Adriana Izel
postado em 22/12/2018 06:30
No ano em que o cantor e compositor Martinho da Vila completou 80 anos, a pesquisadora, escritora e amiga do artista Helena Theodoro lançou a obra Martinho da Vila ; Reflexos no espelho (Pallas Editora). O livro, que tem 240 páginas, é produto de um estudo de mais de 30 anos e não se propõe a ser uma simples biografia, mas sim analisar a figura do sambista como o ;ideal de uma pessoa humana na cultura negra e suas implicações com a moral social brasileira; mergulhando profundamente na realidade do Brasil, como explica a autora no prefácio do livro.
;Quando pensei em enfocar o Martinho, não foi simplesmente pelo fato de ser um artista famoso, mas por representar um processo negro. A proposta do livro não é ser apenas uma biografia dele ou uma bibliografia. Quando falo do Reflexo no espelho, falo da importância dele dentro da realidade cultural do nosso país. Eu enfoquei a visão dele com a família, com o trabalho, com os amigos, com a política e com a religiosidade, sendo características do processo do negro africano, da territorialidade e da ação comunitária. Martinho reunia tudo isso;, define Helena Theodoro em entrevista ao Correio.
Amiga de Martinho, ela conta que começou os estudos assim que ele lançou o primeiro livro dedicado ao público infantil. A partir daquele momento, ela identificou uma série de características no artista dentro do conceito que queria discutir e compartilhar. ;Comecei a estudar o Martinho a partir da minha tese de doutorado do ideal de pessoa numa comunidade tradicional, enfoquei no homem negro. E a figura que encontrava essas características era o Martinho. Como a gente sempre foi muito amigo, acompanhei essa maneira de ser dele. Achei que seria interessante escrever um livro sobre como caracterizar esse homem negro, que muitas vezes é visto apenas como jogador de futebol e/ou artista. Existe muito preconceito no nosso país. Essa visão do homem negro consciente de si mesmo e sua maneira de ver o mundo, era o que eu queria mostrar;, lembra.
Exemplo de artista
Sobre a escolha por Martinho da Vila, a autora explica que tem a ver com o fato de que o carioca sempre foi um artista que se mostrou mais do que um excelente sambista se preocupando em levar consciência ao seu público de diferentes formas. ;Comecei a escrever quando ele fez o primeiro livro infantil (Vamos brincar de política?) e um disco para crianças. Fiquei muito encantada com o trabalho voltado para educação e por verificar que esse era um homem de arte preocupado com os problemas sociais e políticos. No disco (Musical infantil de Rildo Hora e Martinho da Vila), ele tratava do menor abandonado, das relações, de uma série de preocupações com os direitos humanos. A partir daí comecei a conhecer a obra dele. Quando escreveu Joane e Joana, primeiro romance dele, achei interessantíssimo ele mostrar a diferença de mentalidade da cidade e do campo;, conta.
Helena ainda destaca outra forte característica de Martinho da Vila: a preocupação com a comunidade. ;Eu vi no Martinho um exemplo vivo de toda uma proposta que a comunidade negra traz há mais de 10 mil anos, que é completamente diferente do mundo individualista, onde a competição é palavra de ordem. Com ele, tudo é colaboração e conhecimento conjunto;, revela, citando exemplos de quando o artista comprou a fazendo onde o pai trabalhava para criar o Instituto Martinho da Vila e o fato de sempre ter ajudado a família e os amigos. ;Ele não ficou aquele cara riquíssimo que estabelece relação de primo rico e primo pobre. Ele pensa que se um cresce, o grupo cresce;, completa.
Para retratar tudo isso no livro, Helena dividiu a história do artista em sete capítulos que refletem sobre as origens do compositor, poeta, escritor e sambista (O reflexo das origens) passando pelo bairro natal Duas Barras e Vila Isabel; o sucesso destrinchado em três capítulos Construção do sucesso, Reflexões sobre o sucesso e Mais dez anos de sucesso: 1980 a 1989; os anos 1990, quando o artista relacionou o samba e a religiosidade; a família no capítulo Reflexos na família; e o novo século que trata da influência do material de Martinho na contemporaneidade.
;Ele é um homem e um artista negro que vai da música popular à clássica com o Concerto negro, por exemplo. Ele não é uma pessoa limitada. É um homem que aos 80 anos conclui um curso de relações internacionais por sentir a necessidade de ampliar sempre o seu conhecimento, mesmo tendo viajado o mundo inteiro. Ele é um ser humano completo dentro de uma visão da tradição afrodescendente;, analisa Helena Theodoro. E é exatamente isso que a autora representa no livro, em que mistura biografia, reflexão e análise acadêmica, com todo o apoio de Martinho.
Martinho da Vila ; Reflexos no espelho
De Helena Theodoro. Pallas Editora, 240 páginas. Preço médio: R$ 58.