o Choro de Resistência, Iara Gomes e Dois Cantos, Paula Zimbres e Grupo, Izadora, Raísa e Liiliane Trio Curinga, Thanise Silva, A Bela e os Barbudos. Além de instrumentistas, Thanise, Diana, Iara, Paula e Marlene são também compositoras e arranjadoras.
;Tradicionalmente, há um reconhecimento do trabalho das mulheres cantoras. Em relação às instrumentistas, isso se verifica numa escala menor. Mas estamos em busca de um espaço maior para que o nosso trabalho venha ser mais valorizado;, comenta Thanise. ;Projetos como o Abre Alas são boas iniciativas dentro desse contexto, para que tenhamos ascendência maior;, comenta.