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Entenda o movimento griô e a importância da ancestralidade na cultura

O movimento griô transmite ensinamentos, de geração em geração, por meio da oralidade

Ronayre Nunes
postado em 12/12/2018 07:10
Movimento griô se dedica a estudar e transmitir os ensinamentos da cultura afro-indígena brasileira

;A tradição faz de nós aquilo que somos;. Albert Einstein ficou famoso nos estudos da física por teorias tão futuristas, que até hoje são difíceis de provar. Mesmo assim, a célebre frase deixa claro o quanto o alemão dava extrema importância à ancestralidade. Tendo como objetivo olhar para o passado como uma fonte de ensinamentos e cultura, o movimento de estudos de tradição griô joga uma luz na pouca representatividade acadêmica que a herança popular e afro-indígena sofre no Brasil, e especialmente em como mudar tal panorama.

O griô se baseia na tradição oral para a transmissão de vivências e saberes culturais de uma comunidade. O mestre griô é reconhecido por, coletivamente, transmitir ensinamentos de geração em geração, com uma identidade própria de um povo, e inclusive com uma potência expressiva pedagógica em tais ensinamentos. ;Quando dizem que você é um griô, significa que você se comprometeu a guardar as histórias, a guardar uma genealogia, e viver como um registro vivo, com instrumentos, elementos e rituais de iniciação. É como um historiador que trabalha com o canto e a memória;, explica Luciana Meireles, estudiosa acadêmica de vertente desta tradição oral, e membro da Casa Moringa, que realiza atividades e cursos sobre a pedagogia griô.

Na capital não é tão raro encontrar eventos, reuniões e atividades culturais que buscam debater, e especialmente, transmitir um pouco mais sobre a importância da tradição oral griô e como ela pode ajudar a contemporaneidade a resolver problemas olhando para o passado. De acordo com Luciana, usar da transmissão oral é um fenômeno mundial, mas que no contexto brasileiro guarda singularidades fundamentais: ;O que existe aqui é a tradição do griô africano, que veio do Mali. É uma tradição de contação de história, que é passada de geração do pai pro filho. A pedagogia griô, criada na Bahia, se baseia no fato de que essa contação de história tem uma proposta pedagógica, na valorização da vivência das comunidades tradicionais, na tradição oral. E o griô é uma forma de organizar esse conhecimento, como se fosse uma biblioteca viva;.

Griô na academia

Se a tradição oral já tem importante espaço em comunidades específicas, o grande desafio agora é levar o griô à academia. Luciana explica que já existem projetos que buscam o estudo da tradição griô, como o programa Cultura Viva, centro de referência na Bahia que introduziu a estudante a tradição oral: ;Em todo esse processo da diáspora africana, a figura griô se misturou com as nossas tradições, temos muitas influências, mas ainda sem muitos registros, e essa ação está tentando fortalecer essa tradição ligando à educação, com a escola. Foi a partir dai que eu conheci essa rede e me identifiquei muito;.
Mãe Cicera defende a tradição como uma forma  de ensinamento

Luciana ainda completa sobre como a pedagogia griô é outra importante forma de sistematizar essa ancestralidade, dessa vez ensinando ao clássico sistema educacional racional e teórico: ;A proposta da pedagogia é fazer uma ponte entre o conhecimento acadêmico e a tradição oral das comunidades brasileiras, dentro de um terreiro, na capoeira, em comunidades indígenas. E a pedagogia estuda como esses conhecimentos podem ser valorizados e reconhecidos, e que um complemente o outro e não para que a tradição oral seja superior, ou nada desse tipo. A escrita precisa da vivência, a escrita é o registro do que se viu. Você precisa viver para depois escrever, é o contrário do comum da escola, e a pedagogia reflete essa contradição;.

Colocar a tradição griô em foco também faz parte de uma quebra de preconceitos fortes da sociedade brasileira, segundo Luciana: ;A gente vive um processo no nosso país de desqualificação do conhecimento oral, que é racista, que classifica isso como folclore, que diz que ;é coisa do povo; e inferioriza esses saberes. O trabalho que a gente faz busca esse reconhecimento, a gente não está falando de minorias, a cultura afro-indígena brasileira é maioria. A pedagogia griô se desafia a buscar na academia a desconstrução desses preconceitos. É perceber que a racionalidade precisa dessa reconexão com a ancestralidade na busca de novas respostas e soluções a desafios que a contemporaneidade colocou para a gente;.

Em busca de maior representação, o grupo organiza reuniões e debates

Na prática

O Correio bateu um papo com mestres griôs para tentar entender como a atividade funciona na prática. Com 55 anos, a Mãe Cícera, moradora de Samambaia Sul, é uma delas. Umbandista, a mulher explica que a ação griô é composta por vários elementos, mas extremamente gratificante: ;Nós temos a responsabilidade de manter viva a os ensinamentos da nossa ancestralidade. É muito difícil, porque a sociedade moderna sempre tentar excluir essa expressão. No dia a dia como griô eu sou benzedeira, ensino como tratar naturalmente algumas doenças de tempo, com banhos e orientações;.

Mãe também aponta como essa tradição oral faz parte da vida de muitos, mesmo que imperceptível: ;Algumas coisas aqui no Brasil têm muita dessa ancestralidade, toda vez que alguém fala ;vá tomar um chá com três ramos;, ou alguma coisa desse tipo. Isso já vem de um ensinamento antepassado, isso faz parte da vida do brasileiro, mas o que a gente busca é uma oficialização dessa cultura, queremos que isso entre nas escolas, que faça parte de um contato mais estreito com a sociedade, não queremos enfiar nada garganta abaixo de ninguém, queremos ensinar, conversar sobre o poder da informação dos nossos antepassados;.

Dona Santina ressaltou as amizades com outros mestres griôs

Dona Santina, 58 anos, moradora de São Sebastião, também é uma mestre griô, e aponta que a convivência entre os responsáveis pela tradição oral é importante ponto de formação cultural: ;Acho que já me reúno com mestres há mais de 12 anos. Na primeira vez foi em um viagem para Limoeiro do Norte (CE) e encontrei outros mestres. Acrescenta muito essa amizade, sabe? Aprendemos muito com os outros, aprendemos inclusive a como ensinar, como falar e fazer nossa contação de história, como ser griô;.

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