Ricardo Daehn
postado em 17/11/2018 07:40
A vida da diretora de cinema Zita Erffa se assemelha à viagem repleta de escalas: nascida na Tailândia, ela viveu na Indonésia, na Colômbia, no Paquistão, em cidades alemãs, na Índia e na Espanha. Nesta semana, a cineasta agregou mais um destino, integrando o 6; Biff (Festival Internacional de Cinema de Brasília), em Brasília. O evento rendeu, além da apresentação do documentário O melhor que você pode fazer com sua vida (na mostra competitiva), efeito positivo, como espectadora do último filme de Spike Lee, no Cine Brasília, apresentado pelo evento. ;Nunca vi pessoas reagindo de forma tão incisiva quanto as que estavam na pré-estreia. Fiquei impressionada. Aplaudiram e interagiram de forma inesperada. Foi o filme certo, na hora exata. Achei bem emocionante;, diz Zita, aos 32 anos.
Equilibrar emoção e razão nortearam o trabalho dela em O melhor que você pode fazer com sua vida, que trata do estabelecimento do irmão dela numa reclusa ordem religiosa. Pelo rosto jovial, no processo do filme, em tom de brincadeira, ela conta que teve privilégios. ;Não te levam tão a sério, então deixam você mais livre. Os entrevistados ficam mais à vontade, pela falta de medo com a qual se relacionam com você. No meu longa, acharam que fazia um filme de propaganda;, revela.
A ordem dos Legionários de Deus (nos EUA) passou pelo escrutínio de Zita, ela bem distante dos votos de obediência e de dogmas. ;Aprender tão somente pela repetição, pelo uso da memória, não revela ensinamento. Na Alemanha, onde estudei, aprendemos a discutir e a fazemos perguntas;, resume. O tema central de O melhor que você pode fazer com sua vida não toca tão somente aspectos da formação religiosa. ;Acho que falo de abandono, de rutura familiar e da decisão de me reconectar com meu irmão, apesar de termos visões de mundo muito distintas;, observa.
Estudando documentário no México, Zita elegeu o tema, atenta à compreensão, mas não segreda que ;não gostei da ordem;. O tema da pedofilia está na tela. ;Não queria, de cara, expor a maldade presente no fundador da instituição Marcial Maciel (morto há 10 anos). De cara, os espectadores iam ficar tentados a descobrir qual era o predador. Queria dar uma pista de que algo estava errado na instituição. O assunto é demasiado forte para ser assimilado;, comenta.
Outra visão
Temas como a vivência da homossexualidade e a ;falta de lógica; em desígnios associados à Igreja serviram ;como porta de acesso para recobrar a intimidade junto a meu irmão;. A posição desfavorecida dos Legionários fez a diretora avançar no enredo. ;Antes, os Legionários eram muito restritivos. Uma vez assumida a culpabilidade do líder, acho que queriam expor uma realidade que viesse a abrandar a visão da opinião pública. Havia a inevitável associação: Maciel está para os Legionários, bem como Maciel está para comportamentos abusivos;, explica.
Nove dias de filmagens, dois anos de edição, e o filme estava pronto. O processo ;reintegrou; a família de Zita, junto a László (o irmão), que é filho de diplomatas. Resguardá-lo foi uma das metas, mas, ainda assim, outros legionários, como Francisco, ajudam a calibrar polêmica, explicando do ramo familiar ligado à Opus Dei, ainda recoberta de segredos. ;Ele acredita no ponto de vista de que Deus entregou poder e dinheiro para que os ricos difundissem a Sua palavra;, pontua. Quanto ao interesse pelo filme, Zita é assertiva: ;Pessoas gostam de religião, caos e sexo. Ficam interessadas nos filmes de carga pessoal. Querem adentrar a vivência dos outros, de modo que só o cinema possibilita;, enfatiza.
6; Biff
Neste sábado (17/11), às 20h, cerimônia de encerramento, no Cine Brasília (EQS 106/107), com exibição do clássico Os implacáveis (de Sam Peckinpah) e apresentação da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Convites (já distribuídos) valem até 20h15; depois, acesso mediante poltronas disponíveis. Estendido até amanhã, o evento segue com programação de 15 sessões, nos cinemas Cultura (Liberty Mall), Cine Brasília e Sesc (Ceilândia).