Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Rosa Passos lança disco autoral, 'Amanhã vai ser verão'

Com o refinado disco 'Amanhã vai ser verão', a cantora baiana-brasiliense confirma porque é respeitada em todo o mundo

Rosa Passos era uma jovem compositora, que deixara Salvador, em 1974, vindo morar em Brasília. Cinco anos depois, ao se decidir pela carreira de cantora, lançou Recriação, um LP só de músicas próprias. Tempos depois, na gravação de alguns CDs, buscou incluir suas criações no repertório. Mas só agora, com Amanhã vai ser verão, o 22; título de sua discografia, é que volta a produzir uma obra totalmente autoral.

"Esse é um projeto que vinha acalentando há bastante tempo e, de certa forma, instigada pelos fãs, que me cobravam um disco totalmente autoral. A decisão de fazê-lo surgiu em 2016 e imediatamente comecei a trabalhar", conta Rosa. "Como sou meio compulsiva, enquanto compositora, tinha um bom material pronto, canções criadas com Fernando de Oliveira, meu parceiro dileto e frequente", revela com exclusividade ao Correio, citando Banquete, Essas tardes assim e Partilha, faixas do Amanhã vai ser verão, além de Aquáruio, feita com o poeta Salgado Maranhão.

Desde o momento que começou a idealizá-lo, a cantora tinha em mente algo meio latino, ligado a boleros e canções. Ela queria mostrar que, paralelamente à intérprete de bossa nova, samba e jazz, existe uma cancionista. Numa segunda fase do processo de criação voltado para o álbum, foram surgindo novas composições, todas fruto de parcerias com Fernando Oliveira (Bésame poco e Tarde demais), Walmir Rocha Palma (Passarinho), Jorge Helder (Inocente blues) e Marcelo Pizo, coautor da faixa título.

Melodia

"Para todas eu criei a melodia, menos em Inocente blues. Jorge Helder me enviou um blues maravilhoso que, por pouco, não foi parar nas mãos de Chico Buarque (risos). Fiquei apaixonada com o que ouvi e me propus colocar a letra. Eu tenho muitas poesias escritas, mas nunca me animei em musicá-las. Eu me empenhei muito na criação da letra de Inocente blues, pois queria que ficasse à altura da melodia de Jorginho. Espero que tenha conseguido;, comenta. "Ah, sim, ele e seu contrabaixo acústico podem ser ouvidos em algumas canções".

Três das faixas do CD são regravações. Nana Caymmi foi quem primeiro gravou Essas tardes assim, no disco Mudança dos ventos; enquanto Emílio Santiago incluiu Desilusión (Rosa Passos e Santigo Auserón) no set list de um DVD lançado por ele. "Desilusión e Edredon de seda, minha e de Arnoldo Medeiros, gravei no Rosa, disco de voz e violão, que lancei em 10 de fevereiro de 2006, com show no Carnegie Hall, em Nova York;, lembra.

Zé Luiz Mazziotti, dono de uma das mais belas vozes da MPB, faz participação especial no Amanhã vai ser verão, dividindo a interpretação de Banquete com Rosa. ;A versão original dessa canção, que tinha como título Greta Garbo, o Zé Luiz cantava em show. Ao convidá-lo para cantar comigo no CD, o Fernando (de Oliveira) fez acréscimos na letra e deu o nome de Banquete. Nessa nova versão eu canto a parte feminina da letra e o Zé Luiz, a masculina;.

Gravações

Lula Galvão assina os arranjos de 10 faixas e Rosa, as outras três. ;Lula, com quem trabalho há 30 anos, desde o tempo em que eu cantava no Degraus, na 302 Norte, tomou parte em praticamente todos os meus discos. Para mim, trata-se de um dos maiores violonistas e guitarristas do mundo e tê-lo comigo em meus trabalhos é um acréscimo de excelência;.

Participam também das gravações, músicos que tocam com a artista desde 1997: Paulo Paulelli (baixo), Fábio Torres (piano) e Celso Almeida (bateria), todos paulistas; além de Hélio Alves, que atualmente mora nos Estados Unidos. ;Contei ainda com Lívia Mattos, uma excelente acordeonista baiana;, complementa. A refinada capa foi criada por Henrique Passos (cunhado de Rosa) e a parte gráfica pelo filho dele, Carlos Henrique Passos. ;Faço o pré-lançamento do álbum com show nos dias 13 e 14 de dezembro, no To be or not to be, em São Paulo;, anuncia.

SERVIÇO

Amanhã vai ser verão

CD de Rosa Passos com 13 faixas. Lançamento da Tratore. Preço sugerido, R$ 29,90.


Leia crítica do disco

Delícia de ouvir

Paulo Pestana

Depois de dedicar discos inteiros à obra de Ary Barroso (1998), Tom Jobim (1998) e Dorival Caymmi (2000), e de interpretar outros craques da música brasileira em 19 discos, Rosa Passos volta aos primeiros tempos e lança Amanhã vai ser verão, com 13 canções compostas por ela e parceiros. Estava na hora.

Desde 1979, quando lançou Recriação, seu primeiro disco ; o único que ainda não foi digitalizado ;, Rosa Passos não dedicava um volume inteiro para suas próprias composições. Mesmo salpicando canções em vários discos, o lado da compositora acabou escondido pela intérprete que recriou algumas das mais emblemáticas músicas brasileiras.

O espectro musical de Rosa Passos é amplo, vai do bolero ao blues sem sobressaltos e com apuro. Alma de bolero abre o disco mostrando que cabe bossa e jazz na secular música cubana, bastante valorizada pelo arranjo de Lula Galvão, e com uma das melhores interpretações da cantora em todos os seus discos.

Na mesma linha, ela regravou Desilusión, parceria com Santiago Auserón que havia registrado em Rosa, de 2006. Desta vez, a instrumentação rica contrasta com a gravação original, só ao violão, valorizando a bela melodia do bolero. O mesmo acontece com Edredon de seda (do mesmo Rosa) que ela regrava neste novo disco com muito mais riqueza instrumental, o que acaba por valorizar a voz da cantora.

Mas a canção mais sofisticada é Inocente blues, parceria com Jorge Hélder, quando Rosa Passos aparece como letrista. Com andamento lento, a melodia quase se transforma num fox trot, mas com inversões que impedem que caia em qualquer armadilha de facilitada; ao contrário, obriga Rosa Passos a explorar vários aspectos da voz.

É um disco para ser ouvido à moda antiga, com calma, por inteiro, com a beleza assumindo a ponta e surpresas sutis o suficiente para enlevar. Amanhã vai ser verão, a canção, é uma delícia que praticamente resume o disco homônimo e redime uma temporada fraca de lançamentos, além de trazer um dos solos de guitarra mais inspirados de Lula Galvão. São canções que merecem contemplação, para se explorar sozinho e em silêncio, deixando que a música ocupe todo o espaço. É um disco para mostrar que ainda há quem faça música.