Diversão e Arte

Ator do Teatro Oficina, Marcelo Drummond traz a Brasília peça 'Paranoia'

Marcelo sobe ao palco do Teatro Dulcina neste sábado, às 20h, para interpretar os versos do poeta maldito paulistano

Nahima Maciel
postado em 24/11/2018 06:30
Marcelo Drummond em cena do espetáculo 'Pra acabar com o juízo de Deus'

Marcelo Drummond não se cansa de subir ao palco para encenar Paranoia. O livro de poemas publicado por Roberto Piva em 1963 é uma ode a São Paulo e seu cotidiano. Sobretudo o noturno e sombrio. O ator, no entanto, nunca havia realizado o espetáculo fora da capital paulista. E Brasília, para ele, é um lugar muito simbólico, por isso está curioso para subir ao palco do Teatro Dulcina hoje, às 20h, para interpretar os versos do poeta maldito paulistano.

Cria do Teatro Oficina, para o qual entrou em 1986, aos 25 anos, e lapidado por Zé Celso Martinez Correa, Drummond não chama exatamente de teatro o que faz em Paranoia. É performance, interpretação com certeza, quase um show, talvez. O ator não está sozinho no palco. É ele quem conduz o espetáculo, mas para isso conta com as projeções de Cecília Lucchesi e a câmera ao vivo de Igor Marotti, responsáveis por criar e editar imagens em tempo real. ;A gente começou a brincar com uma coisa mais performática até conseguir fechar numa estrutura, parece mais um show, mas é poesia;, avisa. ;Tem músico em cena e a diretora de arte faz uma coisa gráfica. Começa com uma escrita, meio japonesa, e termina num efeito com laser numa tinta no teto, uma coisa gráfica, multimídia;.

O ator ouviu falar de Roberto Piva no dia em que chegou em São Paulo para integrar o Teatro Oficina. Vinha do Rio de Janeiro, sua cidade natal, e Zé Celso o intimou a ler Paranoia. O poeta e o diretor eram muito amigos. Drummond não deu muita bola durante a primeira leitura dos versos mas, anos depois, em um jantar de Natal, enquanto recitava alguns poemas de Piva, se deu conta do potencial contido no livro e quis encená-lo.

Essa primeira ideia do espetáculo tomou corpo em 2009, um ano antes da morte do poeta, mas Drummond só subiu ao palco com a performance dois anos depois. ;O Piva já estava bem doente e o Zé falou ;o Marcelo vai montar o Paranoia;. Eu o visitei no hospital e soube que o Zé falou pra ele que eu ia montar. E fiquei com essa coisa: tinha que fazer, eu disse que ia fazer né?;, conta. ;E comecei a gostar muito de fazer. Teve um processo enorme. Em 2011, fiz uma primeira coisa em público, que foi quando começaram essas parcerias com o Zé Pi, que fez a música, e a Ciça Lucchesi.;

Paranoia, que integra a programação do 1; Festival Dulcina, trata, basicamente, da cidade de São Paulo. O ritmo levado por Drummond ao palco é o mesmo do qual falam os versos. ;É muito musical, apesar daqueles versos enormes, porque ele tem versos de linhas e linhas;, avisa o ator. O mito da metrópole que não para, embarcada a uma velocidade alucinante, também está no espetáculo, assim como a voz do próprio Roberto Piva recitando os poemas ao som de jazz.

O espetáculo é uma pausa numa rotina especial de ensaios. Drummond, o Oficina e Zé Celso se preparam para levar ao palco, em dezembro, Roda viva e O rei da vela. O momento é especial para as duas peças. A montagem de Zé Celso Martinez Correa para O rei da vela, peça de Oswald de Andrade publicada em 1937, é um marco do Teatro Oficina e estreou em 1967. Drummond vive o rei Abelardo 1;, personagem que causou impacto nos anos 1960 na pele de Renato Borghi. Algumas apresentações já foram feitas em São Paulo, em uma temporada com o próprio Borghi no papel.

O texto de Oswald é uma crítica ao Brasil dos anos 1930, ao autoritarismo e ao nacionalismo cego, mas também à subserviência de uma nação diante do capital estrangeiro. Imperialismo, decadência e crise aparecem em metáforas para construir a história de Abelardo, um industrial das velas à beira da falência. Para se salvar, ele procura se unir aos interesses da burguesia. Não consegue. ;É assustador o que Oswald de Andrade fala nos anos 1930, são coisas que estão acontecendo agora;, conta Drummond.

