Ricardo Daehn
postado em 06/11/2018 07:34
Não se trata de coincidência: nos próximos dias e meses, os cinéfilos terão pela frente cinebiografias que, de um modo ou de outro, partilharam de momentos marcantes no palco do programa de auditório comandado por José Abelardo Barbosa, mais conhecido como Chacrinha. É o aspecto pop justamente o que une o cinema e aqueles que cercaram o animador de uma sociedade, à época, tolhida por efeitos da ditadura. Agente de ânimo para a plateia, Abelardo, por sinal, tem parte da carreira contemplada em Chacrinha ; O Velho Guerreiro, filme de Andrucha Waddington, que chega aos cinemas na próxima quinta-feira.
;Procuramos um recorte realista para chegar ao material do filme: pela dramaturgia, buscamos passar pelos bastidores de aspectos profissionais, e contar quem era Abelardo fora dos palcos. Todos conhecem o palhaço, mas poucos sabem do homem por trás deste personagem. Tudo em cena serve à história;, comenta o diretor Andrucha Waddington. Para o filme, ele contou com o talento de Stepan Nercessian e Eduardo Sterblitch, ambos na pele do Velhos Guerreiro, um pernambucano, ex-estudante de medicina, veio a se afirmar, na realidade, como locutor de rádio.
;O desafio era enorme ; com o filme, tínhamos que fazer uma viagem no tempo e falar de um personagem que é conhecido por um público que, hoje, tem 40, 45 anos. Mas, igualmente, tínhamos que apresentar para um público que tem abaixo de 40 anos e não conheceu o Chacrinha. São pessoas que até podem até ter ouvido falar mas não entendem a dimensão do fenômeno Chacrinha e da proporção que ele tinha na cultura nacional;, ressalta Waddington, que, em dois momentos teve o cinema servindo a personalidades musicais como Maria Bethânia (Pedrinha de Aruanda) e Gilberto Gil (Viva São João!).
Dentro de três semanas, um dos habitués no palco do Cassino do Chacrinha também ocupará as telas. Com o longa Minha fama de mau (dirigido por Lui Farias), o Tremendão Erasmo Carlos terá seu talento retratado nos cinemas pelo ator Chay Suede. Centrado nos desdobramentos da eterna paixão dos brasileiros por figuras indissociáveis à Jovem Guarda, entre as quais Roberto Carlos (Gabriel Leone), Carlos Imperial (Bruno de Luca) e Wanderléa (Malu Rodrigues), Minha fama de mau promete demonstrar o apego de Erasmo, ainda tateando as primeiras notas com o violão, a ícones que nunca deixou de celebrar: Chuck Berry e Elvis Presley.
Cumplicidade
Já em cartaz na cidade, My name is now, Elza Soares, documentário criado por Elizabete Martins Campos, mostra outra realidade da diva Elza Soares, outrora uma figura emblemática nas animadas tardes de sábado do Cassino do Chacrinha. ;O filme é visceral, orgânico e experimental como a própria voz da Elza Soares. Destaco como traços dela presentes na obra, a força criativa, vontade de vencer e capacidade de dar a volta por cima;, observa a realizadora.
Para chegar ao resultado do documentário, houve anos de pesquisas e filmagens. ;O longa foi criado com uma proximidade muito grande da equipe com a Elza Soares, numa relação de cumplicidade, cuidado e respeito entre todos. O modo colaborativo de realização, afastou surpresas negativas. Acho que a Elza tem um compromisso com a arte e seu empenho foi focado para melhorar o projeto. Ela é uma profissional completa que leva muito a sério compromissos;, aponta a diretora, ao falar das maiores qualidades da cantora.
Outros exemplos da tendência de o cinema se debruçar sobre realidades de personagens reais consagrados estão em Legalize já ; Amizade nunca morre e 10 segundos para vencer, ambos em cartaz na capital. O primeiro, cocriação de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé (o mesmo de O Doutrinador), engata o enredo de amizade entre Marcelo D2 e Skunk, à época em que eram jovens batalhadores do cenário musical anterior ao fenômeno Planet Hemp. Noutra seara, no ramo das lutas de boxe, 10 segundos para vencer explica as origens da persistência que levou Éder Jofre ao bicampeonato mundial. No elenco do filme de José Alvarenga estão Daniel de Oliveira e Osmar Prado.
