Rebeca Borges*
postado em 03/11/2018 07:00
O mês de novembro começou e, com a data, as comemorações em homenagem ao Dia da Consciência Negra também têm início. Oficialmente, a data é celebrada em 20 de novembro, marco estabelido pela Lei 12.519, sancionada em 2011. A escolha do dia não foi à toa: é a data em que Zumbi dos Palmares ; um dos maiores líderes negros do Brasil ; morreu, em 1695.
Apesar de ser um dia marcado no calendário exclusivamente para a celebração e memória dos povos negros do país, o Dia da Consciência Negra alcançou proporções maiores ao longo dos anos. Manoel Neres, coordenador da Coordenação de Questões Negras e do Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília (UnB), explica: ;Nós já falamos desse mês como Novembro negro e não somente do dia 20. É um avanço;.
Para ele, dedicar um mês inteiro às questões do movimento afro no Brasil é importante para certificar que as demandas dessa população continuem em pauta: ;Essa data é um símbolo forte, no sentido de fazer proposições, de criar políticas e garantir conquistas;, ressalta Manoel.
Ele também conta que dedicar espaço para essa comemoração em um país como o Brasil é de extrema importância. Para o coordenador, ;nós aprendemos, em um contexto histórico, um tipo de situação em que as pessoas são colocadas em graus de cores: o negro, o moreno, o mulato, o mais branco, o mais negro, o mais escuro etc.;. O não reconhecimento de indivíduos como pessoas negras é, segundo o professor, um processo deslegitimador da personalidade e da negritude das pessoas.
Por isso, nada mais relevante que utilizar a data para reafirmar a identidade, as lutas e conquistas dos povos afrodescendentes no país. ;Nós não permitimos recuo de forma alguma em nenhuma matéria de direito étnico racial. Esse novembro negro é simbólico e tem que ser um sinal no qual vamos manter a chama da liberdade acesa, além de fazer uma sociedade civilizada, democrática, garantindo que nossos valores sejam preservados;, afirma Manoel.
Artivismo
A arte é um instrumento muitas vezes utilizado para propagar mensagens e propor ações de conscientização. No Dia da Consciência Negra não seria diferente: em comemoração ao marco, Brasília recebe diversas atividades culturais de segmentos variados.
Manoel ressalta que o Centro de Convivência Negra da UnB dedicou o mês inteiro às comemorações: ;Nós estamos com atividades literalmente desde o dia 1; e elas vão até o fim de novembro;. Além de rodas de conversa e seminários, o Novembro Negro na universidade conta com feiras de artesanato, exposições de artes visuais, competição de vogue (modalidade de dança), exposição de fotografia e apresentações musicais com o grupo Obará.
As festividades não param por aí: de 26 a 30 de novembro, o Teatro Dulcina recebe a II mostra competitiva Adélia Sampaio. O evento premia produções audiovisuais de mulheres negras de todo o país. Edileuza Penha, coordenadora da iniciativa, explica: ;A ideia era a gente fazer um encontro de cineastas e produtoras negras. É a primeira mostra competitiva de cinema negro do Brasil;. Além disso, o evento homenageia a diretora brasileira Adélia Sampaio. ;Ela foi a primeira mulher a dirigir um longa-metragem no Brasil e a primeira cineasta negra do país;, conta Edileuza.
Dos 88 filmes inscritos na mostra, 20 títulos foram selecionados. ;A gente tem filmes de todas as regiões do Brasil. Foi muito difícil selecionar apenas 20 porque a grande maioria apresenta uma excelente produção técnica;, ressalta a coordenadora do projeto.
Edileuza conta que as produções escolhidas abordam temáticas diversas, que trazem todas as linguagens. Entre os selecionados, estão longas, curtas e médias-metragens.
