Carlos Helí de Almeida - Especial para o Correio
postado em 22/11/2018 06:30
Mais antigo evento cinematográfico do mundo árabe, o Festival do Cairo chega aos 40 anos totalmente reformulado e disposto a reconquistar o prestígio de outrora. Após uma década conturbada, marcada por evasão de público e divisas, consequência direta do clima político na região, a mostra egípcia inaugura um novo e revigorado ciclo.
O festival foi iniciado ontem, com a exibição de The green book, de Peter Farrely, um dos títulos mais cotados para o Oscar deste ano, e receberá nomes ilustres. O cineasta dinamarquês Bille August é o presidente do júri da competição principal e tem como companheiros o diretor argentino Juan Veras, o filipino Billante Mendoza e a atriz francesa Natacha Régnier, entre outros. O ator britânico Ralph Fiennes receberá um prêmio honorário e exibirá o drama de época The white crow.
Entre as novidades da edição estão a criação de sessões de gala e projeções de filmes à meia-noite, ampliação e aperfeiçoamento técnico do circuito de salas do festival. A programação de filmes, até então focada em mostras competitivas, recebe o reforço de novas seções paralelas, que abrigarão títulos como Roma, do mexicano Alfonson Cuarón, Manta Ray, do filipino Phuttiphong Aroonpheng, e Mormaço, da brasileira Marina Meliande.
Há também uma mostra especial dedicada ao trabalho de mulheres árabes, que exibirá longas-metragens de nove cineastas da área. Outro ponto importante é a criação de espaços de mercado, o Cairo Industry Days e o Cairo Film Connection, que funcionará como plataforma de encontros e de negócios no Oriente Médio.
Por trás dessa ;revolução; de propostas e de conceitos está Mohamed Hefzy, produtor de 43 anos conhecido por filmes como Yomeddine, de A.B. Shawky, que competiu pela Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano e é o indicado do Egito ao Oscar. Hefzy assumiu a presidência do festival em março, com a missão de recuperar o espaço e o brilho do passado.
TRÊS PERGUNTAS /Mohamed Hefzy
Nas últimas duas décadas, outros festivais internacionais surgiram na região. Isso foi levado em consideração na reconfiguração do Festival do Cairo?
A competição (com outros festivais) é muito dura. Especialmente com o de El Gouna, aqui mesmo no Egito (inaugurado ano passado). O fim do Festival de Dubai como evento anual foi um golpe muito grande na indústria. Mas acabou dando ao Cairo um espaço maior para respirar, já que Dubai agora só acontece de dois em dois anos.
O que espera alcançar com os espaços de mercado que o senhor criou este ano?
É um grande evento paralelo com cinco dias de duração, que acontece na segunda metade do festival, que vai até o dia 30. Convidamos mais de 100 peritos, produtores, mentores, agentes de vendas, assim como também diretores e produtores árabes para mostrar seus projetos. Teremos também uma série de máster classes e oficinas com organizações e artistas de renome, como Brillante Mendonza. Serão cinco dias vibrantes e positivos. Espero que novas amizades e novas relações de negócio saiam dali.
Quais os principais desafios que o senhor teve que superar, à frente do festival?
O maior, obviamente, foi a falta de recursos e de fundos. O Ministério da Cultura cobria apenas 40% do orçamento do festival; o resto veio de instituições privadas e governamentais, além de patrocinadores. Eles nos deram mais músculos e independência. Outro desafio foi mudar a mentalidade das pessoas que trabalham na organização do festival há anos, até décadas. Outro ponto importante foi reconectar a comunidade cinematográfica internacional ao festival. Também temos que pensar em como encher as salas de cinema, como nos velhos tempos. A situação política do país nos últimos anos também contribuiu para essa perda de público, por causa da instabilidade econômica e a falta de segurança. Mas fico feliz em poder dizer que as coisas estão muito melhores agora, e o país está seguindo em frente.