Leonardo Meireles
postado em 13/10/2018 06:50
Roger Waters é sempre muito bem-inteirado sobre a política no mundo. Polêmico, ele costuma dar pitaco em tudo. É um ativista em favor dos palestinos, capaz de comprar brigas com Israel e com artistas que vão àquele país para fazer apresentações. Como não podia deixar de ser, deixou sua marca nos shows de São Paulo, terça e quarta-feira, os primeiros em território brasileiro. No Allianz Parque, ficou entre vaias e aplausos ao colocar no telão uma lista com fascistas de todo o planeta com o nome do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro e a hashtag EleNão. No segundo dia, ainda deu outra alfinetada ao se dizer vítima de censura. Pode ter certeza: hoje, no estádio Mané Garrincha, o britânico vai colocar aquele sorriso irônico no rosto e aprontar mais alguma. Ainda mais na capital do país. É o jeito polêmico de ser do ex-líder do Pink Floyd, que sempre deu o tom à carreira, às declarações e à vida dele.
Primeiro, vamos ao show. Luzes, lasers, telões em alta definição, som de primeira qualidade. As apresentações de Waters são espetáculos que deixam os fãs hipnotizados, e com a turnê Us %2b Them não tem sido diferente. Em todos os países visitados até agora, em mais de 130 eventos desde o ano passado, os elogios são frequentes. Em Barcelona, na última apresentação da perna europeia do giro pelo mundo do artista, o jornal The independent deu quatro estrelas para a superprodução, com destaque para as ;animações psicodélicas; que pulsam das telas. E tudo estará em Brasília.
Em todas as apresentações, como súditos bem-educados de um dos reis do rock progressivo, o público presta atenção nos discursos políticos feitos pelo britânico e canta com ele os sucessos passados e aqueles do atual disco, Is this the life we really want?, lançado no ano passado. Roger Waters deixa avisado que 75% das músicas vêm do Pink Floyd, enquanto 25% são do trabalho mais novo. Os set lists confirmam. Assim, os brasilienses podem esperar canções como Breathe, Time, Welcome to the machine, Wish you were here, Another brick in the wall, Dogs, Pigs, Money, Us and Them, Comfortably numb e Mother.
No fim do ano passado, enquanto passava as férias em Trancoso (BA), Roger Waters deu um pulo em São Paulo para promover os shows que faria no Brasil em 2018. Em entrevista ao Correio, o astro mostrou um pouco da personalidade crítica, das opiniões ferozes e de alguém que chegou aos 75 anos e já não tem muita paciência para aceitar qualquer coisa do mundo. Por exemplo, música. Ao ser perguntado sobre o que ouve quando está descansando, ele nem titubeia. ;Eu nunca ouço música quando estou de férias. E se alguém liga o som perto de mim, eu peço, gentilmente: ;Você pode desligar?;. E eu acho que colocar música em lugares públicos é poluição. Tem muita gente que não pensa assim, então...;, dispara.
Sempre conceitual
Não é que ele seja ranzinza por tudo, entendam. Astros são assim. Waters, porém, gosta de ser ouvido, adora que os outros prestem atenção no que ele fala. Reclama quando o questionam se o próximo álbum pode não ser conceitual ; algo presente desde os tempos de Pink Floyd ;, mas faz questão de explicar o motivo de nem pensar em fazer algo diferente. ;Eu vou tentar não dar uma de ;espertinho;. Mas é como você perguntar para o Van Gogh: ;Por que você pinta desse jeito? Por que suas flores são tão amarelas?;. Por que Thomas Mann escreve assim? Porque ele é Thomas Mann e escreve romances! Ele está engajado em pensar sobre a condição humana. Eu faço isso, porque me interessa. Eu tenho liberdade para trabalhar;, declama, sem dar tempo para o interlocutor se explicar.
Mas é bom ouvi-lo falar, com tanto tempo na estrada, sobre a paixão que mexe com ele. ;Meu trabalho é interessante para mim, porque estimula meu coração, minha mente. Isso diz respeito a mim, a histórias que eu vivi;, aponta. ;Eu nunca pensei em escrever canções pop de três minutos, eu não me interesso por música pop. Quer dizer, de tempos em tempos, há algumas músicas pop que eu gosto. Não sou imune a isso. Eu gosto de Everybody hurts (do REM);, exemplifica. ;Não vou aceitar fazer parcerias assim, com músicos pop. Não, eu nem quero nem ouvir sobre isso. Na minha idade, eu quase não tenho tempo para minhas coisas (risos);, termina o discurso, com um sorriso contagiante no rosto.
Política na veia
As brigas com os ex-companheiros de Pink Floyd são conhecidas. As discussões com outros artistas, como Thom Yorke, vocalista do Radiohead ; por causa de uma apresentação do grupo em Israel, criticada por Waters pela política contra os palestinos ;, também. O britânico, porém, leva uma boa polêmica também para o palco. Durante a turnê Us Them, o alvo escolhido por ele foi a figura do político. Todos, em geral, e Donald Trump, especificamente ; há até uma música, no último álbum, em homenagem a ele. Na entrevista dada ao Correio no fim do ano passado, ele criticou os governantes que não contribuem para a construção de um mundo melhor. ;É por isso que as pessoas querem sair por aí e se embebedar. Querem esquecer disso, e não ficar nem aí para a política, ficar nem aí para os direitos humanos.;
Quando o nome do presidente norte-americano aparece é acompanhado por diversos xingamentos, assim como ele faz nos shows. Aliás, nas apresentações realizadas nos Estados Unidos, um vídeo com imagens de Trump aparecia durante a música Pigs. À época da coletiva, foi perguntado se faria isso com o presidente brasileiro, Michel Temer. ;Eu acho que não, não sei, talvez eu faça isso. O que vocês acham?;, brincou. Com a polêmica do show de São Paulo, colocando Bolsonaro na lista de fascistas do mundo, pode ser que o alvo mude. É bem possível que isso aconteça. Assim é Roger Waters. Muitos artistas podem esconder o posicionamento político. Ele, não.
Roger Waters
Estádio Nacional Mané Garrincha (Eixo Monumental). Hoje, abertura de portões às 17h. Início do show, às 21h30. Classificação indicativa: De 10 a 15 anos permitida a entrada acompanhado de responsável. A partir dos 16 anos é permitida a entrada desacompanhada.