Roda viva também é muito simbólica dentro do repertório do Oficina. A estreia completou 50 anos em maio e será celebrada em dezembro com uma temporada, inicialmente, no Sesc/Pompeia. A estreia de Chico Buarque na dramaturgia foi um dos momentos mais tensos da cultura no regime militar. Durante apresentação no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, o palco foi invadido por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e os atores, agredidos.

Pouco tempo depois, considerada por muitos como um texto de resistência à ditadura, a peça deixaria de ser encenada. Drummond diz que é mesmo curioso o Teatro Oficina se debruçar sobre o próprio repertório, que sempre foi de contestação e de questionamento, no momento político vivido pelo país. Ele fica apreensivo quanto às reações, mas não chega a se sentir acuado. ;Mas tenho certo receio claro. Roda viva mexe numa coisa que, justamente, foi proibida e atacada por paramilitares e militares. Se isso vai ser visto como uma afronta, não sei. Engraçado que a gente está fazendo uma coisa para estudar a própria história do teatro, de onde vem o trabalho da gente, e está batendo muito em coisas muito atuais. As coisas de 50 anos atrás têm uma validade incrível hoje;, diz o ator, que encenava em Brasília Pra dar um fim no juízo de Deus no momento em que a ex-presidenta Dilma Rousseff sofria o impeachment.

Ponto a ponto / Marcelo Drummond

Roberto Piva e São Paulo
"O Piva é muito paulista. Nem sei o quanto ele é conhecido fora, eu não conhecia antes de chegar em São Paulo. Era uma época em que todos que tinham sido censurados, que ficaram fora da mídia, a gente não conhecia tanto. E ele ficou maldito, logo foi proibido, essas coisas que aconteceram na ditadura. Ele ficou mais conhecido do público depois, com reedições de Paranoia do IMS."

Paranoia
"Ele tem essa visão antropófaga de São Paulo, com esses versos, essa velocidade. Fico até em dúvida às vezes quanto ao nome da poesia porque passei por cima do nome, fui emendando uma coisa na outra. Fui vendo como um lado musical, só que é uma coisa falada, tem o ritmo da música. Tem aqueles momentos mais calmos, tipo Praça da República dos meus sonhos, que você entra em outro ritmo. Tem uma coisa muito noturna e é uma época em que eu vivia mais noturnamente. Fui tentando pegar o que é a noite de São Paulo do momento. Trouxe tudo aquilo do Oficina que é a tecnologia, vídeo, câmera ao vivo."

Teatro e política
"É importante. Teatro é um momento que as pessoas meditam juntas. No teatro, a gente pode ter catarse. Essa catarse que se busca em tantas igrejas, em tantas coisas, você tem no teatro. E acho que isso é uma ligação política. Porque não é só política, é cosmopolítica, como o Zé diz. Fazer a política como um todo, não como a política partidária. Porque nisso, a gente tá fodido. Então, tem que pensar em cosmopolítica. E nisso, o teatro é importante porque é um momento de fazer essa meditação coletiva. Ele existe, sempre existiu e nunca vai deixar de existir. A gente vai conseguir fazer porque depende do esforço humano, não é de outra coisa."

Eleições
"Estou chocado. Completamente chocado. Tou reagindo, porque a gente tem que viver, não tem como. Mas é chocante essa vontade de uma população enorme de voltar atrás. É uma desinformação enorme e as pessoas acreditando na desinformação. Isso me choca. Começo a ver pessoas próximas que estão reagindo de uma forma fascista."

Conservadorismo
"Acho que teve uma campanha moral de algumas igrejas que levou a população para uma reação mais conservadora. E tem muitos interesses atrás de tantas igrejas, interesses políticos e econômicos. Não é uma coisa de interesse de fé ter tantas igrejas, é um negócio. Isso acho que foi um dos pontos. Agora, teve essa campanha toda para tornar política uma coisa desprezível, além de um congresso que, realmente, deixou muita gente boquiaberta pelo nível. Teve toda uma campanha de destruição de alguma coisa. Mas é por interesses outros, escusos, esquisitos. Acho que um cara feito o Olavo de Carvalho ser um guru, não sei de onde veio essa guinada. Pura doutrinação."

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