Entretanto, ela explica que existem algumas características em comum dentro das produções realizadas por mulheres afrodescendentes. ;Eu tenho dito que o cinema negro feminino é ancorado dentro de três pilares: a identidade, a memória e o afeto. Eu acho que alguns filmes, mesmo quando falam de algo violento, como o racismo ; e a gente tem vários filmes que abordam essa temática ; são muito dentro de uma perspectiva de ultrapassar esse trauma;.
Com nove categorias existentes, a mostra premiará os vencedores com um troféu (confeccionado por meio de verba arrecadada em financiamento coletivo). No Distrito Federal, duas cineastas concorrem ao prêmio: Bruna Barros, com a ficção Amor de Orí, e Jamila Terra, com o documentário Bayo ; Palavra tecendo alegria.
Atividades variadas
Outra ação que agita o mês de novembro da capital federal é a sétima edição do evento Semana de reflexões sobre negritude, gênero e raça, o SerNegra, no Instituto Federal de Brasília (IFB) da Asa Norte. A proposta do projeto, que vai de 18 a 21 de novembro, é levantar debates e reflexões sobre o feminismo negro e as situações sob as quais vivem as mulheres afrodescendentes no Brasil.
Com oficinas, debates, palestras, exibição de filmes, espetáculos e apresentações musicais, o SerNegra busca conscientizar o público sobre todas as questões voltadas às mulheres negras do país. Este ano, as atrações musicais da iniciativa serão a cantora Martinha do Coco e a Orquestra dos Berimbaus.
Além disso, a artista Nãnan Matos encerra a programação com show no Teatro Plínio Marcos, na Funarte. No repertório, a brasiliense traz o show Canta África, em que homenageia a arte africana e afro-brasileira, além de celebrar os 100 anos do líder sul-africano Nelson Mandela.
;É uma compilação de toda a minha pesquisa pelo universo da música tradicional africana, e das artes afro contemporâneas e afrobrasileiras. É uma fusão das escolas que eu pesquiso há 10 anos. Canto em quatro ou cinco línguas diferentes;, explica. Além disso, no show, Nãnan utiliza de elementos como a dança e a fala para disseminar mensagens de sabedoria deixadas por Nelson Mandela.
;;A arte transforma;. Essa é uma das frases ditas pelo Fela Kuti, um grande músico que levou o afrobeat para o mundo. Ele sempre falava que a arte é a nossa arma;, pontua Nãnan. Para ela, a cultura tem potencial de acessar as pessoas de forma ;mais leve, mais mágica;, além de permitir que esses indivíduos experimentem novas visões de mundo.
Por isso, utilizar a arte para levantar debates neste mês é essencial. Além disso, Nãnan afirma que, atualmente, só é possível fazer da cultura uma ferramenta de debate porque diversas pessoas do movimento negro lutaram para isso no passado. ;É uma consequência de uma luta, de uma batalha que foi traçada, conquistada por todo um movimento político lá atrás, na história do negro no mundo e no Brasil;, afirma.
*Estagiária sob supervisão de Vinicius Nader
Novembro Negro do Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília
Até 29 de novembro, na Universidade de Brasília (Asa Norte). Oficinas, seminários, rodas de conversa, apresentações musicais sobre a temática negra. Confira a programação completa na página do Centro de Convivência Negra no Facebook. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
VII SerNegra
De 18 a 21 de novembro, no Instituto Federal de Brasília (610 Norte). Rodas de conversa, seminários, espetáculos teatrais, mostra de cinema e apresentações musicais. Verifique a programação completa
e o valor dos ingressos de cada atividade no site www.sernegraifb.org. Classificação indicativa livre.
Canta África
21 de novembro, no Teatro Plínio Marcos (Funarte), às 19h30. Encerramento do evento SerNegra com show da cantora brasiliense Nãnan Matos. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
II Mostra competitiva Adélia Sampaio
De 26 a 30 de novembro, no Teatro Dulcina (SDS, Bl. C). Exibição e premiação de curtas, médias e longas-metragens. Verifique a programação completa e a classificação indicativa de cada filme na página Encontro de cineastas negras, no Facebook. Entrada franca.