Ronayre Nunes, Ricardo Daehn
postado em 04/10/2018 06:30
;O filme que fiz procura, sobretudo, lançar uma reflexão sobre o mundo dos nossos dias, sobre esse sentimento de estar à beira do colapso. É como se estivéssemos em um trem em direção ao abismo e ninguém soubesse parar, e isso é superangustiante. A fábrica do nada aborda esse sentimento de impotência, e principalmente aponta dicas de como buscar alternativas de lidar com isso;, comenta o diretor português Pedro Pinho, em entrevista ao Correio. Ganhador do prêmio Fipresci (votado pelo corpo de críticos), na última edição do Festival de Cannes, o filme ; previsto para quinta-feira, em Brasília ; impressionou o júri, dado o ;evocativo ativismo que ultrapassa os limites entre realidade, ficção, cinema e sociologia;.
Rodado em 2017, com trechos de diálogos em francês, o longa aborda a história de um grupo de trabalhadores de uma fábrica que é surpreendido pelo desmonte da empresa em busca de um custo de produção reduzido. Ameaçados pelo desemprego, os trabalhadores promovem uma rápida organização para tentar impedir o fechamento do local, empreendendo uma espécie de autogestão.
Cercada de questionamentos morais, a película, acertadamente, mistura reflexões sobre como uma crise econômica que extrapola uma simples manchete de jornal e pode alterar a vida de milhares de pessoas. ;Essa forma de viver no mundo pode ser difícil, especialmente quando falamos de viver em conjunto, é um desafio que temos de trabalhar sempre. Ver como eles conseguiram pode ser um começo. Parece que todas as bases de trabalho que nos foram ensinadas estão ruindo, e a gente tem de aprender a encontrar outras formas de se manter: a questão é mais profunda do que uma crise;, aponta Pinho.
Embates brasileiros
Quatro anos de enfrentamento nas ruas, com saldo do desperdício de muito gás lacrimogêneo, bate-boca acalorado entre polícia e manifestantes e até pessoas feridas, pelo resto da vida, caso do fotógrafo Sérgio Silva, que ficou cego, em São Paulo, ao registrar uma mobilização contra o aumento de passagens de ônibus. Em meio a tantas agressões, o filme Marcha cega, exibido na cidade, faz incursão num debate que contrapõe argumentos de manifestantes e a busca de mais equilíbrio entre livres manifestações e suas recorrentes repressões.
;Acredito que a desmilitarização seja um caminho. Mas importante mesmo é o debate, é o Estado escutar a sociedade e os policiais. A sociedade precisa participar desta construção. Não dá para continuar com uma segurança pública perversa que só gera violência;, observa Gabriel di Giacomo, diretor de Marcha cega.
Há desgaste na estrutura ;militar verticalizada, oriunda da ditadura militar;, na visão do diretor que aponta a ineficiência do ;enfrentamento;. ;Brutalidade policial e a criminalidade não vêm diminuindo, num modelo que não funciona. Tanto é que as pesquisas indicam que mais de 70% dos policiais são a favor de um novo modelo;, comenta.
A montagem do filme, pelo também músico Cauê Bravim, acatou um ritmo sonoro na edição, com pausas para estruturação do som. O diretor Gabriel di Giacomo atenta, depois de muita pesquisa, para a escalada de violência do Estado contra o cidadão, nas ruas. ;Recuperamos ainda como a grande mídia cobriu cada evento. Notamos que houve superficialidade, em que noticiários raramente ouviam os envolvidos;, avalia o cineasta. Dignidade e Direitos Humanos são levantados no debate proposto pelo filme. ;Acredito que existam diversos motivos para que uma manifestação seja reprimida de forma violenta. Até mesmo pelas ordens vindas de instância superior. Notamos que efetivos inteiros agem de forma conjunta e, para isso, uma ordem é necessária. Esse é um dos males do uso político das forças policiais, algo que criminaliza movimentos que são contrários aos interesses do governo;, conclui.
Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco