Nahima Maciel
postado em 22/11/2018 06:30
Pode não parecer, mas um show com apenas banquinho e violão é mais difícil do que uma apresentação em palco com equipamentos multimídia, projeções e uma banda eletrônica. No primeiro, a liberdade é maior, assim como a possibilidade de não seguir um roteiro. E aí se encerra uma pequena dificuldade, mas nada que Lucas Santtana não encare feliz. Esse tipo de show, inclusive, é o que ele mais gosta. Munido apenas de voz e violão, o cantor e compositor se apresenta no próximo sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), como parte da programação do Festival Brasília Patrimônio Vivo. ;É uma tradição da música brasileira onde o mais valorizado é a canção;, explica Santtana. ;Tudo que se fala, cada palavra, cada frase tem uma força porque você tá sozinho ali, é só uma voz e violão. Na verdade, é um show mais difícil de fazer, porque só tem você, não tem banda, não tem outras pessoas, nada multimídia, então tem essa coisa naif, você tem que estar muito concentrado.;
Para a apresentação em Brasília, Santtana preparou uma set list de 40 músicas pescadas em seus sete álbuns, inclusive o mais recente, Modo avião, e no repertório de outros artistas. Nem todas serão tocadas e é essa a mágica e a dinâmica do show. ;Como estou sozinho, não preciso me prender a um roteiro, gosto de sentir o momento, as pessoas, e vou olhando para o chão e escolhendo as músicas. Uma coisa legal é que esse show nunca é igual;, conta.
Entre as canções escolhidas estão Partículas de amor, Amor em Jacumã, Lycra-limão e Modo avião. A primeira trata de amor, um tema caro e sempre pungente nas composições de Santtana. ;Minhas músicas têm muito a questão existencial, obviamente, e a dos relacionamentos amorosos. O amor é uma coisa importante na minha vida, tem um lugar grande. Sou libriano com ascendente em Libra, então tenho essa coisa de Vênus: o amor, pra mim, é uma coisa muito avassaladora;, conta. Tão presente quanto o amor são as questões sociais e do cotidiano contemporâneo.
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Tecnologia
O disco Modo avião, por exemplo, versa sobre a presença opressora da tecnologia na vida humana, algo que incomoda bastante o compositor. ;Essas máquinas trouxeram um outro tempo para o planeta, para as relações humanas, amorosas. A gente está vivendo o tempo da máquina, que não é um tempo humano, é um tempo binário, muito rápido, com um acúmulo de coisas fúteis;, repara.
Temas sociais e políticos também aparecem em discos como Sobre noites e dias, que tem o Funk dos bromânticos, uma homenagem ao amor livre, e O deus que devasta mas também cura, no qual está Vamos andar pela cidade. Em 3 sessions in a greenhouse, ele vem com Tijolo a tijolo, dinheiro a dinheiro, um pequeno aviso sobre as consequências da desigualdade social. Ciência é outro assunto que mobiliza Santtana. A formação da espuma nas ondas, o asfalto que absorve o carbono e outras curiosidades estão nos versos das canções.
Sobre a tecnologia, presente do início ao fim de Modo avião como um conselho do compositor para o ouvinte se desligar um pouco, Santtana é categórico: é uma desumanidade. ;Tenho refletido muito sobre isso que filósofos e ensaístas têm chamado de nevoeiro. Que, na verdade, a gente está vivendo esse mundo do nevoeiro, das fake news, da perda da verdade, da relativização da verdade. A verdade é a minha verdade, a sua verdade;, diz o compositor. Essas reflexões têm contaminado os últimos trabalhos e encontrado eco nas canções.
Santtana está em todas as redes sociais e gosta mais do Twitter, mas, assustado com revelações sobre coleta de dados por parte de empresas de marketing e utilização desse material para manipular os processos democráticos ocidentais, ele estuda sair do Facebook. Há oito anos, depois de uma separação, decidiu eliminar a televisão. Hoje, quando se depara com o jornal televisivo, leva sustos. Acha tudo absurdo e surreal, quase uma ficção científica.
Depois de lançar Modo avião, projeto cujo conceito extrapolou a música para adentrar os universos da literatura e do audiovisual, agora ele prepara uma trilha sonora de um filme, outra para o documentário Origins, da Netflix, e um novo álbum. Sobre esse, ele garante que já tem as músicas, mas ainda não sabe que roupagem vai dar a elas.
PONTO A PONTO
Processo de criação
"Minha maneira de composição é bem randômica. Às vezes a música vem com a letra meio junta, às vezes só vem a música e faço a letra, às vezes vem de um filme, uma frase, um livro e alguma com uma ideia que me desperta uma inspiração. É bem livre. E meus discos são muito diferentes uns dos outros, são muito díspares, têm essa questão com a sonoridade. Os discos refletem também um pouco isso: interesso-me por todo tipo de música, desde adolescente, nunca fiquei só em um estilo. Na minha forma de compor e nos discos tem essa variedade, essa liberdade, porque sempre ouvi música com esse ouvido mais liberto, sem me prender a um estilo só."
Artistas e política
"Os artistas se posicionam pouco, mas acho que, de um tempo para cá, principalmente nos últimos anos, com impeachment, golpe e Bolsonaro, isso forçou as pessoas não só a pensar mais sobre política, mas a entender que política é uma coisa feita todo dia. Nessa eleição, por conta de termos eleito um governo ultraliberal que, até agora, ninguém sabe exatamente o que vai ser e que tem um discurso de ameaça a movimentos e a questões identitárias, acho que todo mundo entendeu que, além de se acompanhar a política, todo mundo vai ter que fazer política no dia a dia."
Chamamento
"Acho que houve um chamamento para as pessoas saírem um pouco da sua bolha, principalmente a classe média, e meter a mão na massa. Quem tem um discurso progressista e não meter a mão na massa vai ficar só no discurso das redes sociais. Você realmente tem que ser um transformador da sua realidade. Não adianta ficar criticando e reclamando."
Serviço
Show de Lucas Santtana
Sábado, às 19h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), como parte do Festival Brasília Patrimônio Vivo. Entrada franca