Nahima Maciel
postado em 07/11/2018 06:05
Cândido de Faria pode ser pouco conhecido no Brasil, mas é um dos nomes responsáveis por dar formas à estética dos cartazes de filmes no início do cinema, na França. Nascido em Sergipe e formado pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, o artista imigrou para a França em 1882 e lá ficou até a sua morte, em 1911. Foi uma surpresa para a pesquisadora Germana Gonçalves de Araújo, professora da Universidade Federal de Sergipe, descobrir a intensa produtividade e a qualidade da obra de Cândido de Faria, que ela traz, como curadora, para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) na exposição Um brasileiro em Paris.
No total, a curadora reuniu 18 reproduções de cartazes ilustrados pelo artista para a produtora de cinema Pathé, para a qual ele trabalhou a partir de 1902. Organizada de maneira cronológica, a exposição propõe um trajeto linear idealizado, também, como forma de contar a história do próprio cinema. As imagens criadas por Faria têm relação direta com o modo como era pensado o enquadramento da cena cinematográfica nos primeiros anos do cinema. Uma parte desse material faz parte de Cândido de Faria: um ilustrador sergipano das artes aplicadas, livro bilíngue organizado por Germana e lançado em março pela Fundação Jérôme Seydoux-Pathé.
Germana tomou conhecimento do trabalho de Faria por acaso. Convidada para fazer parte da Academia de Letras de Sergipe em 2014, a pesquisadora foi atrás de um patrono que, como ela, estivesse ligado às artes visuais. Um amigo falou do ilustrador e caricaturista que ficou conhecido na França como autor de cartazes de cinema. No Brasil, costumava publicar suas caricaturas em jornais cariocas, como o hebdomadário carioca A pacotilha, com o qual colaborou em 1866.
Também chegou a publicar na Argentina mas, como o cenário brasileiro era ocupado por ilustradores estrangeiros, Faria tratou de prospectar em novos horizontes e acabou por desembarcar em Paris. ;É certo que ele, na trajetória de sua vida, busca atuar em cenários possivelmente distintos, sob as perspectivas cultural e econômica, e, desta forma, é motivado a trabalhar no Rio de Janeiro, mas também nas metrópoles de Porto Alegre, Buenos Aires e Paris. Cândido de Faria tenta exercer sua atividade de ilustrador em lugares de grande efervescência artística e cultural, acreditando que seu trabalho pode ganhar mais amplitude e reconhecimento;, conta Germana.
Faria chega a Paris em 1882. Carregava um rico portfólio, o que possibilitou que produzisse intensamente peças publicitárias para casas de espetáculos e produtos da indústria. A partir de 1902, ele passa a criar para a Pathé em um regime quase exclusivo. Chegava a entregar nove mil cartazes de 1,20X1,60m a cada três meses. ;Os cartazes eram produzidos por litografia (impressão planográfica por matriz de pedra calcária). Um processo meticuloso e bem mais demorado do que os meios de reprodutibilidade gráfica que conhecemos hoje;, conta Germana.
Segundo Stephanie Salmon, diretora do acervo da Fundação Jérôme Seydoux-Pathé, instituição na qual está guardada boa parte da produção de Faria, os cartazes para anunciar os filmes naquele final de século 19 eram pequenos e se referiam, principalmente, a filmes de 16 minutos. Colorização, corte narrativo, muitos figurinos e figurantes eram comuns nessas produções e refletiam na estética dos cartazes produzidos por Faria. ;Acostumado a retratar tipos sociais da realidade cotidiana para jornais e revistas ilustradas, ele se inspira em uma fotografia da cena que foi, certamente, confiada a ele, pois é bem possível que ele não tenha visto o filme antes de sua comercialização;, revela Germana.
A curadora lembra que a própria formação acadêmica do artista acabava por levá-lo para os lados do realismo. Para chamar a atenção do público, Faria também investia em elementos da cultura popular. O final do século 19 e início do 20 é muito marcado pela modernidade na arte. As vanguardas europeias faziam florescer novos movimentos e novas maneiras de fazer arte após a descoberta da fotografia e do próprio cinema. Foi, também, um tempo de insegurança para os artistas por causa da grande quantidade de opções técnicas e estéticas disponíveis. Além disso, um nascente mercado consumidor de arte ajudava a ditar as regras. ;Nesse período efervescente, a obra de arte já é um objeto de consumo em várias camadas sociais;, lembra Germana. ;Observa-se, contudo, que o estilo da ilustração adotada por Cândido de Faria apresenta principalmente características da personalidade dele como artista, aspectos que faz parte da historiografia da imprensa ilustrada no Brasil.;
Mesmo exposto aos movimentos artísticos do momento, tais como o art nouveau, é delicado, segundo a curadora, dizer que Faria era ligado ao modernismo, corrente que influenciou boa parte dos artistas da época. ;Mas, sem dúvida, Cândido de Faria contribuiu para a cultura visual de Paris por intermédio da profissionalização do cartaz publicitário;, diz Germana.
Cândido de Faria ; Um Brasileiro em Paris
Cartazes de filmes de Cândido de Faria. Visitação até 30 de setembro, de quarta a segunda, das 9h às 21h, na Galeria II do CCBB (Setor de Clubes Sul, Trecho 2, Lote 22).