Muitos retratos reais
Marcia Haydée ; Uma vida pela dança
Aos 81 anos, uma das maiores referências brasileiras no balé ; que dançou com Nureyev e Baryshnikov e teve como coreógrafo Maurice Béjart ;, Haydée ganha documentário assinado por Daniela Kallamann. Tendo se mudado para Londres, aos 16 anos, para aperfeiçoamento nas artes, atualmente, a bailarina dirige o Ballet de Santiago (Chile). Entre os feitos destacados, as passagens pelos teatros Opera (Paris), Metropolitan Opera House (Nova York) e Colon (Buenos Aires).
Carvana
Com seis décadas dedicadas ao cinema e participações em filmes relevantes como Os fuzis, A falecida e Os cafajestes, o ator Hugo Carvana (morto há quatro anos) serve como narrador para o documentário assinado por Lulu Corrêa, assistente de direção de fitas conduzidas por Carvana, enquanto diretor, entre as quais Apolônio Brasil ; O campeão da alegria e A casa da mãe Joana 2. A personalidade forte transparece em material de arquivo criado por diretores como Glauber Rocha e Luiz de Barros.
A cabeça de Gumercindo Saraiva
Honra e crenças inflexíveis constroem os eixos do filme de Tabajara Ruas (corroteirista do filme O tempo e o vento) que aposta em política, história e vertente humanista. O ator Leonardo Machado (morto no mês passado) interpreta no filme o rebelde capitão Francisco Saraiva, cujo pai (Gumercindo) ; representante maragato ; teve a cabeça cortada por legalistas, em fins do século 19.
Moacir ; O santista que conquistou os argentinos
Há mais de 30 anos, Moacir dos Santos seguiu para a Argentina com intuito de se tornar famoso cantor. O que conseguiu? Temporada em hospital psiquiátrico, além da atenção do diretor Tomás Lipgot, que concebeu uma trilogia sobre o artista que, neste filme, atua como corroteirista. O filme foi exibido em festivais de prestígio de Bolívia, Argentina e Colômbia.
Tudo é irrelevante
Exibido no festival de cinema É Tudo Verdade, o longa teve direção de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan. Morto em setembro, o sociólogo e advogado, além de cientista político, Helio Jaguaribe (pai de Izabel) está no foco, por ter sido um intelectual que difundiu princípios democráticos, décadas a fio. Na modernização do Brasil, foi ativo debatedor, fosse em artigos de jornal fosse na sala de aula de universidades. No longa, personalidades como Fernando Henrique Cardoso, Fernanda Montenegro, Zuenir Ventura e Maria da Conceição Tavares dão depoimentos.
Três perguntas // Tabajara Ruas, esritor e cineasta
Qual o limite para criar um filme que entretenha, sem ser didático, mas que siga informativo como A cabeça de Gumercindo Saraiva?
Acho que não existe um limite racional para marcar essas fronteiras. São nebulosas e traiçoeiras. O melhor é seguir a tradição mais antiga dos criadores: confiar na intuição.
Que dificuldades enfrentou ao ;ressuscitar; Francisco Saraiva, importante figura da Revolução federalista?
Francisco Saraiva realmente existiu. É o filho mais velho de Gumercindo. Entretanto, todos os personagens do filme tem caráter mitológico, isto é, vêm das lendas e narrativas que a imaginação coletiva urdiu através dos tempos. Se ele teve méritos ou não, não me cabe julgar, estou muito longe do tempo dele e sabemos muito bem que cada um conta a história conforme lhe aprouver.
Nos tempos atuais, que efeito tem projetar feitos heroicos, mas relacionados à luta corporal efetiva?
;Luta corporal efetiva; é signo fundamental dos filmes de ação, e é de se perguntar que efeito tem os milhares de filmes de ação que passam em todas as plataformas de exibição, diariamente, nas salas da família, em bares, restaurantes, escolas, cinemas, clubes, etc. Além do mais, não é um fenômeno novo. A luta corporal nasceu com o cinema, é parte íntima e indissociável de sua linguagem e dramaturgia.